O debate sobre o destino do Brasil não deve ser deixado de lado pelos empresários. Essa é a avaliação do CEO do Citi Brasil, Hélio Magalhães, que diz se incomodar com a falta de participação do setor privado nas discussões sobre as reformas e os ajustes para reequilibrar o orçamento público brasileiro. Na visão do executivo, essas são as únicas medidas para sair da crise e, caso não aconteçam, o país corre o risco de ter a sua nota de crédito rebaixada pelas agências de rating. Um calote da dívida, inclusive, não está descartado na avaliação de Magalhães.
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O executivo diz que, por isso, defende que os empresários sejam mais atuantes em suas empresas e nas entidades de classe para explicar a situação econômica brasileira e elaborar um plano de ação. Segundo ele, essa explicação precisa ser direcionada à maior parte da população, que ainda não teria percebido a gravidade da situação e as dificuldades inerentes para superá-la.
Em relação ao governo de Michel Temer, o CEO do Citigroup elogia as iniciativas da equipe econômica, que levaram à queda da inflação e propiciaram a redução de juros. No entanto, segundo ele, a incerteza ainda predomina, como resultante da instabilidade política. Para reverter o quadro, o executivo aponta para uma plataforma presidencial que saiba da extensão da crise econômica e tenha um plano que estabeleça as reformas e o ajuste fiscal como saída para as dificuldades, além de capacidade de liderança sobre o Congresso – que Magalhães não vê, com legitimidade, dados os últimos projetos de leis, como a reforma política.
Leia abaixo a entrevista de Hélio Magalhães a FORBES Brasil e seu diagnóstico e recomendações sobre a economia e política brasileiras.
FORBES Brasil – Os empresários devem ter uma participação maior na política?
HÉLIO MAGALHÃES – Os empresários deveriam ser mais atuantes no debate sobre os destinos do país. Parte da iniciativa privada, nos últimos anos, esteve afastada da política e delegou muita coisa para o setor público. De uma maneira geral, o brasileiro não discute, não propõe e não cobra os políticos. Por isso, a situação é grave, e a saída da crise não vai ser fácil, o que vai exigir sacrifícios, especialmente na solução dos desequilíbrios fiscais. Todos devem participar do debate para compreender a situação e elaborar um plano correto.
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FB – Como contribuir com esse debate?
HM – Ajudar na discussão, propor ideias, sem se tornar político. Além de explicar a situação à população, que não tem conhecimento sobre o assunto. As pessoas, por exemplo, entendem o impacto da reforma da Previdência? Existe um discurso de que haverá perda de direitos, o que não é verdade: 80% dos pensionistas do setor privado recebem e vão continuar recebendo um salário mínimo. A reforma vai equilibrar receita e despesa e acabar com algumas regalias que tornam a previdência insustentável. Os empresários têm um papel importante de explicar a necessidade dos ajustes.
FB – Qual é o canal de comunicação no qual essa mensagem deve ser passada?
HM – Todos os possíveis. Deve-se discutir, de forma construtiva, nas empresas, nas associações e entidades de classe, nas redes sociais. É difícil, pois a maioria leva tudo para o lado emocional. A explicação do tema é fácil, mas falta uma comunicação clara. Por exemplo, o país é como se fosse uma família que gasta mais do que ganha. Desta forma, tem de pegar empréstimo, o que leva ao crescimento da dívida e a um aumento da taxa de juros, pois poucos agentes econômicos estarão dispostos a emprestar para quem deve muito, e os que vão, o fazem mediante juros mais elevados. Nenhum país, assim como nenhuma família, sobrevive dessa forma, correndo o risco de não pagar seus compromissos e quebrar. O governo brasileiro vai ter de emitir mais título no mercado para financiar o crescente déficit fiscal.
FB – Qual é a consequência do desequilíbrio fiscal?
HM – Aumenta-se o endividamento público. Em 2013, a dívida bruta estava em 53% do Produto Interno Bruto (PIB) [em dezembro de 2013 estava em 56,8% do PIB]. Em 2017 vai fechar em 76% [em junho, estava em 76,5%]. Desta forma, o país consegue empréstimo, mas com juros maiores. Se o Brasil fosse uma família, ela estaria com o nome sujo. Se não há sinalização de mudança, cresce o risco de as agências de rating afirmarem que o Brasil “tem risco de não pagar a dívida”. A população, provavelmente, não entende essa dinâmica, acreditando que o governo tem uma máquina de imprimir dinheiro, que sacrifício não é necessário. Para os que entendem da situação, é uma obrigação ter uma maior comunicação clara sobre o assunto, além de cobrar do governo para que faça a reforma da Previdência e acabe com os desperdícios e com a ineficiência. É a maneira de a sociedade civil e de o setor privado tirarem o Brasil da crise.
