Nascido em uma das famílias mais conhecidas e empreendedoras do sul do Brasil – ele próprio começou seus negócios aos 17 anos de idade –, hoje Pedro Sirotsky Melzer, 40, encara a missão de dar um choque de realidade no ecossistema de startups no Brasil. À frente da e.Bricks Ventures, fundo de investimento que reúne várias famílias tradicionais do país – entre elas os Szajman, do Grupo VR – Melzer prega pés no chão e muito preparo aos empreendedores – e cautela e muita análise aos investidores. Nada de impulsos megalômanos e devaneios pueris.
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“Não vai ser sustentável para o Brasil se esse movimento for encarado como uma moda, como uma febre, em que investidores afoitos brincam de colocar dinheiro em jovens que sonham em mudar o planeta sem ainda ter capacidade para empreender”, afirma. “Não faz sentido achar que qualquer coisa é uma startup promissora, que da noite para o dia todo mundo vai ganhar milhões. Isso é um grande equívoco que faz mal para o país.” Trabalhar em uma startup, afinal, nada tem de glamoroso: os ambientes são espartanos, o capital é escasso, é preciso atrair clientes sem ainda ter um histórico, sem ainda ter credibilidade. É preciso atrair talentos tendo como moeda de troca apenas um sonho compartilhado – e muitas vezes esse sonho precisa ser postergado para que se possa estudar melhor o negócio, o mercado e a concorrência.
"Aqui, o melhor é encarar a tecnologia de forma pragmática"Jogada essa ducha de água fria, Melzer mostra o caminho das pedras. Explica que as startups que chegam até eles podem eventualmente ter lacunas a preencher, e a e.Bricks oferece as condições para sanar essas deficiências, com mentoria e recursos. Fará isso se identificar que à frente do projeto estão pessoas talentosas, centradas, que se aprofundaram no conhecimento da indústria na qual estão entrando e que atraíram os melhores talentos (e não os melhores amigos) para o desafio. “Temos que ser muito seletivos nesse processo. Só vamos investir em pessoas – jovens ou maduras, não importa – se percebermos que estão altamente capacitadas, com visão de longo prazo e que tenham a convicção de que aqui não é o Vale do Silício. Empreender no Brasil é muito mais complexo e desafiador.”
Fazer a coisa certa desde o dia 1, diz ele, não é importante – é condição sine qua non. E fazer a coisa certa significa saber contratar e demitir, relacionar-se com outras empresas, conhecer as boas práticas de governança, de gestão e marketing, entender as métricas, conduzir reuniões de board… Em suma, dominar os principais fundamentos de uma empresa profissional. Não por acaso, das 400 empresas que a equipe da eBricks avalia anualmente, apenas 18 entraram em seu portfólio.
POR QUE NÃO NO BRASIL?
Quando fazia MBA na Kellogg School of Management, em Illinois, Pedro Melzer foi recrutado pela Apple para trabalhar em Cupertino. Ficou na empresa de Steve Jobs por três anos. “O MBA da Kellogg era considerado o melhor. A escola fazia avaliações dos alunos e detectava suas melhores vocações. Quando as empresas iam recrutar, já era feita uma triagem, um direcionamento. Recebi algumas propostas, mas a da Apple foi a que mais me encantou”, lembra. Sua experiência empreendedora precoce e suas características pessoais (“disciplina” e “foco em execução”) também fizeram com que ele fosse a pessoa certa para o cargo.
“Acontece que eu morava em Palo Alto, e lá você fica exposto à indústria do venture capital. Palo Alto é a gema do venture capital – eles aportam muito dinheiro, conhecimento e conexões nas startups, e muito cedo. Eu via aquilo tudo acontecendo e me perguntava: ‘Por que não tem isso no Brasil?’”
