Nenhum país bate a supremacia americana no ranking das 500 melhores universidades do mundo, elaborado pela Academic Ranking of World Universities, da Shanghai Jiao Tong University, na China. Entre as top 10, oito são americanas na lista encabeçada por Harvard, Stanford, MIT, Berkeley, Cambridge, Princeton, Caltech, Columbia, Chicago e Oxford.
O Brasil aparece depois da 100ª posição com a Universidade de São Paulo (USP), que acumula uma dívida de R$ 175 milhões. Outras cinco instituições brasileiras de ensino – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – também aparecem na lista. Há várias instituições de qualidade que não estão no ranking, como Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Insper. Embora a cena educacional brasileira esteja longe de ser um modelo para o planeta, é no país que está instalado o maior grupo de educação do mundo em valor de mercado – R$ 27,6 bilhões.
Após 24 aquisições e a marcante fusão com a Anhanguera, a Kroton Educacional, nascida em 1966 em uma sala de aula de Belo Horizonte (MG) como curso pré-vestibular Pitágoras, virou a menina dos olhos do mercado graças ao tamanho que atingiu e ao potencial que apresenta em relação ao desenvolvimento da educação no país, um negócio que tem players de peso como Estácio, Laureate, Unip, Uninove, dentre outros grupos ou grifes do setor.
Maior grupo com número de alunos matriculados no ensino superior privado do Brasil, a Kroton é um colosso que oferece educação básica (berçário, ensino fundamental e médio), graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado, cursos técnicos, de idiomas, preparatórios e de extensão em 550 municípios. Líder de mercado com 12% de market share no ensino superior presencial e no EAD (educação a distância), ela fechou 2013 com receita líquida de R$ 2 bilhões, Ebitda ajustado de quase R$ 730 milhões e 519 mil alunos no ensino superior presencial e a distância. No consolidado de 2014, a expectativa é fechar com uma receita líquida de R$ 4,7 bi- lhões e Ebitda ajustado de R$ 1,5 bilhão. Fora os mais de 1 milhão de alunos.
Números tão superlativos traduzem bem uma aposta antiga de Marcos Boscolo, sócio da KPMG e líder da área de educação da auditoria. Há uma década acompanhando o setor, ele sempre acreditou que o ensino ganharia papel mais relevante no país. Esse processo de transformação teve início na década de 2000, quando o MEC passou a facilitar o processo de credenciamento de novos cursos e a abertura de novas vagas. Uma tentativa clara de incentivar o ingresso de mais alunos no ensino superior.
Apesar desse importante passo, o boom do setor ocorreu mesmo a partir de 2007. “Até 2006, as faculdades e universidades eram entidades de pessoas físicas ou instituições sem fins lucrativos. Em 2007, a Anhanguera tornou-se uma companhia de capital aberto e passou a transacionar ações ao lado de Petrobras e Ambev, mostrando ao mercado que uma faculdade poderia ser um bom negócio. Depois, o SEB (Sistema Educacional Brasileiro) de Ribeirão Preto fez a mesma coisa, decisão seguida pela Estácio do Rio de Janeiro e pela Kroton, com a abertura de capital da Pitágoras na BM&FBovespa. Todos fizeram IPO entre 2007 e 2008, o que ajudou a mudar a imagem da educação no país, que jamais foi vista como um negócio rentável, com retorno para o investidor”, recorda Boscolo.
O responsável por plantar essa semente foi o Pátria Investimentos, que se associou à Anhanguera e apostou na empresa após fazer um bem-sucedido IPO na área de saúde, mais especificamente do Dasa (de medicina diagnóstica). Seis meses após abrir o capital, a Anhanguera levantou mais de meio bilhão de reais na Bolsa. Com dinheiro entrando, vieram as aquisições. “A Anhanguera chegou a fazer mais de 40 aquisições e a colher sinergias que resultaram na entrega do resultados iguais ou maiores aos prometidos ao mercado”, lembra Boscolo.
Foi assim que nasceu o conceito de “consumidor” para o mercado de educação, que avança embalado em dois fatores: escala e qualidade. “E é essa a lógica que vem motivando as fusões”, afirma Daniel Domeneghetti, CEO da DOM Strategy Partners. Embrionário, esse negócio ainda engatinha no Brasil, acredita o executivo, que relaciona o movimento à incapacidade do governo de suprir a educação para toda população. “O mercado gerou uma escala monstruosa.” Há, no entanto, um porém apontado por ele: muitas faculdades jovens, imaturas e cheias de falhas técnicas e operacionais. O aprimoramento é vital.
