Roberto Medina, poucos dias atrás, parou seu carro num semáforo na Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e aguardava o sinal verde para seguir em frente. Sua cabeça ainda fervilhava com o sucesso do Rock in Rio 2015, que juntara uma plateia de quase 600.000 pessoas. Ao seu lado, parou uma Kombi velha e seu motorista fez um sinal para que Medina abaixasse o vidro.
Ele aquiesceu e ouviu: “Ô Medina, traz o U2 para o Brasil. Eles vão pedir US$ 5 milhões, você cobra US$ 200 o ingresso, faz um público de 50 mil pessoas e arrecada US$ 10 milhões. Tá bom? ”, disparou o homem da Kombi. O empresário carioca sorriu, fez sinal de positivo e os dois carros partiram.
A cena, uma espécie de versão business da música “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola, é frequente na vida do criador do Rock in Rio, o maior festival de música do planeta, que também conta com edições internacionais em Lisboa, Madri e Las Vegas. Medina é constantemente parado nas ruas, nos shoppings e nos restaurantes cariocas com palpites sobre o line up de seus festivais ou simplesmente para trazer bandas de rock ao Brasil, como o homem da Kombi.
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Aos 68 anos, ouve todos com paciência e, às vezes, acata as sugestões. Foi assim que trouxe a banda Florence and the Machine ao Rock in Rio em 2013. Ele almoçava numa churrascaria da Barra quando um vizinho de mesa sugeriu que trouxesse ao país o grupo da cantora inglesa Florence Welch. Ele gostou da ideia e perguntou ao rapaz se ele trabalhava no ramo musical. Nada disso. O fã da banda vendia persianas para viver.
O que explica esse assédio? “O Rock in Rio é aquela hora na qual as pessoas repartem um momento mágico”, afirma. “O que menos importa é a banda que está tocando no palco e sim a energia do público. É por isso que as pessoas se envolvem tanto.” Quem foi ao festival ou o acompanhou pela televisão ou internet teve a impressão de que a edição de 2015 foi maior do que a de 1985. Mas, na verdade, o festival deste ano reuniu exatas 585 mil pessoas, contra 1,38 milhão de roqueiros 30 anos atrás.
Quem vibrou com a performance do Queen, presente no primeiro e no último Rock in Rio, não tem ideia de que tudo aquilo foi possível graças à perseverança de Medina — e uma mãozinha dada por Frank Sinatra. Isso mesmo. Sem Sinatra, o Rock in Rio dificilmente teria saído do papel e se tornado o maior festival de rock e música pop de todos os tempos.
Medina era um publicitário jovem e de sucesso na década de 1970. Um de seus maiores clientes era a Seagram (hoje Diageo), multinacional de bebidas que fabricava no Brasil o uísque Passport a partir de malte escocês. Ao ser desafiado a fazer um comercial inesquecível, contratou o ator britânico David Niven como garoto-propaganda. Foi um sucesso estrondoso. Mas os executivos da Seagram acharam que não haveria nenhum nome para suplantar a performance do ator britânico. Medina não se deu por vencido e sugeriu contratar Frank Sinatra. Todos duvidaram que ele conseguisse essa façanha.
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Medina, então, ligou para o pianista brasileiro Sergio Mendes, radicado na Califórnia, e pediu que ele intermediasse uma conversa com um agente de Sinatra. Conseguiu, pouco a pouco, ganhar a confiança da equipe que cercava o cantor, e marcou a gravação. No dia da filmagem, com tudo pronto, a mãe do Sinatra morreu. Mas ele, profissionalíssimo, gravou o comercial e começou uma amizade com Medina.
Dessa amizade surgiu a ideia de trazer o legendário Old Blue Eyes para o Brasil. A ideia, para variar, era ambiciosa: realizar o show no Maracanã e quebrar o recorde mundial de público em uma apresentação de música. Todos duvidaram. É que Sinatra, sem muita vontade de fazer turnês pela América Latina, espalhara um boato de que uma cigana havia previsto que ele seria morto se pisasse em qualquer país abaixo da linha do Equador.
