Tudo que você precisa saber sobre o futuro do setor automotivo mundial está impresso nos cartões de visita de Carlos Lozano de la Torre, governador de Aguascalientes, no México, província central cujo nome deriva de sua abundância de fontes termais. Lozano não domina o inglês e os tradutores dele fazem horas extras por um bom motivo. Em um período relativamente curto, a produção automotiva do México deu um salto, reforçada por uma avalanche de investimentos de montadoras estrangeiras, como Nissan, Honda, Volkswagen e Mazda. Com US$ 19 bilhões em novos investimentos, a produção dobrou nos últimos anos, atingindo 3,2 milhões de veículos em 2014, segundo as estimativas.
O motivo é simples: o México tem alguns dos esquemas de livre comércio mais liberais do mundo e está tirando o máximo proveito deles. Enquanto Washington passava uma década obcecada pela Guerra ao Terror, em detrimento de uma política baseada na economia, o México estava ocupado fechando negócios, e políticos como Lozano estavam atraindo investidores. Hoje, o México tem acordos de livre comércio com 44 países, o que faz dele uma base de exportação ideal para montadoras da Europa, da China, do Japão e, sim, dos Estados Unidos.
O resultado é o que se poderia esperar. Oitenta por cento dos carros montados no México são exportados para outros países, cerca de dois terços deles para os Estados Unidos. “Eu posso exportar com isenção de impostos para a América do Norte, a América do Sul, a Europa e o Japão”, afirma Thomas Karig, vice-presidente de assuntos corporativos da Volkswagen do México. “Em nenhum outro país do mundo você pode fazer isso.” Nas últimas semanas, a Infiniti, a Mercedes-Benz e a BMW detalharam, todas elas, planos para montar carros no México. A Hyundai-Kia está para anunciar uma fábrica a qualquer momento. Enquanto isso, a Audi está na metade da construção de uma fábrica de US$ 1,3 bilhão que montará SUVs de luxo no México a partir de 2016. O país, que no momento é o oitavo maior produtor automotivo do mundo, está a caminho de ultrapassar o Brasil este ano. Até 2020, o México deverá chegar à sexta posição – atrás de China, Estados Unidos, Japão, Índia e Alemanha –, com uma produção anual de 4,7 milhões de veículos.
O crescimento explosivo do setor automotivo mexicano não é uma mera repetição do movimento ocorrido nas décadas de 1970 e 1980, que gerou um mar de fábricas ao longo da fronteira com os Estados Unidos. Naquela época, as montadoras norte-americanas enviavam autopeças para o outro lado da fronteira, onde a barata mão de obra mexicana as transformava em carros e os enviava de volta com isenção de impostos.
Hoje, as montadoras ainda gostam da força de trabalho jovem (idade média de 24 anos) e comparativamente barata (cerca de US$ 40 por dia). Mas há muitos outros motivos. As montadoras europeias dizem que a moeda mexicana, dominada pelo dólar, proporciona a elas uma proteção natural contra variações cambiais. Para fabricantes japoneses como Mazda, Nissan e Honda, a elevação do iene em relação ao dólar dos Estados Unidos deixou o Japão muito mais caro do que o México para produzir veículos.
“O México virou uma superpotência em carros”, diz Eugenio Madero, executivo-chefe da Sanluis Rassini North America, fornecedora mexicana de componentes de suspensão que se beneficia dessa expansão. “É como o meteorito que caiu na Península de Yucatán 3 milhões de anos atrás. Só o tamanho dos investimentos já muda a face da Terra. Outro dia tinha um cara arando o terreno e agora tem uma fábrica lá.”
A famosa cratera causada por essa explosão fica no estado de Aguascalientes, 720 quilômetros a sudoeste da fronteira com o Texas, onde a mineração de prata e a agropecuária deram lugar a densas concentrações de atividade industrial. A poucas horas de distância de portos importantes em dois oceanos, é um bom local para despachar veículos em praticamente qualquer direção. “É só chegar ao oceano e em sete dias você está na China”, explica Madero. “Se você envia da Europa, precisa cruzar o Mediterrâneo e o Mar Vermelho.”
Há tempos, Aguascalientes é um grande entroncamento ferroviário devido a sua localização estratégica, no meio dos grandes centros populacionais de Guadalajara, Monterrey e Cidade do México. A capital, que também se chama Aguascalientes, é sufocada pelo tráfego em torno da área de pedestres, com sua encantadora arquitetura colonial espanhola. No entanto, um pouco mais longe do centro, Aguascalientes se parece com qualquer outra zona residencial espalhada da região sudoeste dos Estados Unidos, com shopping centers, hotéis e áreas industriais, inclusive uma nova fábrica da Texas Instruments.
Alguns quilômetros ao sul, dominando o horizonte acastanhado, está a nova e enorme fábrica da Nissan, com 2 milhões de metros quadrados. Com suas paredes e telhado brancos, ela é a menina dos olhos de Lozano. O governador ajudou a costurar um acordo pelo qual o governo vendeu o terreno, situado a apenas 6 quilômetros de outra fábrica da Nissan, a preço de banana à montadora japonesa. Dezenove meses depois, a planta de US$ 2 bilhões, um dos maiores investimentos industriais já feitos no México, estava de pé e prestes a entrar em operação. A produção do Nissan Sentra de quarta geração começou em novembro último e foi rapidamente elevada à plena capacidade de 175 mil veículos por ano, operando 23 horas por dia, seis dias por semana.
