São muitos os grupos empresariais brasileiros fundados, várias décadas atrás, por imigrantes que chegaram ao país em condição de pobreza. Todos labutavam dia e noite durante os primeiros anos da empresa, e não raro viviam de forma tão austera que prejudicavam a própria saúde; a prioridade, afinal, era investir no negócio, não em si mesmos. Seus descendentes geralmente herdaram o apego ao trabalho, e bem cedo em suas vidas, já davam expediente na companhia familiar. Triunfaram: hoje, os filhos e netos de tais pioneiros lideram as grandes corporações surgidas assim, e mantêm a ênfase no esforço pessoal como motor do êxito. Não se trata de um relato hipotético: este é um resumo exato, embora genérico, de como foi construída a maior companhia de logística do Brasil e de toda a América Latina — a JSL, anteriormente chamada Julio Simões Logística e, ainda antes, Transportadora Julio Simões.
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“Meu pai, nos primórdios do grupo, trabalhava de forma incansável e se alimentava pouco; por isso, contraiu tuberculose. Conseguiu se curar, casou-se, teve filhos, mas as privações que enfrentou deixaram marcas: veio uma segunda tuberculose.” É com essas palavras que Fernando Antonio Simões se lembra de Julio Simões, fundador da JSL. “Ele foi meu maior ídolo. Eu não comecei a trabalhar aqui, aos 14 anos, porque gostava da empresa. Eu comecei a trabalhar porque gostava do meu pai. Estar na empresa era uma maneira de estar perto dele. Só algum tempo depois é que a satisfação em fazer o que faço surgiu — e permanece até hoje.” Fernando preside o grupo. Ele é o caçula dos seis filhos biológicos de Julio. Tem 48 anos.
O pai desembarcou em Santos (SP) em 1952 vindo de uma pequena aldeia no centro-norte de Portugal, Ribeira de Alcalamouque, onde era agricultor. Sua intenção: ingressar na empresa de transporte coletivo que seu tio, Arthur, possuía no Brasil. Logo Julio Simões passou a trabalhar como mascate, vendendo roupas pelo interior de São Paulo e do Paraná e, aos poucos, foi comprando caminhões usados para a condução de cargas (no começo, principalmente hortifrutigranjeiros). Em 1956 abriu sua transportadora. Seu maior cliente então era Leon Feffer, proprietário da Suzano Papel e Celulose, que, por sinal, até hoje usa os serviços da JSL.
Durante a década de 1970, a companhia se voltou ao transporte de ferro e aço — hoje, a mineradora Vale é seu maior cliente individual. Por essa época Simões iniciou o preparo dos filhos para que o sucedessem. Em 1981, Fernando começou a trabalhar no grupo. Passou por diversos setores da empresa e, em 1986, tornou-se diretor operacional. Dois anos depois assumiu a área comercial, que na época abrigava cerca de 300 funcionários, 120 caminhões e 16 filiais. No início da década de 1990 já dividia com o pai a gestão da companhia e conduzia uma intensa diversificação de suas atividades. Em 2009 tornou-se presidente e, em 2010, Fernando liderou a abertura de capital e a mudança da marca para JSL S.A. Em 2012 Julio Simões faleceu em Mogi das Cruzes (SP), onde residia, aos 84 anos. Motivo: complicações cardiorrespiratórias. Até o fim, as sequelas deixadas pela vida dura que levou se fizeram presentes.
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Seu filho atualmente comanda uma companhia bem diferente da que ele fundou. “Temos grande orgulho em fazer transporte de cargas, surgimos atuando nisso, mas essa é uma atividade hoje minoritária de nosso portfólio. Corresponde a 8% da receita”, diz Fernando. E qual o principal negócio da JSL, então? “Serviços dedicados. Cerca de 80% de nosso faturamento vem deles.” Trata-se, explica, de operações customizadas segundo as necessidades de cada empresa e que raramente envolvem longas distâncias a serem percorridas. A companhia, por exemplo, é responsável por levar autopeças e matérias-primas para várias das maiores montadoras instaladas no Brasil. Também cuida de tudo que se refira à movimentação extramuros das fábricas de seus clientes. Transporta trabalhadores para canteiros de obras, e até mesmo conduz médicos e enfermeiras à casa de pacientes. Ações assim, muito mais complexas do que carregar volumes de um ponto A para um ponto B, são hoje o principal pilar da corporação.