Medina trouxe o cantor ao Rio, mas naquela semana chovia a cântaros. Como se tratava de um espetáculo no meio do gramado, com orquestra, a água iria atrapalhar tudo. No dia do show, um sábado, quando a tempestade castigou a Cidade Maravilhosa, circulou um boato de que Sinatra cancelaria tudo. No final, tudo deu certo. A chuva deu uma trégua exatamente durante uma hora e 40 minutos, o suficiente para permitir que Sinatra subisse ao palco e se apresentasse a uma plateia de 177 mil pessoas, feito que valeu a inclusão no livro Guiness dos recordes.
Esse acontecimento uniu de vez Medina e Sinatra — e essa amizade viria a desatar um nó tamanho gigante anos mais tarde. Em 1984, quando começou os preparativos para montar o primeiro Rock in Rio, Medina foi a Nova York, onde se instalou por dois meses e começou a procurar empresários e agentes de astros do rock para montar o festival. Foi recusado por todos. Ninguém acreditava que fosse possível montar um evento daqueles no Brasil 30 anos atrás.
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Mas uma das principais características de Medina é a pertinácia. Ele ligou para Frank Sinatra, que deu o aval pessoal à imprensa local e aos agentes de artistas de que o brasileiro era um empresário confiável. E que se ele dizia ser possível realizar o Rock in Rio, todos poderiam acreditar. “Depois disso, eu pude até escolher as atrações, pois todos que tinham dito ‘não’ vieram me procurar”, recorda-se.
Ultrapassada essa barreira, ele ainda teria duas outras a deixar para trás. Uma era levantar dinheiro para fazer frente aos custos da operação, algo que foi resolvido aos trancos e barrancos. Outra viria a ser a má vontade do então governador Leonel Brizola, que infernizou sua vida com exigências bisonhas e custos de última hora. No fundo, a ideia de Brizola era inviabilizar o Rock in Rio sem proibi-lo.
Depois de muito penar nas mãos do político gaúcho que governava o Rio, Medina convocou uma coletiva de imprensa para comunicar que não haveria mais festival. Saiu do prédio onde ficava seu escritório e foi abordado por três jovens que pararam num Passat branco para cumprimentá-lo e elogiar a iniciativa do Rock in Rio. Estressado com Brizola, Medina fez um desabafo aos três jovens, que o ouviam sentados no capô do carro, e todos ficaram emocionados.
Ao ver os jovens às lágrimas, ele mudou de ideia. Foi à coletiva e anunciou que o projeto estava de pé. Realizou o festival e tomou o maior prejuízo de sua carreira. “Perdi tudo o que tinha”, diz. “Cheguei a pensar em tirar meus filhos da escola particular, de tão duro que fiquei.” O pior, diz ele, é que ao final do evento ele viu uma caricatura sua num jornal carioca nadando em dólares. “Eu estava quebrado e todos achavam que eu tinha embolsado uma fábula”, lembra.
Terminado o Rock in Rio, ficou três meses num sítio do interior do estado, lambendo as feridas, e voltou a trabalhar com propaganda. Em 1990, um grande baque: foi sequestrado e ficou 17 dias no cativeiro. Hoje, fala do incidente de forma casual e, a julgar como é abordado sem dificuldades pelas pessoas nas ruas de sua cidade, o sequestro não deixou sequelas.
No ano seguinte, resolveu reativar a franquia de seu evento mais famoso. E realizou a segunda edição do festival. Apenas nos anos 2000 é que Medina levaria o nome Rock in Rio para outro estágio. Em 2001, realizou o terceiro festival em sua cidade natal e, no restante da década, fez quatro eventos em Lisboa e dois em Madri. De 2011 para cá, não parou: foram três edições no Rio, duas em Lisboa, uma em Madri e outra em Las Vegas. “Sempre fazemos pesquisa de mercado para saber que artistas o público quer”, aponta. “É por isso que cada cidade tem um line up diferente. Em Madri, por exemplo, temos basicamente música eletrônica e artistas espanhóis.”
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O entretenimento surgiu em sua vida ainda criança. Seu pai, Abraham, era dono de uma rede de lojas de eletrodomésticos famosa no Rio nos anos 1950 e 1960, chamada Rei da Voz. Descendente de uma família de judeus sefarditas com origens no Marrocos, Medina foi criado no credo judaico, mas o pai sempre o encorajou a procurar aquilo que houvesse de bom nas demais religiões. Certa vez, um rabino entrou na casa da família e topou com uma árvore de Natal na sala. Mandou, então, um ultimato ao patriarca. “Ou fico eu ou a árvore”, desafiou. Abraham Medina não teve dúvidas. “Fica a árvore”, decretou.
