O executivo e autor Kai-Fu Lee é muito otimista sobre o futuro da inteligência artificial na China. Ele começou seu discurso no evento “AI and the Future of Work”, do MIT, realizado nos dias 1 e 2 de novembro, prevendo que os carros autônomos se tornarão um fenômeno de massa nos Estados Unidos em 15 ou 20 anos. Porém, na China, a transformação será bem antes: uma década.
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Isso pode surpreender muitos norte-americanos, observadores e participantes ativos dos esforços para capitalizar sobre o progresso recente em inteligência artificial. Especialmente quando tais previsões vêm de alguém do calibre de Kai-Fu Lee e sua profunda familiaridade com o estado da inteligência artificial tanto na América do Norte quanto na China. Lee completou seu PhD em IA (reconhecimento de voz) na Carnegie-Mellon University em 1988, trabalhou na Apple, SGI, Microsoft e Google e, em 2009, estabeleceu a Sinovation Ventures em Pequim, uma empresa de capital de risco em estágio inicial.
Lee concluiu seu discurso no evento declarando que “na era da IA, um duopólio de Estados Unidos e China não é apenas inevitável, como já chegou”. Essa foi uma conclusão educada para uma apresentação que apontou várias evidências de que a China está indo além de alcançar os EUA para se tornar o país número um no tema.
Veja, na galeria de fotos, 6 razões apresentadas por Lee para acreditar que a China vai se tornar líder em inteligência artificial:
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iStock Muitos cérebros
Apenas dois pesquisadores chineses receberam o título de Fellows of the Association for the Advancement of Artificial Intelligence (AAAI) entre os 289 eleitos, “mas o número de pesquisadores chineses que trabalham na área está crescendo inacreditavelmente rápido”, disse Lee.
As contribuições de pesquisadores do país para as 100 melhores publicações/conferências cresceu de 23,2% em 2006 para 42,8% em 2015, enquanto a porcentagem de citações foi de 25,5% para 55,8%.
A Face++, uma startup chinesa de reconhecimento facial (e um dos alvos de investimentos da Sinovation), ganhou recentemente o primeiro lugar em três desafios de computação, à frente dos times da Microsoft, Facebook, Google e CMU.
A AAAI adiou sua reunião anual de 2017 em uma semana quando descobriu que a data planejada coincidia com o Ano Novo Chinês. Um número quase igual de documentos inscritos veio de pesquisadores da China e dos Estados Unidos.
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iStock Grande volume de dados
“Não há dado tão bom quanto mais dados”, diz Lee, citando o pioneiro na inteligência artificial Fred Jelinek. A maioria dos algoritmos de IA é de código aberto e muito conhecida, explicou, sendo necessárias apenas algumas pessoas inteligentes para ajustá-los. Empresas como o Facebook e o Google devem seu sucesso a um ciclo virtuoso: mais dados levam a um produto melhor testado com inteligência artificial, que leva a mais usuários e mais dinheiro, permitindo a contratação de mais cientistas e a aquisição de mais máquinas, processando e minerando ainda mais dados.
Como Lee pontuou, a diferença de dados entre os Estados Unidos e a China é “dramaticamente maior” do que a diferença atual entre as respectivas populações e o número de usuários mobile. Chineses usam seu celular para pagar por bens 50 vezes mais frequentemente do que os norte-americanos, diz ele, e pedidos de delivery de comida são 10 vezes maiores do que nos Estados Unidos. Todos esses dados estão disponíveis para a formação de modelos de inteligência artificial.
“A China está liderando o caminho em que o mobile é e deve ser utilizado”, diz Lee. Os Estados Unidos costumavam ter a melhor infraestrutura de pagamentos do mundo – cartões de crédito. Mas a China teve a chance de liderar, diz Lee, com pagamentos mobile: P2P, operações instantâneas. Essa infraestrutura mobile e todos os apps criados em cima disso geram muitos dados para o ciclo virtuoso da inteligência artificial.
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iStock Inovação útil
Durante o evento no MIT, Robert Buderi e George T. Huang, autores do livro “Guanxi: o Plano da Microsoft, China e Bill Gates para Vencer a Estrada de Novo”, de 2006, pediram a Lee para dizer uma frase que os estudantes pudessem colocar em uma placa para a posteridade. “A primeira coisa que me veio em mente foi: ‘O que realmente importa não é inovação, mas inovação útil’”, conta o executivo.
