O título desta matéria remete à música Você já Foi à Bahia, de Dorival Caymmi (1941), e ao desenho da Disney de mesmo nome lançado em 1945 como parte da política de aproximação dos EUA com o Brasil e o México. Na história, os “embaixadores” dessa política de boa vizinhança eram o Pato Donald, representando os americanos, o mexicano Panchito e Zé Carioca, papagaio malandro criado pelo estúdio especialmente para essa missão, embalada por muita música e Carnaval. Sete décadas depois, o cenário mudou. Hoje Donald é um sujeito de poucos amigos. Resta-nos procurar novas amizades.
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Nesse contexto, o embaixador (de carne e osso) da Suíça no Brasil, André Regli, descreve os esforços que seu país vem fazendo para estreitar os laços entre os dois países. Copa do Mundo, Olimpíada e novamente o Carnaval foram usados como parte da estratégia de divulgar a Suíça aos brasileiros. Eles nos querem lá. E querem estar cada vez mais presentes aqui.
PARAÍSO
Considerada por muito tempo um paraíso fiscal, a Suíça passou a sofrer pressões para adotar regras mais transparentes em relação ao dinheiro que entrava e circulava no país. Passou também a tentar conciliar novas propostas de política tributária com a permanência de multinacionais acostumadas a impostos baixos, de modo a não perder arrecadação nem postos de trabalho, em caso de debandada. O embaixador Regli minimiza: “Muita gente não sabe, mas a maior parte da economia suíça é a indústria, e não o sistema financeiro. Esse representa apenas 10% do total”.
Mas foi para falar principalmente sobre turismo que o embaixador recebeu FORBES no Consulado Geral da Suíça na avenida Paulista, em São Paulo. “O turismo ainda representa apenas 2,5% do nosso PIB, mas tem uma importância muito grande. Ele ajuda toda a economia, atrai pessoas que veem a beleza do país, que vão voltar ou divulgar o que viram. Daí podem resultar até relações econômicas”, analisa.
Ele conta que ficou chocado com uma pesquisa feita em 2012 para medir o conhecimento que o brasileiro tinha sobre o país europeu: “56% das pessoas nem sabiam o que era Suíça. Então o governo decidiu fazer uma grande campanha aproveitando os grandes eventos que iam ser realizados aqui – a Copa do Mundo e a Olimpíada”.
Na Copa (2014) e na Olimpíada (2016), a infraestrutura montada por eles para acolher e entreter os visitantes fez sucesso. “Para 2015 estávamos procurando uma plataforma para chegar até a população. Uma das melhores é a novela da Globo. Mas nas histórias, quando o sujeito tinha alguma riqueza ou pedras preciosas, para onde ele ia? Para a Suíça. E essa não era a imagem que queríamos mostrar”, afirma.
“A segunda melhor plataforma era o Carnaval. Por isso entramos em contato com a Unidos da Tijuca”, continua o embaixador. “Mandamos o comitê artístico da escola para a Suíça durante dez dias. A escola saiu com o tema Um Conto Marcado no Tempo – O Olhar Suíço de Clóvis Bornay. Imagine: 4 mil pessoas desfilando, 60 milhões de pessoas vendo pela TV… Ficamos em quarto lugar.”
O resultado dessas estratégias, um tanto populares para um destino considerado luxuoso e exclusivo, está em avaliação. “Vamos fazer uma nova pesquisa para ver se a imagem e o conhecimento que o brasileiro tem da Suíça melhoraram”, diz Regli. “Na Copa, jogamos bem e ganhamos a simpatia dos torcedores brasileiros. Se tivéssemos ganhado da Argentina, então, talvez nem precisássemos fazer toda essa campanha”, brinca.
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MERCOSUL
Anos antes de Donald (o Trump) colocar em xeque acordos comerciais mundo afora, a Suíça, como membro da EFTA (European Free Trade Association, que inclui Islândia, Liechtenstein e Noruega), já vinha intensificando sua aproximação com o Mercosul.
“No fim da presidência de Dilma Rousseff, o Brasil viu que uma das maneiras de sair da crise é abrir os mercados. Quando Macri chegou à presidência na Argentina, começamos rapidamente os estudos e negociações para a criação de um tratado de livre comércio entre a EFTA e o Mercosul”, conta o embaixador.
Ele afirma que o empresário de seu país é fiel mesmo nos momentos de crise e diz que várias outras empresas suíças estão de olho no potencial do mercado brasileiro. Entre elas estão diversas fintechs (que oferecem serviços bancários a preços mais baixos que os dos bancos tradicionais) e as cleantechs (ligadas a sustentabilidade e meio ambiente).
CABEÇAS
“Ao contrário de vocês, que têm tudo, lá só temos água e pedra. O que nos faz grandes são as cabeças. Isso vem de uma boa educação desde pequenos.
Temos um sistema de educação inigualável. Investimos muito dinheiro (cerca de 6% do PIB) em ciência, tecnologia e educação.” O resultado disso é que de Zurique saem cerca de 50 ideias de startups por mês – um número grande demais para o mercado local e que por isso precisa migrar em busca de escala.
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PROMESSA
A primeira vez que André Regli esteve no Brasil representando seu país foi entre 1997 e 2001. Ele era o “número 2” no organograma, responsável pelos assuntos de economia, ciência e tecnologia. “Já morei na Ásia, África, América do Norte, Europa… e nunca tinha visto um povo tão acolhedor. Então já naquela época eu falei: ‘Um dia vou voltar como embaixador’. Demorei quase 15 anos, mas felizmente realizei esse desejo.”
Agora o desejo do embaixador é que Brasil e Suíça sejam os melhores amigos do mundo. Como Donald (o pato) e Zé Carioca foram um dia nas telas do cinema.