A sede da Harry’s, em Manhattan, um amplo espaço com piso polido em zigue-zague, suportes para bicicletas nas paredes e gente estilosa de vinte e poucos anos, lembra um filme sobre uma companhia com bons recursos financeiros e de rápido crescimento. No entanto, quando se entra na empresa de aparelhos de barbear – que tem como alvo o predomínio da Gillette no setor de cuidados pessoais masculinos dos EUA, um mercado de US$ 3 bilhões –, a cena que se vê está mais para um shopping center do que para uma startup. Do outro lado do salão que sai da cozinha repleta de guloseimas, uma imitação de corredor de compras da rede de megalojas Target com tudo a que tem direito: expositores de papelão, fileiras de aparelhos de barbear em ganchos metálicos e prateleiras de espuma de barbear bem organizadas.
E lá estavam os fundadores da Harry’s, Andy Katz-Mayfield e Jeff Raider, obcecados por cada detalhe de sua iminente parceria com a poderosa Target. “Você não pode simplesmente jogar o produto na prateleira e esperar que ele seja vendido”, diz Raider, que, antes da Harry’s, foi cofundador da Warby Parker, empresa que revolucionou o mercado de óculos.
Numa era em que as empresas se vangloriam de modelos de comércio eletrônico com poucos ativos, a Harry’s vem nadando contra a corrente, em uma estratégia arriscada. Em 2014, a dupla pagou US$ 100 milhões por uma fábrica alemã de 96 anos para produzir lâminas de alta qualidade. E agora, enquanto as marcas tradicionais lutam para reforçar sua influência na internet (em 2016, o Wal-Mart pagou US$ 3 bilhões pela varejista online Jet.com, a Macy’s anunciou que fecharia 100 lojas e se concentraria no comércio eletrônico, e a Unilever adquiriu a Dollar Shave Club, rival da Harry’s em assinaturas de aparelhos de barbear, por US$ 1 bilhão), eles estão entrando com tudo nas lojas físicas.
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A Harry’s começou, então, a vender kits de barbear em espaços de 1,2 metro em cada uma das 1.800 lojas da Target. Isso representa mais de 2 quilômetros de aparelhos e espuma de barbear. É um raro lançamento nacional para a varejista, que tem o segundo maior negócio dos EUA em produtos de barbear (o Wal-Mart é o primeiro).
A Harry’s não revela o custo do lançamento, mas levantou US$ 75 milhões em junho de 2015 para modernizar sua fábrica alemã. “A concorrência é forte”, diz Katz-Mayfield. “Se você vai fazer isso, tem de pensar grande e fazer muito barulho.”
Katz-Mayfield e Raider cresceram em diferentes bairros de Boston e se conheceram quando eram estagiários na Bain & Co. Katz-Mayfield estudou em Stanford; Raider, em Wharton, onde ele e alguns amigos abriram a Warby Parker (que hoje vale mais de US$ 1 bilhão). Katz-Mayfield teve a ideia da Harry’s após uma má experiência em uma farmácia. “Eles tinham todos esses aparelhos de barbear diferentes, fechados atrás de barreiras de plástico”, conta, “e, no fim, acabei pagando US$ 25 por algumas lâminas e uma lata de espuma de barbear.”
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Vendo uma oportunidade, ele ligou para Raider. Os dois concluíram que era um mercado perfeito para uma revolução à la Warby Parker. Durante noites e fins de semana, eles se aprofundaram no ramo de cuidados pessoais e aprenderam que fabricar aparelhos de barbear é complicado. As moléculas do aço têm de ser aquecidas e resfriadas rapidamente (de 1.100 graus para 70 graus negativos) de modo a originar um metal duro o suficiente para ser afiado num gume perfeito. “Qualidade e desempenho são importantes quando você está levando uma faca ao rosto de uma pessoa”, diz Katz-Mayfield.
Com os contatos de Raider na Warby e o prestígio desta, eles obtiveram US$ 4 milhões com a Thrive Capital e encomendaram seus primeiros produtos a uma empresa alemã, a Feintechnik. O marketing da Harry’s tinha um toque vintage, e ela foi lançada em março de 2013 com grande alarde, oferecendo aparelhos comparáveis aos Fusion da Gillette, mas pela metade do preço. As vendas dispararam. Passados dois meses, os fundadores perceberam que tinham um problema de suprimento.
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Em janeiro de 2014, eles concluíram uma rodada de financiamento de US$ 122,5 milhões, convencendo os investidores de que precisavam comprar a Feintechnik e sua fábrica de aparelhos de barbear com 500 funcionários na Alemanha. “Eles provavelmente acharam que estávamos meio doidos”, comenta Katz-Mayfield. Em 2016, a Harry’s espera vendas de US$ 200 milhões. No cômputo geral, ela levantou US$ 300 milhões em capital e dívida – incluindo a rodada de US$ 75 milhões que foi liderada, em meados do ano, pela Wellington Management e que elevou a avaliação da empresa a US$ 770 milhões.
A parceria com a Target começou a tomar forma dois anos atrás, quando Raider deu uma palestra na semana do design da varejista. Sua apresentação chamou a atenção de John Butcher, vice-presidente sênior de beleza e cuidados pessoais da rede. “Este setor está pronto para ser revolucionado”, diz Butcher. “Nós temos o segundo maior negócio do país em produtos de barbear, e a Harry’s está levando um toque descolado ao barbear”, declarou.
A parceria, pela qual também são vendidos produtos Harry’s no site Target.com, deu uma boa arrancada com kits básicos promocionais de US$ 5 à venda nas lojas e na internet. O negócio pode gerar vendas superiores a US$ 20 milhões para a Harry’s em 2017. E ainda há a possibilidade de acréscimos, como esfoliantes faciais, loções e a outra metade do mercado: lâminas para mulheres.