O Brasil tem mais de 2 mil entidades privadas de ensino superior, o que torna o mercado muito pulverizado. De 2007 para cá, Boscolo diz que os melhores ativos foram arrematados, mas lembra que ainda há muita entidade de qualidade disponível, mas pequena para justificar um caro e longo processo de due dilligence. Ou seja, há muitas faculdades com mil alunos, um volume pequeno para grupos com 200 mil, 300 mil universitários. “Já que não há grandes ativos para ser comprados, os grandes grupos do mercado estão forçando agora um processo de expansão orgânica”, observa.
Já as instituições menores, acredita o sócio da KPMG, deverão encontrar formas de crescer. Ou seja, unir-se para ganhar volume e representatividade. O mercado mantém seu ritmo de crescimento forte, puxado até pela entrada de grupos internacionais, como o grupo americano de ensino Laureate, que já era dono da Anhembi Morumbi e comprou a paulistana FMU pelo valor comentado pelo mercado de R$ 1 bilhão. Outra americana que acaba de desembarcar no país é a Apollo Education, que arrematou recentemente, por cerca de R$ 74 milhões, o controle da Sociedade Técnica Educacional da Lapa S.A., dona da Faculdade da Educacional da Lapa (Fael), na região metropolitana de Curitiba (PR). A compra deu acesso a 12 mil alunos de graduação e pós-gradução presencial e a distância.
Em novembro, o grupo inglês Cognita, que tem 58 escolas pelo mundo e é ligado à fast-fashion C&A, estreou no mercado educacional brasileiro com a compra da escola bilíngue Cidade Jardim/PlayPen, em São Paulo. Pelo que se comenta, esse foi apenas o primeiro passo em solo brasileiro. Daqui para frente, no entanto, grandes fusões ou aquisições só devem ocorrer se Unip ou Uninove estiverem dispostas a conversar. “Essas duas são assediadas diuturnamente”, garante Boscolo.
O que esperar daqui para frente? “O setor educacional brasileiro é bastante promissor e o país tem evoluído gradativamente nos índices de universalização do ensino. Em junho, o governo federal sancionou sem vetos o Plano Nacional de Educação (PNE), que destina 10% do PIB para a educação. Hoje, no Brasil, investimentos sólidos na área são realizados com mais vigor, por meio de diversas iniciativas, tanto do setor público quanto do setor privado. Se os esforços continuarem – e tudo indica que sim –, o país poderá crescer e se desenvolver de forma mais igualitária”, acredita Rodrigo Galindo, presidente da Kroton.
Por menor que seja a previsão de crescimento do PIB em 2015, empresários e executivos da educação enxergam o futuro com otimismo. “O setor tem demonstrado bastante resiliência ao ambiente macroeconômico e não acredito que um aumento de juros possa impactar de forma relevante nos resultados. Na análise dos últimos cinco anos, temos conseguido repassar a inflação e entregar elevado crescimento de alunos. Estamos bastante confiantes no futuro.”
O comandante da Kroton aposta que o setor passará por uma profunda mudança em decorrência da inovação e da tecnologia aplicada à educação, modificando assim a dinâmica dos grupos educacionais. “Precisaremos ser agentes dessa transformação no setor e, com a liderança que a Kroton assumiu nos últimos anos, faremos importantes investimentos nessas duas frentes de atuação”, explica.
Nos próximos cinco anos, a Kroton planeja ampliar sua base de alunos das unidades existentes (presencial e EAD) em cerca de 10% ao ano, o que levará a um aumento das 130 unidades de ensino superior hoje em operação. Com o Projeto Greenfields, a expectativa é que sejam inauguradas mais 100 unidades em cinco anos – um terço delas já em trâmite no MEC, em processo de aprovação. “Neste momento, temos 458 processos de autorização de novos cursos no MEC, e 50 cursos foram autorizados nos últimos dois meses. Os números são grandiosos, do tamanho do desafio que o país tem em relação à educação”, afirma Galindo.
