Pode parecer estranho, mas muitos milionários sabem ganhar dinheiro, porém têm dificuldade em administrá-lo. Isso acontece, por exemplo, no caso de um jovem empresário que tornou-se rico ao criar uma startup — seu talento está no empreendedorismo, não na gestão das enormes quantias de dinheiro que o sucesso lhe trouxe. Há também famílias de posses que não conseguem decidir qual membro cuidará dos bens do clã. Nesses dois casos, e em vários outros, entra em cena um profissional que vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil: o gestor de fortunas.
A atividade é exercida tanto por setores específicos de grandes bancos como por firmas independentes especializadas neste nicho. E, como seria de se esperar, envolve quantias maiúsculas. “Conforme as estatísticas da Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais], a gestão de fortunas no Brasil possui um patrimônio de 740 bilhões de reais”, afirma João Albino Winkelmann, diretor da área de private banking do Bradesco. “Embora essa indústria tenha experimentado um crescimento importante na última década quando comparada com os países desenvolvidos, percebemos que o Brasil ainda possui um setor relativamente pequeno — e por isso mesmo, com grande potencial.”
Conforme estatística da Capgemini, esse mercado tinha, em 2015, um volume aproximado de 16,2 trilhões de dólares na América do Norte. Na Europa, atinge 12,97 trilhões de dólares. “Estima-se que existam 400 bilhões de dólares em recursos de clientes brasileiros no exterior. Ou seja: o Brasil deve representar algo próximo de 0,4% do mercado global de private”, observa Vitor Ohtsuki, superintendente executivo de private banking do Santander. “No último ano, o patrimônio sob gestão de profissionais de grandes fortunas cresceu 10% no Brasil, enquanto no restante do mundo o crescimento foi de 6%”, diz Mauro Rached, head de wealth management do BNP Paribas do Brasil.
MBAs, mestrados e doutorados
Ao longo dos últimos 20 anos, muitos donos de empresas que viveram toda sua vida administrando problemas e capital de giro venderam suas companhias e se depararam com uma quantia enorme de dinheiro, sem saber como usá-lo. Nesse momento, o mercado dos gestores de fortunas cresceu bastante. “Grande parte desses milionários não tem interesse em acompanhar o mercado financeiro, e não fizeram isso ao longo da vida. Encontrar um gestor livre de conflitos para os assessorar em seus investimentos parece-lhes a melhor decisão para rentabilizar seus recursos”, afirma Thiago de Castro, CEO da TAG Investimentos, empresa especializada no ramo. “Muitas famílias ricas passam em algum momento da vida pela sucessão, tema difícil de ser lidar, o que acaba por também ensejar o serviço de gestores de fortunas.”
Os clientes deste segmento exigem sofisticação e exclusividade no que diz respeito a produtos e serviços. “A atividade de gestão de grandes fortunas evoluiu nesse sentido”, conta Rached. “No passado, esses milionários estavam mais ligados a soluções bancárias. Já hoje, os clientes nos procuram para uma avaliação completa de seu patrimônio, o que inclui análise e consolidação de diferentes ativos, soluções em planejamento patrimonial e sucessório, crédito para projetos e investimentos locais e internacionais”, afirma.
“A gestão de fortunas é uma atividade altamente complexa, que envolve uma combinação de disciplinas”, complementa César Chicayban, vice-presidente do Citi Private Bank no Brasil. “Por isto, o profissional da área precisa ser bastante qualificado, de preferência com uma série de certificações nacionais e globais que incluem CPA 20, CFP, CFA, e até mesmo MBAs, mestrados e doutorados nas principais universidades mundiais.”
A preservação patrimonial ao longo das gerações é motivo de grande preocupação e um dos principais temas de gestão de grandes fortunas. A capacidade empreendedora da primeira geração de herdeiros não necessariamente se repete nas gerações subsequentes — daí a importância de formar herdeiros que saibam ser bons investidores e se cercar de profissionais que estejam alinhados com os objetivos da família e trabalhem em prol disso. “Por maior que seja o patrimônio e mais sofisticada seja a família, é virtualmente impossível ser autossuficiente em investimentos globais e ter a capacidade de cobrir com o nível de detalhes necessários os principais mercados de renda fixa, equities e investimentos alternativos”, diz Chicayban. “É por esse motivo que as principais famílias normalmente recorrem a terceiros para a gestão de suas fortunas. Os mercados se tornaram mais complexos, e a especialização se tornou mais importante. Os grandes empreendedores sabem que podem ter vantagem competitiva em algumas disciplinas, mas não em todas, por isso recorrem a terceiros.”
Comitês de famílias, em que os executivos respondem diretamente e de onde saem as decisões macro, têm sido criados continuamente. Neles, o gestor faz a interlocução com os bancos. “Com algumas outras famílias pode acontecer que algum membro mais envolvido com investimentos financeiros acabe participando da relação direta com os bancos/gestores”, diz Leonardo Bortoloto, sócio-diretor da consultoria Aditus.
E qual será o futuro desta atividade? Os gestores de fortunas estão otimistas. “Projetamos uma expansão da atividade de 5 a 7% ao ano nos próximos 4 ou 5 anos. A tendência mais forte que enxergo é o crescimento dos investimentos no exterior por parte das famílias milionárias”, responde Chicayban, do Citi Private Bank.
“A parceria entre bancos e gestores independentes é uma das mais fortes tendências para o futuro da atividade”, acrescenta Thiago, da TAG Investimentos. “Os bancos já começaram a enxergar os gestores como promissores parceiros, e muitos deles já oferecem plataforma, sistemas e custódia de recursos para estes mesmos gestores”.
“Acredito na migração do atendimento pautado na simples oferta de produtos para um serviço completo no ramo das grandes fortunas”, diz Winkelmann, do Bradesco. “Cada vez mais o produto bancário torna-se uma commodity, e o serviço que o cliente com grande fortuna busca é o aconselhamento sobre o que fazer com seu patrimônio em todas as esferas.”
Em um país em crise, ganhar dinheiro não é fácil. Ganhar muito dinheiro, então, é mais complicado ainda. A indústria da gestão de grandes fortunas mostra que está presente para garantir que o esforço não se dissipe e não tenha sido em vão.