É neste ponto que a China está agora. Os dias de imitação acabaram. Mas copiar ensinou os empreendedores a criar e eles se tornaram bons gerentes de produto, diz Lee. Então, rapidamente foram para o próximo estágio, “em que se inspiraram na inovação norte-americana” e desenvolveram novos recursos para os produtos. Como resultado, “o Weibo é um produto melhor do que o Twitter, e o mesmo ocorre com o Taobao em relação ao eBay e o WeChat em relação ao Facebook Messenger. Ferramentas melhores, modelos de negócio mais robustos.”
Hoje, as empresas chinesas estão criando produtos inovadores que não são vistos nos Estados Unidos, como notícias customizadas ou educação à distância que utilizam “professores norte-americanos mal pagos” para ensinar inglês. “Agora, estamos entrando na era de copiar da China”, diz Lee.
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iStock Experiência competitiva
Escala e abrangência fizeram as empresas dos EUA prosperarem no vasto mercado norte-americano do século 19 e, então, competir globalmente com sucesso no século 20, escreveu o historiador Alfred Chandler.
As companhias japonesas não tinham experiência de escala e abrangência em seu mercado doméstico relativamente pequeno, mas aperfeiçoaram suas habilidades competitivas lutando umas contra as outras em casa antes de saírem para conquistar mercados globais na segunda metade do século 20.
As empresas chinesas experimentam os dois em uma escala muito maior do que nos Estados Unidos e nenhuma trava barrou a concorrência doméstica.
A China oferece um “ambiente favorável para lançamentos e repetições rápidos”, diz Lee. Em comparação aos EUA, há menos foco em privacidade de dados e “menos expectativa de consenso em questões morais”. Há mais foco em execução e dedicação para um objetivo singular para a visão da empresa. E essa visão inclui, frequentemente, ambições globais.
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iStock Apoio do governo (do tipo certo)
A já mencionada Face++ levantou recentemente US$ 460 milhões em uma rodada de investimentos liderada pela estatal chinesa Capital Venture Investment Fund. Investimentos análogos do governo chinês cresceram drasticamente no ano passado, para US$ 353 bilhões, mais do que os US$ 146 bilhões em 2015 e US$ 1,29 bilhão em 2014.
“O governo se torna um LP [sigla em inglês para “parceiro limitado”] em um fundo de capital de risco com mais disposição para receber baixo retorno do que os outros LPs”, diz Lee. “Esse é um incentivo para que os investidores de risco peguem dinheiro do governo, gastando menos tempo no levantamento de fundos e mais tempo na construção de grandes empresas. A prática é inspirada em Israel e Singapura, que têm modelos muito inteligentes”, acrescenta.
Mais importante: os fundos do governo são guiados por políticas claras. O governo chinês é pró-tecnologia, pró-experimentação e pró-velocidade, de acordo com Lee, “o oposto de usar políticas para proibir coisas”. No último mês de julho, o conselho estatal do país anunciou que, até 2020, a China vai se atualizar em termos de tecnologias de inteligência artificial e aplicativos e, até 2030, pretende se tornar “o principal centro de inovação em IA do mundo.”
Lee comparou essa abordagem “muito direta” com o relatório de IA da administração de Obama, de 2016, que era “muito tradicional e razoável sobre recursos de longo prazo, regulações, pensamento sobre ética e coisas do tipo”.
Ao citar o discurso de Xi Jinping em outubro de 2017 no 19º Congresso, que estabeleceu o objetivo de promover “uma integração mais profunda da internet, big data e inteligência artificial com a economia do mundo real”, Lee diz que “ele entende o que nós estamos falando em termos de IA e de combinar o mundo virtual com o real”.
Para aqueles que têm o hábito de desconsiderar declarações de oficiais do governo, Lee pontuou que, em 2010, a China disse que seria o líder mundial em trem de alta velocidade. Seis anos mais tarde, 60% dos veículos deste tipo do mundo foram implantados em território chinês. Em 2015, o premier Li Keqiang anunciou um programa chamado “empreendedorismo de massa e movimento de inovação”, fazendo de todos os cidadãos chineses empreendedores em potencial. Há, atualmente, 8 mil incubadoras/aceleradoras no país (número bem maior do que as 1,7 mil de 2014), disse Lee, e 89 mil startups já se formaram nessas incubadoras.
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iStock Espírito empreendedor
Um espírito aventureiro, que concorda em assumir riscos, experimentar e ser audacioso caracteriza o perfil dos consumidores, de muitas empresas e até das agências governamentais chinesas. Isso ficou evidente na fala de Lee, especialmente quando ele arriscou prever o futuro junto das linhas de suas “quatro ondas” ou estágios na transformação digital da economia.
