Em 1990, muito antes do surgimento das lojas Dover Street Market e Colette, Carla Sozzani criou a união entre cultura e comércio, promovendo o slow shopping por meio de uma sucessão de espaços e eventos que refletem estilo de vida acima da aquisição. Esse fenômeno foi descrito pelo sociólogo Francesco Morace como “loja conceito”. Hoje, a marca 10 Corso Como é sinônimo da integração de uma rede global e trocas culturais por meio da moda, gastronomia, arte e design, que galvanizou o marketing nos anos 1990 e determinou o vocabulário internacional de estilo do século 21.
Nascida em 1947 em Mantova, no norte da Itália, Carla começou a carreira como editora no início dos anos 1970 e trabalhou em várias revistas de moda até que, em 1986, foi reconhecida como editora-convidada da Vogue americana. No ano seguinte, lançou a Elle Itália, da qual era editora-chefe. Pouco depois, mais especificamente em 1990, no bairro de Porta Garibaldi, área renegada de Milão que abrigava as oficinas da cidade, abriu a Galeria Carla Sozzani. Hoje, assim como TriBeCa e MeatPacking em Nova York, que também eram zonas periféricas ignóbeis, Porta Garibaldi é um dos lugares mais cools da cidade.
Em um galpão industrial no pátio interno de um típico palácio milanês, a galeria do complexo fundado por Carla é considerada uma das mais respeitáveis em fotografia da Itália. Desde sua abertura, já foi palco de mais de 190 exposições dos mais importantes fotógrafos, como Paolo Roversi, Helmut Newton, Annie Leibovitz, Bruce Weber e David LaChapelle. “A Expo Milano 2015 acontece no mesmo ano em que marcará o aniversário de 25 anos da minha galeria, então farei uma exposição de fotografia e futurismo. Há uma linda citação do Marinetti, dizendo que a fotografia começou em Milão. Estou preparando um catálogo e uma grande mostra, de 10 de junho a 30 de setembro” adianta, lembrando as palavras do poeta italiano que fundou o movimento Futurista.
Pouco tempo depois da abertura da galeria, começou a ser formada o que é hoje a 10 Corso Como: uma rede de espaços interligados que se transformam em uma abrangente experiência. Um ponto de encontro onde cultura se une a compras e visitantes e clientes alternam entre um ambiente e outro. Eles vão da galeria à livraria, da loja de roupas e objetos de design ao restaurante e café, descansam no jardim do pátio ou se hospedam no hotel butique 3 Rooms, desfrutando a filosofia de slow down da 10 Corso Como – onde tudo é feito com muita calma e deleite.
Carla define essa filosofia como um modo de vida. Para ela, o ato de comprar qualquer coisa deve ser prazeroso e feito com calma. E explica: “É bom poder apreciar as suas aquisições. Comprar por comprar não faz mais sentido. Se for assim, quanto você pode ter? Quanto é suficiente? É bom aproveitar o que você faz. Quando você compra algo para alguém ou para si mesmo, trata-se de um presente e o prazer de fazê-lo faz parte do processo”.
A empresária escolhe todas as peças que expõe na sua loja a dedo: “A 10 Corso Como é como uma grande revista e eu sou a editora, esse foi o meu conceito ao criar a loja”. No andar de cima, ao lado da galeria, fica a livraria, que apresenta uma vasta coleção de clássicas e contemporâneas publicações de arquitetura, design, moda e arte, com forte ênfase em fotografia – muitas dessas obras são publicadas pela editora da própria Carla. À venda nas paredes, obras de Alexander Lieberman e Douglas Kirkland; a famosa foto dos Beatles fazendo guerra de travesseiros, de Harry Benson; Andy Warhol e Edie Sedgwich capturados por David McCabe.
O intimista hotel butique 3Rooms oferece a hospitalidade pessoal da 10 Corso Como. São somente três apartamentos, cada um com sua própria entrada pelo jardim e decorados de maneiras diversas. Fazendo uma interpretação ímpar do estilo moderno do século 20 com reconhecimento do contemporâneo 21 – como no mix de peças vintage com sistema de entretenimento Bang & Olufsen – o 3Rooms é o paraíso para quem gosta de design. Lá é possível encontrar sofás, cadeiras e poltronas assinadas por Pierre Paulin (o designer francês que redecorou o apartamento privado de Georges Pompidou no palácio Élysée e o escritório de François Mitterrand), a chaise-longue de Marcel Breuer, considerada uma das mais importantes peças de design a emergir do movimento modernista entre as guerras, além de camas forradas com tecidos Maharan, da colaboração assinada pelo casal Charles & Ray Eames, fundadores do modernismo americano.
