Cherie Blair tem uma maneira simples de resumir o quão importante é para uma mulher ser financeiramente independente. “Se ela controla seu próprio dinheiro, ela controla seu destino”, diz a fundadora da Cherie Blair Foundation for Women. Seu principal exemplo esteve em casa — e não era o seu marido, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, mas a mãe, Gale Howard, que, separada de seu companheiro, sustentou e ajudou a custear os estudos das filhas. Advogada especializada em direitos humanos, o envolvimento com as causas que escolheu vai além de um dia ter sido primeira-dama do Reino Unido. Sua história caminha pelas próprias pernas.
VEJA TAMBÉM: Como a nº 2 da MasterCard no mundo tem transformado a equidade de gênero na empresa
“A mulher que ganha seu próprio dinheiro pode ter escolhas. Ela diz ‘não’ aos pais que querem forçá-la a casar cedo; diz ‘não’ ao relacionamento abusivo, e tem a possibilidade de bancar uma educação de qualidade aos filhos”, disse Cherie Blair, na 7ª edição do Dell Women’s Entrepreneur Network Summit (Dwen), que reuniu empreendedoras de diversas partes do mundo na Cidade do Cabo (África do Sul).
Cherie foi a primeira mulher de um chefe de gabinete britânico com formação acadêmica. Tem diploma em direito pela London School of Economics, com First Class Degree, a mais alta classificação de desempenho acadêmico. Desde 2008, ela coloca em prática seu plano para ajudar mulheres de todo o mundo a conquistar a independência financeira. Sua fundação auxilia micros, pequenas e médias empresas dirigidas por mulheres por meio de três programas: desenvolvimento empresarial, mentoring para mulheres nos negócios, e tecnologia móvel. Com apoio de companhias como Accenture, ExxonMobil e Bank of America, a entidade já atendeu 136 mil empreendedoras em 90 países em desenvolvimento. “A mulher precisa de capacitação, de ajuda com treinamento para os negócios, além de ganhar confiança. A mulher bem-sucedida é vista, ainda nos dias de hoje, como uma espécie de aberração”, afirmou.
No programa de mentoring, por exemplo, a fundação conecta empreendedoras a mentores (homens e mulheres) de diferentes partes do mundo em uma plataforma on line. A dupla deve conversar pela internet por pelo menos duas horas por mês ao longo de um ano. Estabelecer metas e prioridades, além de traçar um plano de ação para o ano, são deveres da empreendedora. Já o mentor deve compartilhar seu conhecimento e experiências, apresentar contatos importantes, entre outras tarefas. Iniciado em 2010, o programa de mentoring ajudou 4.000 mulheres até o momento.
“Temos um bom número de mentores na América do Sul, incluindo o Brasil. Para usar nossa plataforma de mentoring, desde que a pessoa fale inglês, não importa em que país ela esteja, pois tudo acontece num mundo virtual. No Brasil, gostaríamos de achar um parceiro local, como o governo, por exemplo, que desse treinamento para nossa rede de mulheres”, disse Cherie Blair a FORBES Brasil. Aos 62 anos, usando um vestido de poliéster azul-marinho com detalhes em branco, sapato bege de um salto mínimo, e sem maquiagem, Cherie passava despercebida entre as empreendedoras presentes no Cape Town International Convention Centre. A aparência cansada talvez se justifique pela perda recente: sua mãe havia morrido dias antes do evento. “Ela ficaria furiosa se eu não viesse.”
E MAIS: “Acredito em equidade de gênero desde os 5 anos de idade”, diz Jessica Alba
Quando Cherie tinha três anos, a mãe Gale, que conhecera seu futuro marido numa escola de atores, desistiu da carreira de atriz para ter um emprego mais tradicional e garantir o sustento da família. Cinco anos depois, seu companheiro Tony Booth, que viria a ser um ator famoso, conhecido por seu papel no sitcom inglês Till Death Us Do Part (1965—1975), abandonou-a com as duas filhas para viver com uma amante. Mesmo com pouco estudo — Gale deixou a escola aos 14 anos para cuidar do pai e do irmão, após a morte repentina da mãe —, ela conseguiu dar uma boa educação às filhas.
