Luiz Carlos Trabuco Cappi está de pé em frente à longa mesa do conselho do Bradesco, no quinto andar do Prédio Vermelho da Cidade de Deus, sede do banco, em Osasco (Grande São Paulo). Ele movimenta o rosto e ensaia o sorriso, interrompido por uma frase. “Não é época de sorrisos, é época de Mona Lisa”, diz.
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Trabuco, no entanto, é um homem que sorri. Não pelos lucros proporcionados pelo mercado financeiro (17,19 bilhões de reais em 2015), mas por seu jeito gentil. Ele não se incomoda com servir. Carrega o copo do entrevistador da mesa de espera para a principal, e ajuda a fotógrafa a deslocar o rebatedor de flashes da sala dos conselheiros para o auditório da instituição.
Muito desse comportamento está ligado à origem do banqueiro, presidente do Bradesco desde 2009 e com o mandato renovado anualmente. Nascido em Marília (SP) — por coincidência, o local onde surgiu o banco, em 1943 —, ele tem perfil diferente da maioria dos executivos. É formado em ciências sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências da cidade, que mais tarde seria incorporada à Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), e pós-graduado em sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Começou como escriturário no Bradesco, e foi galgando cargos até chegar à presidência do segundo maior banco privado do país. Sua confiança parece não ser abalada nem mesmo pelo recente indiciamento na Polícia Federal por supostamente negociar o perdão de um passivo de 3 bilhões de reais com um escritório acusado de vender facilidades no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão que julga recursos de multas na Receita Federal. O Bradesco, em nota, afirma que nenhum acordo foi firmado, tanto que o recurso contra a multa foi rejeitado no Carf por 6 votos a 0.
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“Nasci durante a Guerra da Coreia. Minha mãe era doméstica, meu pai motorista de caminhão. Eram dificuldades sempre transformadas em esperança. Eu guardo uma frase do [educador] Paulo Freire: a educação não muda o mundo, a educação muda os homens, e os homens mudam o mundo. Fui um leitor voraz a partir dos 8 anos, quando encontrei na biblioteca um ambiente que me favorecia mais do que a minha própria casa, que era pequena, cheia de gente.”
Trabuco está desde 1969 no Bradesco, mas sua trajetória havia começado bem antes. Aos 12 anos, era auxiliar de tecelão na cidade natal. “Me deu conhecimento de fábrica e de viver relações contraditórias. Era 1963, 1964. Tinha o privilégio de ler, com dois ou três dias de defasagem, o Estadão que o patrão jogava no lixo. Ler jornal na década de 1960, em uma cidade como Marília, era um diferencial. E isso mudou minha vida, porque a gente ficava mais sabido que os colegas e o professor.”
Ainda em Marília, ingressou no banco como escriturário. O Bradesco, sob a liderança de Amador Aguiar — como Trabuco, um homem de origem humilde, do interior paulista e ex-bancário —, já era uma instituição consolidada. Havia apostado em franquia, em agências mais próximas do clientes e das fronteiras sociais, do pequeno ao médio depositante. Havia virado uma instituição popular numa época em que a atividade bancária ainda era considerada elitista. “Quando entrei no banco, foi o momento da esperança consolidada. Iria ser bancário. Tinha que usar gravata, viver arrumadinho. Mudei de patamar”, lembra.
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O encarreiramento, como diz, começou quando percebeu que a formação acadêmica, que contrastava com o ambiente bancário, não era empecilho, mas complemento ao que almejava. Quando Trabuco mudou para São Paulo, o Bradesco acelerava a transição do banco físico para aquele que viria a ser o pioneiro nas operações eletrônicas — foi o primeiro a usar canais de Intelsat para agilizar cobranças, e também a utilizar computadores —, e o hoje principal executivo da instituição trabalhou no Banco Bradesco de Investimentos, em um momento de forte corrida pelas ações nas bolsas de valores e de abertura de capital. De lá, trabalhou na Fundação Bradesco e teve uma inusitada passagem pela fábrica de inseminação artificial da instituição — uma empresa que vendia sêmen congelado. “Fui também instrutor e gerente de treinamento, o que me deu um conhecimento muito grande das pessoas. E concluí que um banco se resume a gente e tecnologia da informação.”