FB – O senhor fala que os gastos estão acima da receita. Com esses dois anos de PIB negativo, a arrecadação federal caiu. Como manter a receita, pelo menos, constante?
HM – Uma coisa está ligada à outra. A recessão é resultado deste desequilíbrio fiscal. Um país que vive em déficit fiscal não consegue gerar crescimento econômico, porque investe menos. Se a família gasta mais do que ganha, não tem dinheiro para colocar na poupança, deixando de investir em seu futuro. O Brasil precisa praticar e manter a disciplina fiscal, além de executar um plano que gere confiança. Somente com a confiança as pessoas vão ficar otimistas para fazerem os seus investimentos, o que vai levar a economia a crescer. Um caminho importante já foi percorrido: as medidas que fizeram a inflação cair, e provocaram a queda da taxa de juros, criaram uma condição de crescimento melhor. Agora, é o momento de criar um cenário de longo prazo positivo para que a confiança retorne, e as empresas voltem a investir. O trabalho [do governo de Michel Temer] está dando resultado, porém com situações de incerteza. Nesta situação, não existe condições de investimentos altos. O Brasil, para entrar em uma trajetória de crescimento, precisa que a taxa de investimento esteja acima de 25% do PIB, mas ficou abaixo de 15% em 2016 [fechou em 16,4%, segundo o IBGE]. Crescimento vem com investimento, investimento vem com confiança, confiança vem quando o mercado em geral vê que o país caminha para uma direção certa.
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FB – O discurso da retomada da confiança está na pauta desde o ajuste fiscal implementado pela ex-presidente Dilma Rousseff, no início do segundo mandato, e se manteve com a política econômica do governo de Michel Temer. A queda da inflação e a tentativa de disciplina fiscal, por enquanto, não trouxeram a confiança. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” (26/8), disse que o retorno da confiança ainda não trouxe o investimento após o primeiro ano do governo Temer. Qual é a sua avaliação a respeito?
HM – Já há crescimento em alguns setores, apesar de pequeno e modesto. Em alguns indicadores, verifica-se a melhora da confiança, embora esteja impactada pela instabilidade política. As reformas propostas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e sua equipe geram confiança. Por outro lado, tem uma instabilidade política que não permite entusiasmo. Mesmo assim, o mercado ainda está otimista, o que é manifestado no dólar a R$ 3,16 e na Bolsa de Valores acima dos 71 mil pontos. O CDS (Credit Default Swaps) brasileiro – o seguro para quem investe no Brasil – está no nível que estava antes da crise da delação dos irmãos Batista, da JBS [que acusou o presidente Temer de pagar pelo silêncio do ex-deputado federal Eduardo Cunha]. Mesmo assim, as pessoas que têm dinheiro estão ainda um pouco preocupadas com a instabilidade política.
FB – Como o senhor acha que o diálogo deve ser feito com a população?
HM – A discussão tem de ser constante, com foco na causa dos problemas. No Brasil, privilegia-se as consequências. Por exemplo: as taxas de juros no Brasil são muito altas. Porém, a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) é alta? Pelo contrário, ela está abaixo do custo de financiamento do Tesouro brasileiro. Quando o Tesouro emite um bônus para pegar dinheiro emprestado, paga-se mais juros que o BNDES cobra na TJLP. Isso é um subsídio de juros, que faz com que as taxas no mercado tenham de ser muito altas, o que cria um desequilíbrio no sistema. Finalmente, discute-se os juros subsidiados, algo que não existe em nenhum lugar do mundo. E os juros subsidiados financiam quem poderia ir ao mercado de capitais. A população precisa questionar os seus líderes políticos nesta questão, o que não acontece, talvez, porque a população tenha um nível educacional mais baixo, algo que também precisa resolver. Enquanto não houver investimento em uma população de mais qualidade, não vai haver entendimento do problema e, talvez, políticos com propostas simplistas continuarão recebendo apoio.
FB – Flávio Rocha, CEO da Riachuelo e colunista de FORBES Brasil, incentiva os empresários a participarem do debate público…
HM – Ele faz uma parte interessante deste trabalho.