Os ensinamentos de Gale e da avó paterna sempre estiveram presentes na trajetória de Cherie. “Eu ficava surpresa, pois muitas pessoas achavam que, por causa do trabalho do meu marido, eu deveria desistir da carreira que tinha construído ao longo de 20 anos. Continuei atuando como advogada enquanto ele era primeiro-ministro. A tecnologia me permitiu fazer meu trabalho e falar com meus clientes ao mesmo tempo em que eu realizava minhas funções de primeira-dama”, afirmou.
Tony Blair sucedeu John Major em 1997, após quase duas décadas de governo conservador. Jovem, sorridente e boa pinta, o novo primeiro-ministro britânico encaixava-se perfeitamente na Cool Britannia, um período de forte orgulho da cultura do Reino Unido, iniciado em 1996. A década revelou o pintor e escultor Damien Hirst, conhecido por suas polêmicas obras com animais mortos preservados em formol, e até hoje um dos artistas plásticos mais ricos do planeta. O filme Trainspotting (1996), indicado ao Oscar em 1997 na categoria de melhor roteiro adaptado, não levou a estatueta, mas conquistou outros 18 prêmios, além de revelar o cineasta Danny Boyle, que receberia em 2008 o título de melhor diretor por “Quem Quer Ser Um Milionário?”.
Os anos que o casal Blair e seus quatro filhos viveram no número 10 da Downing Street foram de grande otimismo e expansão econômica no Reino Unido. E era nesse clima que Cherie se dividia entre seu computador e o sobe-e-desce de escadas para acompanhar as esposas dos mais diferentes chefes de Estado durante os chás servidos na residência oficial. Suas viagens pelo mundo, ao lado do marido, ajudaram-na a compreender a situação da mulher empreendedora. “Em muitos países é comum que a propriedade pertença ao homem, enquanto é a mulher que, de fato, realiza o trabalho.”
Atualmente, o principal desafio enfrentado pelas mulheres empreendedoras é o acesso ao capital para investimento, segundo o Women Entrepreneur Cities Index, estudo realizado pela Dell em 2016 que analisou as habilidades que 25 cidades do mundo têm para atrair e promover o crescimento de empresas fundadas por mulheres. Além de capital, a pesquisa analisou outras quatro características nas cidades participantes: tecnologia, talento, cultura e mercado. Nova York é a cidade com maior capacidade para atrair e apoiar mulheres empreendedoras de alto potencial, seguida pela Bay Area de São Francisco (que engloba as regiões metropolitanas de São Francisco e San José), Londres, Estocolmo e Cingapura. São Paulo aparece na 19ª posição no ranking.
NÃO PERCA: 8 passos para montar uma boa equipe, equilibrada entre homens e mulheres
“As mulheres não têm o mesmo acesso ao capital que os homens, elas não são levadas a sério. O público feminino é tratado como um investimento de risco, mesmo que, de acordo com as estatísticas, isso não seja verdade”, diz. Cherie lembra da dificuldade enfrentada por sua mãe, nos anos 1960, ao tomar um empréstimo para a compra de uma casa. Disseram a Gale que ela precisava da assinatura do marido na ficha de solicitação. “Meu pai era muito famoso, mas também um alcoólatra e mulherengo. A ideia de que minha mãe, uma trabalhadora que sustentava a família, oferecia um risco maior do que o marido dela era muito estranha, mas na verdade isso ainda acontece.”
Atualmente, além de continuar atuando como advogada de direitos humanos, Cherie lidera o conselho da rainha Elizabeth II e viaja pelo mundo para visitar projetos de sua fundação. Em 2008, ela lançou sua autobiografia, Speaking for Myself, porque sentia que, enquanto primeira-dama, era muito conhecida, mas pouco ouvida. Hoje, ela não só fala por si mesma, mas também dá voz a milhares de mulheres.