Quando Lázaro Brandão assumiu a presidência do banco, em 1990, a gerência de marketing foi oferecida a Trabuco, que a ocupou durante dez anos. “Ele achou que eu tinha bossa”, ri. “Tão velho isso, não?” Diz ter adquirido ali um conhecimento de produtos, enquanto o Bradesco continuava a crescer. “Quando eu entrei, o banco tinha menos de 200 agências e por volta de 5.000 funcionários. Hoje, tem 8.000 agências e postos, e 100 mil empregados. Não é que ele sobreviveu aos ciclos econômicos, mas foi vencendo, se adaptando, produzindo tecnologia, e o primeiro a usar a internet — está lá naquele capítulo do Bill Gates, naquele famoso livro dele, A Empresa na Velocidade do Pensamento. Isso significa oportunidade.” Trabuco se refere ao trecho dedicado pelo fundador da Microsoft à instituição brasileira, pioneira no uso da internet em serviços bancários. “Um exemplo do desejo do Bradesco de chegar antes ao mercado foi sua entrada na internet, quando a maioria das pessoas a considerava um parque de diversões”, escreveu Gates na publicação.
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“O Bradesco é um banco de iguais, e essa frase não é retórica. É um banco de carreira, que valoriza a prata da casa e dá oportunidade para as pessoas crescerem. Houve recrutamento no mercado, mas a equipe continua totalmente integrada dentro da nossa cultura. É uma instituição bem definida na administração de pessoas. Portanto, a minha carreira é simples, sem mistérios nem heroísmo”, afirma Trabuco.
A busca pelos opostos
Quando assumiu a presidência do banco, em 2009, Trabuco estimava que o Brasil tinha um potencial de 100 milhões de consumidores, e que era preciso alcançá-los para que o crescimento não fosse apenas no sentido de aquisições de outras instituições, mas também orgânico — ou seja, da conquista do cliente. Nos 15 anos anteriores, o Bradesco já havia feito uma aposta grandiosa na conquista desse público, ao vencer a concorrência pelo Banco Postal, hoje sob controle do Banco do Brasil. “Quando o Banco Postal já não era mais possível para a gente, inauguramos 1.200 agências em seis meses. Tínhamos na prateleira 10 mil pessoas que foram promovidas na casa. A cada semana, havia formatura de novos gerentes”, diz.
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A meta de atingir os não-bancarizados, no entanto, continua. Em abril, o Banco Central autorizou a abertura de contas correntes sem a necessidade da presença física do correntista, o que abre uma nova frente de busca de clientes — aqueles sem acesso a agências. “A digitalização leva à última consequência”, observa. “No Brasil, isso traz muitas possibilidades. Nossa sociedade ainda é sub-bancarizada. Esses 100 milhões de clientes estão aí. Quando o pobre se torna consumidor, ele está sendo bancarizado pelo crédito. O Brasil não é pobre, mas desigual. Tem riquezas e possibilidades de enriquecer e distribuir renda. A digitalização vem para reduzir o custo operacional e aumentar o acesso à rede [bancária]. O digital no celular, por exemplo, ainda não incorporou todas as funções possíveis. Vai incorporar, ou já está incorporando, o cartão de crédito, o dinheiro, o cheque, os boletos. O desafio dos bancos é essa corrida, e todos estão muito antenados, olhando para a frente.”
Mas a chave também está concentrada em um ambiente oposto ao daqueles que ainda não entraram no sistema bancário. O Bradesco empenhou 5,2 bilhões de dólares na compra da unidade brasileira do HSBC, aquisição que ainda depende de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) — a carteira de clientes da instituição é considerada mais sofisticada do que a do banco popular. “Dentro da pirâmide de renda, os clientes prime, como os do HSBC, são um objeto de desejo. É onde está o maior volume de recursos e de integração bancária. Entre as lógicas da aquisição estava o perfil da clientela — a gente muda de patamar entre os clientes de alta renda. Havia um portfólio de produtos e serviços, mas o nosso é mais abrangente, de maneira a rentabilizar mais a operação.”