Os amenities são de sua própria concepção – em 1999 Carla criou com o perfumista Olivier Guillotin a 10 Corso Como Fragrance. A essência de rosa e gerânio é misturada com vetiver, musk e sândalo. Mas o núcleo da fragrância é a resina da madeira tropical oud-wood, que cresce e vive nas florestas da ilha de Bornéu, no Pacífico. Essa resina é tão rara que é vendida por grama, como o ouro, e queimada como incenso em cerimônias religiosas na Ásia. “Eu queria algo similar com o incenso, algo espiritual, mas sensual,” explica.
Para Carla, nada é tratado como “in” e “out”. As peças de coleções passadas são vistas como relíquias e foi por isso que em 2003 ela abriu o 10 Corso Como Outlet, em um local a cinco minutos de distância, onde se pode encontrar de peças raras por preços de mercado de pulgas à última coleção que acabou de deixar as lojas. Um gigante acervo com até 80% de desconto. Em 2008, Carla e a Samsung Cheil, braço de moda da Samsung, inauguraram a 10 Corso Como em Cheongdam-dong, o bairro dinâmico de Seul. Quatro anos mais tarde abriram a segunda loja na cidade, desta vez no bairro histórico de Myeong-dong, situado na margem norte do Rio Han, em uma das mais icônicas lojas de departamento, a AvenueL.
Em 2013 foi a vez de Xangai receber Carla no coração do bairro Jing’an em um prédio de quatro andares e 2,5 mil metros quadrados. A parceria é com o Trendy International, grupo que tem como um dos acionistas a LVMH, via o seu braço de investimento L Capital. Mas a expansão Asiática não parou por aí. Está previsto para o final de 2014, uma loja em Pequim que ocupará o quarto andar da Shin Kong Place, exclusiva loja de departamento de 120 mil metros quadrados. Impossível não notar o interesse de Carla pela Ásia. Em 2002, ela escolheu Tóquio para começar seus empreendimentos na região, num co-branding entre 10 Corso Como e a Comme des Garçons, de Rei Kawakubo. “Sempre viajei muito para a Ásia. Minha primeira vez no Japão foi no fim dos anos 1970 e minha primeira viagem à China aconteceu em 1980. Sempre tive um grande fascínio pelas culturas asiáticas porque a espiritualidade e as raízes são muito importantes para eles.”
Carla, que em 2016 planeja fazer uma exposição de artistas brasileiros na galeria, não descarta a possibilidade de abrir uma unidade em São Paulo e diz que o segredo do sucesso está nas parcerias que faz em cada país. “Quem sabe um dia, com alguém do Brasil. Acredito que as pessoas envolvidas devam ser locais. Uma italiana fazer um empreendimento num país que não conhece, com uma língua que não fala, não dá certo. Vira um pesadelo: além da diferença cultural, há os aspectos financeiro e administrativo, que são os mais difíceis. Sou muito boa naquilo que faço porque não almejo fazer tudo sozinha. Talvez um dia eu encontre um parceiro brasileiro fantástico.”
Sua outra paixão é descobrir novos talentos e ajudar jovens designers a alavancarem seus trabalhos. “Esse é o propósito do meu trabalho. Precisamos ter grandes marcas na loja para ter um turnover positivo, mas poder ajudar os jovens artistas é a melhor parte!” E novos talentos italianos? “São mais difíceis de encontrar, porque italianos são muito mimados, típico da nossa cultura. Italianos querem trabalhar para grandes marcas. Para fazer a própria marca é preciso ser empreendedor, correr riscos, talvez trabalhar 20 horas por dia. Mas todos eles querem ser diretores criativos. Os últimos que realmente conseguiram estabelecer sua marca foram Dolce e Gabbana, há 25 anos. Depois deles, todos os grandes talentos trabalham para outras marcas. Ricardo Tisci é diretor criativo da Givenchy. Alessandra Facchinetti é diretora criativa da Tod’s. E eles são grandes gênios…”