Embora o executivo garanta que a Kroton tenha muito para crescer organicamente, ele lembra que há, ainda, grandes oportunidades de consolidação. O mercado de educação superior, lembra, ainda é muito pulverizado. Seu foco é nas faculdades de ensino presencial em regiões estratégicas, preferencialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e ativos com marcas fortes. “O Brasil tem aproximadamente 2,4 mil instituições de ensino superior e o maior grupo de educação do país, a Kroton, tem apenas 12% de market share, ou seja, é um mercado altamente fragmentado, onde as oportunidades de consolidação continuam presentes. E para ser sustentável, esse processo deve vir acompanhado de aumento da qualidade.” O baixo nível de alavancagem da companhia – menos do que o valor do Ebitda previsto para 2014 – permite novas aquisições.
Nascida em 1966 como Pitágoras, a Kroton conseguiu dar o pulo do gato a partir das várias compras que fez e do modelo de gestão que desenvolveu. “Temos ferramentas robustas de gestão, uma cultura organizacional clara, um processo orçamentário bastante sedimentado, um escritório de gestão de projetos que gerencia a mudança com metodologias adequadas e modelos de gestão da rotina que garantem a eficiência. Some, a tudo isso, um elevado nível de governança corporativa e estão criadas as condições para o sucesso de uma organização”, enumera Galindo.
No processo de aprovação da fusão da Kroton com a Anhanguera, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) impôs a venda da Uniasselvi, a quinta maior instituição de ensino a distância do país, processo que ocorrerá em 2015. Ao longo dos últimos dez anos, o EAD foi responsável pelo crescimento do setor educacional e, segundo a Hoper Consultoria Educacional, a expectativa é que triplique o número de alunos matriculados nos próximos oito anos. Com desembolso menor e horários flexíveis, o ensino a distância virou uma forte alternativa para estudantes e um negócio irreversível para os grandes players. Hoje, a Kroton contabiliza 726 polos de graduação a distância e um projeto de credenciamento de mais de 448 polos em trâmite no MEC. Apesar da venda, a Kroton continuará atuando nessa área por meio das marcas Unopar e Uniderp/Anhanguera.
Dentre os grupos que analisam a compra da Uniasselvi está a Estácio Participações, um dos maiores negócios de educação do país, fundado nos anos 70 no Rio de Janeiro como faculdade de direito. Hoje, ela atende principalmente o jovem emergente que paga uma média mensal de R$ 550 pelo curso presencial e R$ 200 pelo curso a distância. O EAD respondeu por 7% da receita bruta da Estácio no terceiro trimestre e de 10% a 15% do lucro da graduação. Com baixa alavancagem e R$ 800 milhões em caixa, a Estácio poderia arrematar esse ativo para avançar no EAD. “O ensino a distância vem crescendo no Brasil a taxas maiores que as do presencial. O tíquete é mais baixo, mas é um modelo muito interessante para cidades menores, que não comportam um campus. Por outro lado, mesmo em cidades grandes, a dificuldade de mobilidade também incentiva o ensino a distância”, observa Rogério Melzi, presidente da Estácio.
Com os dois modelos – on-line e presencial –, a Estácio cresceu a taxas superiores a 20% ao ano nos últimos cinco anos. Em número de alunos, por exemplo, a companhia fechou o terceiro trimestre com uma base total de 468,9 mil estudantes de graduação e
pós-graduação, 37,7% a mais que no ano anterior. A receita operacional líquida no período totalizou R$ 625 milhões, um salto de quase 43%.
No consolidado de 2013, a receita líquida registrada foi de R$ 1,7 bilhão. Pela estimativa do mercado, o número pode chegar a R$ 2,2 bilhões em 2014. A estrutura, por sua vez, deve fechar o ano com 86 câmpus e 160 polos de ensino a distância. Embora a Estácio tenha feito 18 aquisições ao longo de sua história de 45 anos, Melzi lembra que a estratégia primária é crescer organicamente, o que assegura maior retorno no longo prazo e menor risco. Na prática, investimento em novos câmpus e cursos. “Temos a capacidade de aceitar novas ideias e romper barreiras”, garante Melzi.
O foco no crescimento orgânico não significa, no entanto, que a Estácio vetará futuras aquisições de grande porte ou, quem sabe até, uma importante fusão. Enquanto faz um trabalho de branding em cima de sua marca e avança com seus projetos de expansão para ganhar alunos e market share, Melzi se mantém atento às oportunidades. “Nada é descartado. Há chances de acontecer, mais para frente, uma grande aquisição ou fusão”, promete. Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância, disse certa vez Derek Bok, ex-reitor e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, uma frase que retrata bem as oportunidades do setor educacional brasileiro.