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Por três anos, ele estudou as melhores formas de trazer sua versão do Vale do Silício para cá. Deu-se conta de que nossas taxas de juros são um impeditivo para investimentos de alto risco, que não temos tradição no desenvolvimento de tecnologias disruptivas, que o Brasil não tem o nível de liquidez dos EUA e que aqui não se pode pensar que qualquer empresa – mesmo que dê certo – vai ser vendida por bilhões de dólares.
“Então, respeitando essa realidade, mas olhando a dimensão do nosso mercado e considerando que para qualquer setor para o qual você olha você vê ineficiência, cheguei à conclusão de que o melhor a fazer seria encarar a tecnologia de maneira pragmática, como um meio para entregar ganho de eficiência para a cadeia de valor”, conta. “Nada de procurar o novo Google, o novo Twitter, o novo Airbnb. A probabilidade de isso acontecer é muito baixa. Por outro lado, entendendo que a tecnologia tem um grande potencial para sanar ineficiências no Brasil, temos aí um universo de oportunidades a explorar.” Com isso em mente, em 2010 pediu demissão da Apple, despediu-se da “vida espetacular” que levava com a mulher e a filha nos EUA e mudou-se para São Paulo.
Inicialmente, montou um fundo (Warehouse Investimentos) com dois colegas da Kellogg. “Captamos R$ 30 milhões e fizemos seis investimentos. Um deles foi a iFood, que começou com a gente e hoje é um ícone”, lembra. Não demorou muito e o irmão Eduardo, presidente do grupo multimídia RBS (afiliado da Rede Globo e um dos maiores do país), convidou-o para desenvolver uma plataforma de venture capital mais robusta, com a participação da família e de outros investidores de peso. Em 2013 nascia a e.Bricks.
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“Trouxemos a família Szajman para ser nossa sócia por seu histórico de empreendedorismo e de investimentos. O Claudio [Szajman] é uma jovem liderança que já investe em tecnologia em várias partes do mundo: Israel, Estados Unidos, Europa… Além disso, compartilhamos a mesma visão sobre a melhor forma de investir no Brasil”, conta.
A eles se juntaram outras 20 famílias que também são líderes em seus segmentos – saúde, construção civil, mercado financeiro, varejo, tecnologia, infraestrutura, mídia e agronegócio, entre outros. Não havia no Brasil, segundo Pedro, um grupo que representasse os grandes empreendedores da geração passada e que pensasse no próximo ciclo de crescimento econômico do país – que deve passar pelas empresas que hoje estão começando. “Criamos um primeiro fundo de R$ 100 milhões. Com ele fizemos 16 investimentos – e já tivemos duas saídas espetaculares, sendo que a última rendeu uma TIR [taxa interna de retorno] líquida para nossos investidores de 51%.” Ele se refere ao AppProva, plataforma que avalia performances de alunos, vendido ao Grupo Somos, da Tarpon. Os clientes do AppProva são escolas que, com os dados em mãos, podem comparar desempenhos entre classes e entre escolas e, assim, aperfeiçoar seus métodos de ensino.
GANHA-GANHA
A relação entre empreendedor e investidor, salvo alguns inesperados e inevitáveis tropeços, é de ganha-ganha. Um dos aportes iniciais foi direcionado à Infracommerce, startup criada por ex-executivos de grandes empresas e especializada em desenvolver infraestrutura para e-commerces. “Antes eles faturavam menos de R$ 10 milhões. Agora faturam R$ 100 milhões – e este ano vão movimentar R$ 600 milhões.” A e.Bricks está finalizando o fundo 2, de R$ 300 milhões. “Pretendemos fazer investimentos de R$ 1 milhão a R$ 30 milhões em cada empresa e apoiá-las com conhecimento, experiência operacional e conexões no mercado.” Ela fica com uma fatia de 25% a 30% das startups nas quais investe.
Se você quer empreender e precisa de um empurrão, atenção para a dica do investidor: “Escolhemos como prioritários para nossos investimentos os setores financeiro, de saúde, educação e soluções na nuvem”.
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