Mas há mais. Adquirida no final de 2013 por R$ 65 milhões, a Movida Rent a Car, que faz locação de veículos, parece ser a atual menina dos olhos do CEO da JSL. “Quando a compramos, a Movida tinha 26 lojas e 2.350 veículos. Agora possui mais de 120 lojas e 28 mil automóveis. Colocamos ali a cultura JSL de servir, e o retorno foi extraordinário. Trata-se de uma unidade com enorme potencial de expansão”, diz ele. A Movida cresceu impressionantes 288% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Fernando também ressalta que o grupo é o maior revendedor de caminhões da marca MAN no país e conta com um braço voltado à disputa de concessões públicas, a CS Brasil, dentre várias outras subsidiárias. A empresa atua em mais de 16 setores da economia e obteve, nos seis primeiros meses de 2015, um lucro líquido de R$ 37 milhões, o que representa uma alta de 10,8% na comparação anual, impulsionada por um maior faturamento e uma melhora em sua rentabilidade. “Prevemos que neste ano, mesmo com a crise, cresceremos entre 12 e 16%”, revela ele.
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Trata-se de um homem magro, bastante afável. O executivo recebeu FORBES Brasil no escritório que mantém na capital paulista, mas a sede da empresa fica em Mogi das Cruzes, onde a JSL surgiu. É católico: tem uma imagem de Nossa Senhora de Fátima em sua sala. Conta que seu maior prazer é estar junto da família e fala com carinho de sua mãe, Elvira Benedicta Simões. “Foi graças à harmonia que ela sempre manteve em nossa família que meu pai pôde se dedicar tanto aos negócios”, recordou-se. É também uma pessoa discreta, que prefere resguardar a vida pessoal.
A área de logística, nacional e internacional, é seu objeto de trabalho e estudo. “Já descobri coisas curiosas pesquisando”, diz ele. “Nos Estados Unidos existe uma grande transportadora, a Werner, cujo fundador abriu o negócio no mesmo ano em que meu pai criou sua empresa, e com um caminhão só um ano mais velho que nosso primeiro veículo! E eles também atuam hoje principalmente com serviços dedicados. Já
os visitei. Estou sempre atento à concorrência e, sobretudo, à satisfação dos usuários.” Por sinal, a carteira de clientes da empresa é fortemente pulverizada, uma tática de resistência a crises. “Hoje o setor automotivo não vai bem, mas o alimentício, por exemplo, vai. Atendemos ambos, a fraqueza de um é compensada pelo vigor de outro. No futuro essa correlação de forças pode ser inversa — e também estaremos preparados para isso.”
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Aliás, em se tratando de futuro, ele crava: “As empresas querem ficar cada vez mais leves, é o que percebo. Vejo companhias que nunca pensaram em ter uma frota terceirizada me chamarem para propor a venda de seus carros e caminhões. Depois, elas alugam esses mesmos veículos de nós. Com isso, ganham mais tempo para se dedicar ao centro de seu negócio, ao seu core business. A logística a gente faz”. A idade média dos caminhões da organização é de dois anos. Quando alguma unidade ultrapassa tal marca, é revendida para um caminhoneiro autônomo. A empresa é, enfim, um grande case de sucesso — embora Fernando não goste de tal palavra.
“Eu não acredito muito no conceito de sucesso. Quem se acha um empresário de sucesso corre o risco de acomodar-se, parar no tempo. Eu prefiro pensar em termos de momentos de felicidade”, explica ele. “Nós da JSL temos vivido vários desses momentos. Este ano será o primeiro em que enfrentaremos um período difícil na economia brasileira desde que abrimos o capital, em abril de 2010. Mas tudo bem, também somos capazes de prosperar em épocas difíceis.”
Por sinal, questionado acerca do futuro do país, ele se mostra realista — porém, esperançoso: “O desempenho econômico de 2015 já está dado, não há muito o que fazer a respeito. Se as reformas necessárias forem levadas adiante pelo governo, por outro lado, podemos ter um 2016 melhor e um 2017 ainda melhor. Seguindo neste ritmo, talvez cheguemos a 2018 em outras condições, bastante favoráveis. Vamos ver”. E ele arremata: “Uma coisa
é a política, outra é a vida real do país. O Brasil tem uma capacidade extraordinária de se recuperar de baques por meio do trabalho. Eu apostaria fortemente nisso”. O legado de Julio Simões ainda ecoa em seus descendentes. Cada vez mais forte.