A aquisição do HSBC é a segunda de grande porte operada na gestão Trabuco. Antes, houve a compra do banco Ibi, que operava o crédito da cadeia de lojas C&A, que inseriu o Bradesco em um mercado de crédito de consumo ligado a logística.
“Quando a gente avaliou o HSBC, viu que era a última oportunidade de banco de um certo porte que poderia agregar valor no nosso planejamento. O crescimento orgânico é prioridade e depende de esforço da capacidade gerencial, mas essas aquisições têm um papel fundamental. Adquirir o HSBC nos muda de patamar — aumenta nossa economia de escala e nosso custo operacional relativo pelos ganhos de sinergia que uma integração poderá dar. Depois dessa aquisição, já estamos bem servidos de rede, de clientes e portfólio. E é vida que segue.”
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Ainda que não assuma o discurso, a aquisição do HSBC brasileiro serviu também para reaproximar o Bradesco do posto que ocupou por décadas, o de maior banco privado brasileiro, e que perdeu com a fusão do Itaú com o Unibanco, em 2009. Quando a intenção foi anunciada, em agosto do ano passado, a soma dos ativos de Bradesco e HSBC atingia 1,201 trilhão de reais — o Itaú tinha 1,294 trilhão de reais, uma diferença inferior a 100 bilhões de reais. O Bradesco, no entanto, só é superado pelo Banco do Brasil em número de agências no país.
No último ano, o lucro do Bradesco foi de 17 bilhões de reais, um número expressivo, mas que veio acompanhado de um dado preocupante: os calotes. O índice que considera os atrasos superiores a 90 dias subiu para 4,06% no quarto trimestre de 2015, superior aos 3,81% do terceiro trimestre do mesmo ano e 3,5% no quarto trimestre de 2014. Entre as pequenas e médias empresas, a alta foi maior em 0,72 ponto percentual, com taxa de calote de 5,98% entre setembro e dezembro do último ano.
São fatores que ajudam a explicar o comedimento adotado recentemente nas análises do executivo do Bradesco sobre a economia brasileira. De sempre otimista, passou a exigir mudanças que afetem o humor dos investidores no Brasil.
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Logo após a vitória da presidente afastada Dilma Rousseff na eleição de 2014, Trabuco surgiu como o nome mais forte para assumir o Ministério da Fazenda. No entanto, Joaquim Levy assumiu o posto, depois ocupado por Nelson Barbosa e hoje, já sob o governo do interino Michel Temer, nas mãos de Henrique Meirelles. “Nunca passou pela minha cabeça assumir”, diz. “Aqui no banco eu tenho uma missão, e isso nunca se tornou um empecilho a que eu participasse das discussões.” O banqueiro, no entanto, jamais deixou de expressar otimismo com os escolhidos, embora a economia permanecesse estagnada, e o PIB encolhesse durante dois anos consecutivos.
“Estamos em outra fase. Em termos de PIB, estamos no fundo do poço. A desaceleração já é de 8%. O PIB per capita caiu quase 13%. Há uma queda no poder aquisitivo — é evidente que a crise política levou para outra, em que os pontos que dão confiança, como a política fiscal, foram colocados em dúvida, e agora está na fase de retomada. Agora, o Brasil é objeto de desejo de investidores. No mundo deflacionário, de taxas de juros negativas, em qualquer país cujo clima politico mantenha a confiança em alta, esse investimento virá. O PIB está recessivo, mas não desapareceu. Os ciclos econômicos não são revogados — eles vão e eles vêm.”
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A crença do executivo é a de que, ao contrário da Europa, o Brasil passe por mais um momento acelerado de mobilidade social, desta vez provocada pela educação, considerada por ele uma ascensão mais estável e menos dependente do clima político.
“Esse momento não aconteceu ainda — o que aconteceu foi a mobilidade derivada de renda. Produtos poderão ser consumidos apesar de sua renda, pois o consumidor terá a segurança da estabilidade. Países desenvolvidos são aqueles em que as eleições não causam stress político. Não podemos usar a energia para produzir calor, mas para produzir luz.”