John Lechleiter, CEO global da Eli Lilly, lembra às gargalhadas do dia que escutou um conselho de sua esposa durante um momento difícil dos negócios. “Ela não expressa esse tipo de opinião com muita frequência, mas quando o faz costumo escutá-la”, diz. O ano era 2012 e a empresa vinha perdendo uma série de patentes. Vinte e quatro meses antes, a companhia havia tomado um de seus maiores tombos: o Semagacestat, medicamento para tratar o mal de Alzheimer que estava em desenvolvimento há alguns anos, chegou à fase final de testes com resultados piores do que o placebo e ainda carregava um aparente risco relacionado ao câncer de pele. O desenvolvimento foi interrompido. “Naquela época, como você pode imaginar, eu estava preocupado e não muito feliz.”
A dona de casa Sarah Lechleiter sugeriu ao marido a publicação de um anúncio publicitário em um jornal local de Indianápolis, cidade onde fica a sede da farmacêutica americana e a residência do casal, para acalmar os ânimos dos 8 mil funcionários. “A ideia era passar o recado de que nós tínhamos outras drogas em nosso pipeline e iríamos continuar fazendo o que fazíamos de melhor”, relembra o executivo. A publicidade apaziguou os colaboradores, mas os esforços para manter os investidores apostando na Lilly tinham começado antes, em dezembro de 2009, quando Lechleiter revelou ao mercado um plano de sobrevivência de cinco anos, chamado de Anos YZ. Cortou gastos, demitiu funcionários, reduziu pagamentos de bônus e fez algumas aquisições certeiras. O plano foi concluído em dezembro do ano passado e o executivo está confiante que fechará 2015 com a retomada do crescimento no faturamento, que encolheu quase 20% desde 2011. A expectativa é que a receita fique entre US$ 19,7 bilhões e US$ 20 bilhões, o que representaria uma alta entre 0,4% e 2%. Um crescimento modesto, mas significativo para a farmacêutica após meia década de reveses.
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O plano de sobrevivência recebeu o nome de YZ porque essas são as próximas letras do alfabeto após o X. Sim, mais explicações se fazem necessárias: em 2001, quando a Lilly perdeu a patente de seu lucrativo antidepressivo Prozac, o período recebeu o nome de Ano X. Dizem que um plano B chegou a ser elaborado — e com uma posologia ainda mais pesada — para cobrir uma eventual falha do YZ, mas, ao que tudo indica, ele não precisou sair da gaveta. Lechleiter é assim, cheio de planos e números. O executivo, que é colunista do site americano de FORBES, onde escreve sobre inovação e indústria farmacêutica, define sua gestão como superlógica e “data-driven”, ou seja, com tomada de decisões baseadas em dados e evidências, resquícios do início de sua carreira, quando trabalhou como químico. Ao mesmo tempo, julga-se “um pouco pai de todo mundo”. A frase é dita enquanto ele se vira em direção ao CEO da operação brasileira, Julio Gay-Ger, que o acompanhava durante um evento da empresa em Porto Alegre (RS). “Ofereço um bom grau de liberdade para que as pessoas façam seu trabalho, mas como cientista gosto de apontar a direção correta sem, no entanto, dizer o que deve ser feito especificamente”, afirma.
Enquanto o fim do YZ deve marcar uma tímida retomada no crescimento, uma carta na manga, de nome Solanezumab, pode vir a ser responsável por uma virada de jogo que renderia bilhões de dólares em vendas. O medicamento em desenvolvimento, chamado nos corredores da Lilly apenas por “Sola”, tem se demonstrado promissor em pacientes com o mal de Alzheimer em estágio inicial, retardando a formação de placas de proteínas beta-amilóide no cérebro que, acredita-se, estejam relacionadas ao desenvolvimento da doença. Se sua eficácia for realmente comprovada, o Solanezumab será o primeiro medicamento a interferir no avanço da doença. Em comum com o Semagacestat só mesmo o nome complicado. “As duas drogas trabalham de maneiras diferentes”, garante Lechleiter. O medicamento está em nova fase de estudos e os resultados serão apresentados em 2016. No entanto, o CEO global da Lilly mantém os pés no chão. “Seria a primeira droga a impactar a doença. Ninguém provou ainda que remover a amilóide fará a diferença. Acreditamos que isso seja importante, mas como qualquer hipótese ainda não comprovada, há muita controvérsia em torno”, afirma.
