Caieiras, situada na fronteira norte da cidade de São Paulo, tem uma história ligada de forma profunda com uma empresa específica. Qual? Bem, o município começou a nascer em 1877, quando um empreendedor, Antônio Proost Rodovalho, descobriu que havia ali um mineral ótimo para a produção de cal. Ele comprou uma fazenda na região e nela construiu dois fornos com essa finalidade. Em razão disso, logo o local passou a ser conhecido como… Caieiras. Esses fornos foram também o embrião daquilo que se tornaria uma das mais longevas organizações do Brasil e do mundo: a Companhia Melhoramentos.
Por que esse nome? “Na verdade, o nome completo era Companhia Melhoramentos de São Paulo. Isso porque o negócio da empresa, em seus primórdios, era erguer infraestrutura para a capital — por consequência, melhorá-la”, explica o atual presidente do conselho do grupo, Alfredo Weiszflog. Ainda em 1877, Rodovalho fundou a Companhia Cantareira e Esgotos e obteve contratos para obras de saneamento e urbanização. No ano seguinte, a empresa ergueu o reservatório da Consolação, com 6.500 m³ de água. Mas, prevendo a importância que o papel iria ter na economia paulista, ela decide produzi-lo. Em 1887, o grupo começa a levantar uma fábrica dedicada ao produto.
Em 1890 ocorre a fundação propriamente dita da Companhia Melhoramentos, já com esse nome. Quatro anos depois, Otto Weiszflog, um jovem alemão que teria papel decisivo no futuro do grupo, chega a São Paulo, onde passa a atuar no ramo de papelaria. Seu irmão Alfried Weiszflog vem para o país em 1896 e segue seus passos. Em 1900, a Melhoramentos passa a fornecer papel à empresa onde trabalhavam ambos. Otto e Alfried tornam-se donos de gráfica e, em 1915, a Weiszflog Editora publica O Patinho Feio— primeiro livro impresso em quatro cores no Brasil.
Enquanto isso, a Melhoramentos elevava sua produção de papel, chegando a mais de 1 milhão de quilos do produto em 1919. Em 1920, os Weiszflog, com sua editora, conseguem reunir capital e adquirem a Melhoramentos. Vem dessa época o extraordinário banco de terrenos acumulado pela empresa em Caieiras. Afinal, para produzir papel são necessárias árvores, que são o insumo do produto, e árvores precisam de grandes extensões de terra para crescer.
De volta ao presente, a companhia agora resolveu erguer casas, galpões industriais, instalações comerciais e, talvez, até mesmo um aeroporto em tais terrenos. “Nascemos para isso. Nos tornamos conhecidos depois como editora e fabricante de papel, mas estamos de novo no ramo de erguer infraestrutura para as gerações que virão. Aliás, costumo brincar dizendo que vamos de volta para o futuro”, conta Weiszflog, citando o blockbuster americano de 1985. Sobre o presente desta empresa que, em 2015 completa 125 anos de existência, a organização divide-se em três braços. O mais conhecido talvez seja a editora, que é uma das dez maiores do país, excluindo as didáticas. “Chegamos a ser fortes neste campo [didáticos], mas paramos nos anos 1970, pois não concordávamos com a maneira como o governo vinha conduzindo a compra de cartilhas”, recorda Breno Lerner, CEO da Editora Melhoramentos. Hoje ela atua na área infanto-juvenil, em culinária e dicionários (no caso, o Michaelis).
Em literatura tem, por exemplo, 153 títulos de Ziraldo no catálogo; vendeu até hoje mais de 10 milhões de livros do escritor mineiro. Outro nome seu é José Mauro de Vasconcelos. Hoje pouco lembrado no Brasil, o autor é um fenômeno no exterior. “José Mauro é de longe nosso maior programa internacional. É um best seller em 16 países e 21 línguas. Meu Pé de Laranja Lima já virou até mangá no Japão”, conta ele. A editora também tem os livros da personagem Galinha Pintadinha (“outro fenômeno de vendas”) e é a mais antiga licenciada da Disney no mundo; o primeiro contrato entre ambas as empresas foi assinado pelo pai de Alfredo Weisflog e por Walt Disney, em pessoa, em 1942. E o primeiro dicionário eletrônico do Brasil foi um Michaelis, lançado em 1990 — o qual podia ser instalado em um PC em “apenas” 27 minutos, lembra Lerner, rindo.