Na primeira onda, empresas foram bem-sucedidas ao utilizarem, de maneira inteligente, os dados online, e Lee prevê que “empresas de internet chinesas irão ultrapassar as norte-americanas”. Não apenas por causa de sua liderança em mobile e meio de pagamentos, mas também porque elas “são menos restritas por leis antitruste e são tenazes em termos de expansão territorial. Cada uma delas [como Baidu, Alibaba e Tencent] terá seu próprio banco, sua empresa de seguros etc.”.
Na segunda fase, as empresas tiveram sucesso em desenvolver e vender softwares para garimpar dados comerciais. Isso porque as grandes e tradicionais empresas chinesas, diferentemente das norte-americanas, “nunca se preocuparam em armazenar os dados de conteúdos importantes”. A China está em defasagem em relação aos Estados Unidos nesse quesito. “Mas o governo está impulsionando as empresas chinesas a avançar e elas podem ter uma chance de se igualar no futuro”, aposta Lee.
Na terceira onda, digitalizando o mundo real, “a China vai ultrapassar os Estados Unidos” por causa da quantificação de dados, da menor preocupação dos usuários em relação à privacidade e do hardware mais barato. Um produto similar ao Amazon Echo está sendo vendido por US$ 15 na China, diz Lee.
A quarta onda é sobre automação, como no caso de veículos autônomos e robôs. Na estimativa de Lee, os Estados Unidos estão muito à frente em tecnologia, “o equivalente a dois anos”. Mas as empresas chinesas, com o apoio do governo, estão avançando rapidamente. “Então nós veremos quem termina na frente – eu diria que, neste ponto, os dois países estão empatados”.
Mas Lee foi um pouco mais preciso e confiante em relação à superioridade chinesa em outra parte da apresentação, quando discutiu automação de varejo e lojas autônomas. A aquisição da Whole Foods pela Amazon? “Nós pensamos que é uma atividade primitiva”, afirmou. Ainda que tenha reconhecido que a Amazon Go é o exemplo mais tecnologicamente avançado, “lojas autônomas estão surgindo em todo lugar” na China, disse.
Isso é parte de uma tendência maior, Online-Mergers-with-Offline (OMO), a fusão do mundo digital com o mundo físico, que Lee diz que que será capaz de impactar também a educação e muitas outras áreas. Se você visitar a China daqui a cerca de um ano, ele prometeu, metade de suas compras serão feitas em lojas autônomas ou semi-autônomas. “Essa é a velocidade em que as empresas chinesas implementam as coisas”, diz Lee.
Livre, competitivo, ousado. “Esse espírito vai catapultar a China para a posição de uma importante potência em IA”, concluiu Lee.
O futuro está sendo reinventado em outro lugar. A mesma força motivadora que animou o crescimento econômico no Ocidente agora está produzindo sistemas econômicos com ferramentas completamente novas na China e na Índia. No prefácio da tradução chinesa de 2010 do livro “Nationalism: Five Roads to Modernity” (ainda sem versão em português), Liah Greenfeld escreveu: “O nacionalismo finalmente se enraizou na população geral da China e da Índia, tendo se tornado uma motivação coletiva decisiva desses dois povos gigantes. Isso fez com que eles se tornassem competitivos econômica e politicamente”.
Lee se destacou proeminentemente na história que Buderi e Huang contaram sobre estabelecer o laboratório de pesquisa da Microsoft na China. “Ao falar com o Lee”, eles escreveram, “seu senso de dever familiar e respeito por sua mãe e seu pai são inescapáveis.” O pai de Lee, Li Tien-Min, um legislador na administração de Kuomintang quando Mao chegou ao poder em 1949, teve de ir para Taiwan. “Meu pai sempre sentiu que a China não havia percebido seu potencial”, Lee disse a Buderi e Huang.
Hoje, a China está percebendo seu potencial para se tornar um líder em muitos campos, incluindo inteligência artificial.
Muitos cérebros
Apenas dois pesquisadores chineses receberam o título de Fellows of the Association for the Advancement of Artificial Intelligence (AAAI) entre os 289 eleitos, “mas o número de pesquisadores chineses que trabalham na área está crescendo inacreditavelmente rápido”, disse Lee.
As contribuições de pesquisadores do país para as 100 melhores publicações/conferências cresceu de 23,2% em 2006 para 42,8% em 2015, enquanto a porcentagem de citações foi de 25,5% para 55,8%.
A Face++, uma startup chinesa de reconhecimento facial (e um dos alvos de investimentos da Sinovation), ganhou recentemente o primeiro lugar em três desafios de computação, à frente dos times da Microsoft, Facebook, Google e CMU.
A AAAI adiou sua reunião anual de 2017 em uma semana quando descobriu que a data planejada coincidia com o Ano Novo Chinês. Um número quase igual de documentos inscritos veio de pesquisadores da China e dos Estados Unidos.
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