Para vender aparelhos de TV, resolveu criar um programa de televisão que seria campeão de audiência no Rio de Janeiro, o Noite de Gala. Por conta desse programa, a casa da família em Copacabana era constantemente frequentada por artistas como Tom Jobim, Silvio Caldas e Francisco Alves.
O Noite de Gala, no entanto, seria responsável pela derrocada de Abraham Medina. Num determinado ponto do programa, havia um editorial sobre atualidades. Num dos programas, criticou-se a política econômica do governo — hoje, algo banal. Ocorre que eram os tempos da ditadura militar e o pai de Medina recebeu a visita de quatro generais, que não estavam nada contentes com as críticas. Os ânimos se exaltaram e os militares saíram de lá furiosos. O programa foi cancelado, assim como o crédito da empresa. Abraham Medina chegou a ser preso e viu seus negócios naufragarem.
O jovem Roberto Medina, que estudava direito e trabalhava numa agência de publicidade chamada Artplan, ficou revoltado com a injustiça cometida contra seu pai. Ver a família perdendo tudo o que tinha foi um estímulo a mais para se jogar de corpo e alma no trabalho. Teve, então, uma ascensão meteórica: de assistente a gerente de contas; de gerente a diretor; de diretor a presidente; de presidente a dono. Isso tudo antes dos 30 anos de idade.
Medina comprou a Artplan de José Isaac Perez, do grupo Multiplan, hoje um dos maiores donos de shopping centers no Brasil e o 62º homem mais rico do país, segundo FORBES Brasil. “Ele foi uma grande inspiração para mim”, diz. “Foi quem me ensinou a aceitar desafios.” Outro nome que admira é o fundador da Apple, Steve Jobs. “Ele queria que o design dos computadores também fosse bonito por dentro, mesmo que ninguém visse”, ensina. “Eu sou igualzinho.”
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Casado pela segunda vez com Mariana e pai de Rodolfo, Roberta e Raíssa, é fã do personagem Dom Quixote, de Cervantes. Essa paixão é visível em sua sala de estar, que abriga duas estátuas e seis quadros do personagem — um dos quais de autoria de Salvador Dalí e presenteado a Medina pelo cantor Freddie Mercury, do Queen, já falecido. “Lutar com todas as suas forças para realizar o impossível é a história da minha vida”, arrisca. “Por isso eu sou fã de Dom Quixote”.
Nessa mesma sala, ocupa um lugar de destaque um piano preto Yamaha Quart de Queue. Enquanto dedilha a melodia de “O Sole Mio”, Medina diz que já tocaram nesse piano Frank Sinatra, George Benson e Ivan Lins. O maestro Eduardo Souto Neto, por sinal, compôs o tema do Rock in Rio nesse mesmo instrumento — canção que foi acompanhada em uníssono pelos frequentadores no último dia do evento.
Medina realizou vários sonhos impossíveis ao longo de sua carreira. E traz apenas uma única frustração: não ter conseguido trazer para o Brasil um parque temático em parceria com a Disney. “Já visitei os parques da Disney mais de 30 vezes”, avisa. “Eu ia para observar enquanto meus filhos se divertiam.” Contratou uma consultoria para verificar a viabilidade de um projeto no Rio de Janeiro, mas a conclusão foi de que o Brasil não tem um fluxo de turistas internacionais suficiente para manter um parque temático de grande envergadura.
Agora, seus olhos estão postos nas próximas edições do Rock in Rio, no ano que vem em Lisboa e em Las Vegas e em 2017 novamente no Brasil. Mas ultimamente está dedicando muito tempo a suas iniciativas de cunho social, como a Academia Rock in Rio, um projeto que forma empreendedores com interesse no mundo do entretenimento. Além dessa iniciativa, ele anunciará em breve novos projetos na área do chamado Terceiro Setor. “Precisamos estimular os jovens a usar sua força de vontade para criar e empreender”, afirma. “O Brasil é um país incrível que passa por um momento difícil e tem tudo para virar o jogo com uma juventude maravilhosa, criativa e energética.”