Cerca de 3.000 empregos foram criados, além de outros 9 mil em empresas fornecedoras. “O sucesso da Nissan é o sucesso de Aguascalientes”, diz Esau Garza de Vega, principal assessor de desenvolvimento econômico de Lozano. Mas apesar do tamanho, a ampla fábrica da Nissan ocupa somente 35% do poeirento terreno de 445 hectares, o que dá uma clara indicação de que ainda há muito mais por vir. Em junho, a Renault-Nissan e a Daimler disseram que ocupariam uma parte dele com a construção de uma planta de US$ 1 bilhão para fabricar compactos Infiniti e Mercedes- Benz a partir de 2017.
Ao sair do ofuscante sol do deserto e entrar no saguão da montadora, refrigerado e revestido de azulejos brilhantes, o chão de fábrica é uma enorme e cintilante cascata de luz natural, tinta fresca e automação silenciosa, impossível de distinguir das plantas de última geração da Alemanha, do Japão e do sul dos Estados Unidos. Em meio a rajadas de faíscas, 190 reluzentes robôs amarelos soldam os esqueletos de aço de um dos compactos de maior sucesso comercial da Nissan (72% da operação é automatizada). Contudo, a nova tecnologia mantém o nível de ruído inferior ao da maioria das plantas de estampagem, o que é uma bênção para os trabalhadores.
Do outro lado da rua, com acesso por uma ponte recém-construída, fica um centro de logística em que vagões ferroviários estão prontos para transportar veículos para os Estados Unidos e o Brasil (a Nissan envia do México a 50 países). Levando-se em conta as duas fábricas de Aguascalientes, a Nissan produz um carro a cada 38 segundos, ritmo compatível com o de sua planta principal, em Kyushu, no Japão.
Para desfrutar das políticas de isenção de impostos do México, as montadoras estrangeiras concordam em comprar pelo menos 62,5% de suas autopeças na América do Norte (inclusive nos Estados Unidos). Isso gerou ainda mais prosperidade para fornecedores mexicanos novatos, bem como para gigantes mundiais de peças, como a Magna International e a Delphi, que foram para o México seguindo seus clientes. A Magna, por exemplo, abriu sua primeira planta mexicana em 1991 para atender a Volkswagen. Hoje, a fábrica de 300 hectares da VW em Puebla é a segunda mais produtiva da montadora no mundo, ficando atrás apenas de Wolfsburg. E a Magna tem 30 unidades e receita de US$ 3 bilhões no México. O número de empregos dobrou para 24 mil em menos de sete anos.
Quanto à Nissan, com três unidades fabris ao sul da fronteira, a capacidade mexicana da empresa aumentou para 850.000 unidades por ano – quase um quarto dos carros montados no México. Até 2020, a Nissan pretende estar produzindo 1 milhão de veícukis por ano lá. “Nenhum outro mercado está indo tão bem para nós quanto o México”, comenta Carlos Ghosn, o brasileiro CEO da Nissan. “É um exemplo para outros países.”
A evolução começou em 1994, quando o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) estimulou grandes investimentos por parte das principais montadoras. A partir de então, elas começaram a implantar, no México, tecnologia de ponta, compatível com a de suas plantas nos Estados Unidos e Canadá. Com seu setor automotivo irreversivelmente transformado pelo Nafta, o México buscou com dinamismo acordos comerciais com países da Europa, Ásia e América do Sul, em forte contraste com rivais latinos como Brasil e Argentina, que adotaram políticas mais restritivas.
A expansão da produção mexicana já está afetando o setor automotivo norte- americano.
Hoje, 40% dos empregos da área estão no México, sendo que no ano 2000 essa cifra era 27%. “Admite-se que, se não fizermos algo diferente, isso vai continuar”, diz Suzanne Dickerson, executiva do Centro Internacional de Pesquisa Automotiva da Universidade Clemson. A última fábrica de automóveis construída nos Estados Unidos foi a planta da Volkswagen em Chattanooga, Tennessee, em 2011. A Audi cogitou os Estados Unidos quando estava decidindo em que parte da América do Norte montaria o Q5, utilitário esportivo de enorme sucesso comercial. O México apresentava uma vantagem de custo de US$ 500 por carro devido à mão de obra, mas isso era contrabalançado pelos custos de transporte, mais altos. O fator decisivo foi a política comercial do México. Os Estados Unidos não têm acordos comerciais com o Japão, a União Europeia e o Brasil. Em virtude das tarifas adicionais, um carro exportado do Tennessee para o Brasil custa 55% mais caro do que um carro exportado do México.
A decisão da Audi foi um marco importante para o setor – um sinal de que a indústria do país tinha conquistado uma reputação de alta qualidade. Em vez de importar componentes da Alemanha, a Audi pretende comprar 90% das peças do Q5 na América do Norte. Na província do governador Lozano foram criados mais de 44 mil empregos nos últimos três anos e meio. Além disso, Lozano segue acelerando: acaba de voltar da Ásia com um investimento de US$ 100 milhões de um grande fornecedor de autopeças.