Em relação ao Brasil, Lechleiter e sua equipe seguem confiantes mesmo após a expiração, no início deste ano, da patente do Cialis, o remédio da Lilly contra disfunção erétil. A estratégia da companhia tem sido fechar parcerias com empresas locais para a produção do medicamento de impotência sexual nas versões genérica e similar. Uma dessas negociações é com a Sandoz, divisão de genéricos do grupo Novartis, e a outra com a Biolab, que lançou uma segunda marca de Cialis, a Ciavor. “Essas parcerias nos permitem manter quase dois terços desse mercado em termos de volume de vendas”, afirma Gay-Ger. Por aqui, as perspectivas também são positivas na área de saúde animal. A empresa comprou a divisão de remédios para animais da Novartis no ano passado e reforçou uma de suas cinco áreas de negócios, a Elanco Animal Health, que fabrica medicamentos para bichos de estimação e gado. “O Brasil é top 2 ou 3 em nosso negócio global de saúde animal, que passou a ser o terceiro maior player do mundo depois da compra dessa área da Novartis”, afirma Lechleiter.
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Outra área de negócios da companhia é a Lilly Diabetes. A doença está entre as grandes especialidades da farmacêutica, que criou, em 1923, a primeira insulina comercial do mundo. No Brasil, 11,6 milhões de pessoas, 5,6% da população, têm diabetes, segundo a International Diabetes Federation. O país também apresenta a maior taxa da doença na América do Sul e ocupa o quarto lugar no mundo em número de casos. São simplesmente 500 novos portadores de diabetes registrados a cada dia, revela o Ministério da Saúde. “Nós temos uma visão de longo prazo muito positiva em relação ao Brasil. Trata-se de um mercado estratégico para a companhia tanto na parte de medicina humana quanto na de saúde animal”, diz Lechleiter.
Este ano, a empresa lançou no Brasil o Jardiance, para o tratamento via oral do diabetes tipo 2. Ele e outros dois medicamentos — o Cyramza, de combate ao câncer no estômago, e o Trulicity, uma injeção semanal para diabéticos — obtiveram aprovação nos Estados Unidos no ano passado. Depois do mercado americano, o Cyramza e o Trulicity já desembarcaram em outros países, mas estão dependendo de aprovações para entrar no Brasil. Aqui, o último lançamento antes do Jardiance havia ocorrido em 2013 — com o nome de Axeron, a droga faz reposição de testosterona. Mas a Lilly pretende acelerar. “Em média, queremos ter de dois a três lançamentos nos próximos cinco anos. Estamos olhando para o futuro, apesar da expiração da patente do Cialis e das dificuldades econômicas no Brasil”, diz Gay-Ger. O executivo também afirma que o investimento de R$ 15 milhões anunciado no ano passado para a modernização da fábrica da Lilly no Brasil, localizada na capital paulista, continua sendo empregado.
No ano passado, a companhia investiu US$ 4,7 bilhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que representou 24% da receita, mesma porcentagem de 2013. A empresa está presente em 125 países e possui estruturas de P&D nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Espanha, Japão, China, Cingapura e Austrália. E ao mesmo tempo que estudos em andamento de 53 novas moléculas trazem consigo a esperança de engordar os cofres da farmacêutica, mais patentes com participação importante na receita devem expirar em breve. Daqui a dois anos, por exemplo, será a vez do Cialis nos Estados Unidos e em diversos países da Europa. Mas depois dos sacrifícios feitos durante o YZ, Lechleiter fará de tudo para não ter de recomeçar o alfabeto.