FB – Você se inspira nele?
HM – Eu o acho um bom exemplo de empresário que dedica seu tempo a essa discussão. Precisamos de mais pessoas assim.
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FB – O senhor está otimista de que essa ideia terá adesão?
HM – Vejo muitas conversas de “precisamos fazer alguma coisa”. Participo de um grupo de 30 empresários e executivos que procuram formas de colaborar e elaborar um plano. Mas precisamos de mais força, fazer uma discussão sem rancor, que vá à essência dos problemas. Entender que existe uma proposta. Eu não tenho dúvida que, no próximo mandato presidencial, a reforma da Previdência vai ser aprovada.
FB – Qual é o governo ideal para o Brasil?
HM – É difícil falar em nomes. O ideal é uma pessoa consciente dos problemas, que tenha um plano consistente e uma equipe para implementar. Um presidente consegue montar uma equipe, sem influência política, para executar o plano? Talvez não, hoje existe um modelo de presidencialismo que precisa de apoio do Congresso. Se imaginar o Brasil como uma empresa, o presidente é o dono que não consegue escolher os diretores, pois eles são nomeados por outros. Não pode demitir funcionário porque todos têm estabilidade. Você não consegue cortar alguns custos que estão na Constituição. Não há como resolver uma crise na empresa com essas limitações. Talvez apenas algum presidente que possa ter uma liderança política, que consiga trazer políticos importantes e influentes no Congresso para aprovar as medidas. E executar esse plano com muita disciplina, sabendo que o resultado não vem no curto prazo. Esse é outro problema: o brasileiro pensa no curto prazo. “Eu quero que o desemprego caia em um ano”: isso não existe.
FB – O senhor vê possibilidade de algum candidato com esse perfil vencer as eleições do ano que vem?
HM – Acho que sim. A classe média brasileira sofre com essa falência financeira. Alguém com capacidade de falar com essa população de uma forma simples pode gerar empatia. Um político à moda antiga, com um discurso fácil, vai ter mais dificuldades nessas eleições do que alguém com um discurso transparente e honesto.
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FB – Vai acontecer, no Brasil, um fenômeno semelhante ao que aconteceu na França, com a vitória eleitoral de Emmanuel Macron?
HM – Ele é um ótimo exemplo, pois era uma pessoa desconhecida no início das eleições. Escutou o que o povo falava nas redes sociais, onde também divulgou o seu plano de governo. Tornou-se conhecido, elegeu-se e atraiu novos políticos para o seu partido. O Brasil vai ter de passar por isso. As redes sociais são uma ótima estratégia, onde se pode perguntar, ouvir, propor e discutir. Acho que o povo está cansado do horário político e de soluções esotéricas. O Brasil vai ter de encontrar caminhos novos, mas não sei como, porque eu não sou político, não tenho experiência.
FB – Como incentivar outros empresários e a sociedade civil a participar desse debate?
HM – Precisamos de mais gente com a mentalidade de que o país é nosso. É inadmissível um grupo de 513 deputados discutirem como vai ser o sistema político no país, com a criação de um fundo adicional para gastar na campanha, com dinheiro que não tem. A população deveria ser consultada sobre a reforma política. Teve um que propôs bingo para arrecadar dinheiro. Qual é a legitimidade dos deputados? Eu não autorizei ninguém a fazer isso em meu nome, como nenhum brasileiro autorizou um político a fazer uma proposta que não se pode aceitar. O Brasil, talvez, esteja chegando a um ponto ideal para que possa fazer uma mudança na forma como a política é feita no país. Além disso, se a dívida continuar crescendo, as agências podem rebaixar a nota de crédito brasileira, e o país pode fazer parte de um grupo de nações que não têm confiança de investidor algum, podendo chegar à situação de uma Grécia.
FB – Com risco de calote na dívida?
HM – Sem dúvida nenhuma. Há risco de a dívida bruta brasileira chegar ao nível da Grécia, de aproximadamente 200% em relação ao PIB, sem conseguir prestar serviço para a população. O povo quer isso? O Estado do Rio de Janeiro não consegue pagar serviços básicos da população. As reformas precisam ser implementadas para que o Brasil saia da crise. Falar de direito adquirido é bonito no papel, mas, se não tiver dinheiro, não há direito algum. Os aposentados do Rio de Janeiro têm o direito de receber aposentadoria, mas estão recebendo?
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