Outro braço do grupo é a produção de fibras celulósicas. Aqui, surge um dado interessante: suas florestas remanescentes, localizadas no município mineiro de Camanducaia, já não são usadas para a fabricação de papel. Essa atividade foi vendida pelo grupo a uma companhia chilena (a CMPC) em 2009, por R$ 120 milhões. O que a empresa faz hoje são fibras de alto rendimento, usadas na produção de papel-cartão e papel absorvente. Sua fábrica também fica em Camanducaia e tem capacidade para 70.000 toneladas anuais. A empresa, porém, quer chegar a 120 mil toneladas anuais dentro de três anos. Na cidade, a Melhoramentos mantém ainda uma escola rural, chamada Alice Weiszflog, criada em 1948 para atender os filhos de seus funcionários. Com o tempo, passou a servir toda a comunidade vizinha.
E há, é claro, a atividade que hoje é a mais promissora, a incorporação patrimonial. O grupo entrou com força nela há apenas seis anos. Já existem recursos guardados para a construção de bairros inteiros em seus terrenos. Muito, inclusive, já foi feito e vendido. Na verdade, em 2014 a Editora Melhoramentos (uma subsidiária integral da companhia) teve receita de cerca de R$ 57 mi- lhões; a produção de fibras gerou outros R$ 57 milhões; mas a atividade de incorporação faturou sozinha, no período, perto de R$ 145 milhões.
Sérgio Sesiki é diretor superintendente do grupo. Ele fala dos planos da empresa para o ramo imobiliário: “Temos em Caieiras 45 milhões de m². Vamos usar uma parte disso na construção de condomínios de alto padrão. Mas também ergueremos casas para a classe média, espaços de lazer etc.”.
E Sesiki acrescenta: “Já estamos investindo no surgimento de atividades logísticas na região, via parcerias com outras empresas”. Antes de começar o projeto, a Melhoramentos contratou um dos maiores urbanistas do país (hoje falecido), Jorge Wilheim, para lhe aconselhar sobre como fazê-lo em Caieiras de forma sustentável.
A empresa crê que irá comercializar as primeiras unidades na região daqui há três anos. Com isso, é claro, as perspectivas de crescimento para esse braço do grupo são muito boas. Na verdade, não é de hoje que a Melhoramentos se dedica ao ramo imobiliário. O Jardim Santo Antônio, por exemplo, é um bairro caieirense erguido com patrocínio da empresa para abrigar seus funcionários há décadas — foi um dos primeiros empreendimentos do extinto Banco Nacional da Habitação (BNH). “Mas fazíamos isso não como atividade-fim, apenas como algo acessório. Agora é diferente, construir vai se tornar um de nossos core business”, pondera Weiszflog.
Ele, Lerner e Sesiki concederam entrevista a FORBES Brasil juntos, na sede da companhia na cidade de São Paulo. Esta fica em um prédio antigo, tombado pelo patrimônio histórico não por seu valor arquitetônico, mas porque ali foi impresso o dinheiro que circulou em solo paulista em 1932, quando da Revolução Constitucionalista. Embora seja uma empresa de capital aberto, 90% das ações da Melhoramentos estão em mãos das três famílias que a controlam: os próprios Weiszflog, os Plöger e os Velloso. A gestão, no entanto, está entregue a executivos profissionais.
A companhia sempre foi conhecida no mercado por ser discreta. “O marketing da editora, por exemplo, sempre se deu em cima de seus produtos, os livros, não sobre a própria marca”, observa Lerner. O mesmo pode ser dito do restante do grupo. Apesar de sua sobriedade, a empresa sempre foi bastante capitalizada: seus ativos somam hoje cerca de R$ 1,3 bilhão. Deste valor, a editora e a fabricação de fibras representam cerca de R$ 160 milhões, somadas. A maior parte do restante corresponde a seu expressivo banco de terrenos, para o salto em direção à atividade imobiliária.
“Entrar de forma vigorosa nessa área é um sonho antigo das famílias controladoras”, finaliza Weisflog. Até pouco tempo, vale registrar, o lema da companhia era “Das Árvores aos Livros”. Fazia sentido para a antiga Melhoramentos. Agora, um de seus novos slogans é: “Plantando Árvores, Formando Jovens, Urbanizando Cidades”. Perfeito para uma empresa que resolveu, em definitivo, partir de volta para o futuro.