Federico Marchetti ama estar imerso em seu elemento natural: a água. De fato, diz, as suas melhores ideias nascem quando está na piscina, no mar, no lago, embaixo do chuveiro ou dentro da banheira. Contudo, a ideia do e-commerce de luxo Yoox surgiu em uma tarde nublada de outubro de 1999, em Milão, enquanto Marchetti voltava para casa depois de ter passado dez horas no escritório da consultoria Bain, na qual trabalhava. Era um daqueles dias capazes de nos fazer brigar com a vida.
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Marchetti é um cara genial, tenaz, persistente. Um tímido cordial, que, enquanto fala, bebe continuamente chá com gengibre e cúrcuma, iguaria que o deixa em paz com seu estômago e com seu caráter um pouco asiático, como ele mesmo diz. Nasceu em Ravena, na Itália, há 48 anos – mas é, desde sempre, um cidadão do mundo. Agora, é também um protagonista do mundo, sobretudo dos mundos da moda e do e-commerce, que conseguiu fazer com que convivessem quando eram, na verdade, dois pólos distantes.
Não por acaso inventou o Yoox do zero, unindo duas de suas grandes paixões: a moda e a internet. Isso foi há 19 anos, quando quase ninguém sabia o que era o e-commerce. Mas Marchetti já tinha em mente como captar clientes, antecipar o mercado e imaginar as suas tendências utilizando a rede.
Pouco a pouco o empreendedor construiu um império de € 2 milhões em faturamento, mais de 4.500 funcionários e três milhões de clientes espalhados em 180 países que compram nas lojas online multimarcas do grupo, cada uma com suas próprias características, mas sempre baseadas na moda de luxo ou super luxo: Net-a-Porter, Mt Porter, Yoox e The Outnet.
Ele também é um cara teimoso. Desde 2009, Marchetti estabeleceu como objetivo fundir a Yoox e a Net-a-Porter, os dois líderes mundiais do varejo de luxo online que se afirmaram em um mercado de rápido crescimento e de mudanças contínuas. Ele conseguiu na terceira tentativa, em 2015, criando o Ynap, um grupo capaz de reunir todas os tipos de consumidor do setor do luxo.
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A sua história é a de um menino normal, criado na província italiana, que jogava tênis e passava os dias no clube de praia Bagno BB King, em Ravena, com os garotos da sua idade, fazendo todas as coisas que os meninos fazem nesse momento da vida. Porém, também tirava nota máxima em todas as matérias da escola.
Mas Marchetti era, acima de tudo, um visionário e um “imaginador”, como diziam os seus professores. “Eu cresci com um grupo de pessoas que, até hoje, são os meus melhores amigos”, conta ele, sorrindo com os olhos. “Davide é o meu contador, Cristiano abriu diversos restaurantes e Fabio e Gigi administram as empresas de seus pais. Quando volto a Ravena, principalmente no verão, sempre me encontro com eles. O meu pai, Giancarlo, era um grande trabalhador, gerente de um depósito da Fiat em Ravena. A minha mãe, Lidia, era telefonista”, conta.
De fato, a juventude de Marchetti se parece com a de milhões de meninos italianos. Mas, já naquela época, ele sentia algo que os outros não sentiam: o seu projeto, a sua ideia, o seu sonho. E, sobretudo, a vontade firme de realizá-lo. “Desde pequeno eu tinha paixão pelas invenções, por criar coisas novas. Eu era um pequeno Arquimedes, sempre com ideias revolucionárias. Às vezes exagerava, como quando pensava em combater a fome do mundo com o queijo de leite de animais selvagens. Pena que não era possível ordenhar animais selvagens. Ou, então, quando queria produzir meias reforçadas na ponta (pois furam sempre). Eu pensava nisso, até que percebi que, para quem as produz, era melhor se as meias furassem, pois assim poderiam vender mais.”
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Ou seja, Marchetti era, desde pequeno, um empreendedor nato. E como continuou com esse desejo quando já era adulto, estudava tendo esse objetivo em mente. “Dos 19 aos 29 anos eu decidi que queria aprender a ser um empreendedor”, conta. “Porém, eu não tinha dinheiro e precisava encontrar uma ideia revolucionária para atrair capital. Percorri estradas diversas, sempre querendo aprender o máximo possível. Eu tinha um plano e o segui: cursar a Universidade Bocconi, ter experiência no Lehman Brothers, fazer o master na Columbia University e, no fim, ver as coisas acontecerem.”
E continua: “Eu sempre fui apaixonado pela possibilidade de unir os opostos. Gosto de desafios, de resolver coisas difíceis. Gosto dos projetos complexos, porque a minha mente trabalha melhor na gestão da complexidade. Quando eu fiz o plano de negócios da Yoox, em 1999, o digital e a moda eram dois opostos que eu pretendia colocar juntos. O desafio me apaixonava e, mais do que isso, me encorajava.”
O sucesso chegou, mas demorou um pouco. Na verdade, o período em que Marchetti pensou que estava pronto para ser um empreendedor coincidiu com a saída dos Estados Unidos e a volta à (dura) realidade italiana. Esperava comandar algum projeto, mas, em vez disso, encontrou-se na Bain fazendo coisas pelas quais não era nada apaixonado.
“Deixei a minha efervescente vida em Nova York e voltei para a Itália procurando encontrar uma síntese de todas as minhas experiências. Como italiano, me perguntei qual era a vantagem competitiva do meu povo e lembrei da moda, do legado “Made in Italy” no setor, que representava também uma paixão pessoal. E chegou a explosão da Yoox, que fez com eu me considerasse, acima de tudo, um profissional do entretenimento. É verdade que vendemos, mas, de alguma forma, somos como um veículo de mídia porque produzimos também conteúdo. Na verdade, gosto de me definir como alguém que reúne o entretenimento e a atividade do varejo.”
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Assim, voltamos para os opostos. “Eu queria unir a acessibilidade e a exclusividade, dois aspectos que se fundem de modo perfeito naquilo que estamos fazendo. O nosso trabalho é apresentar produtos exclusivos, quentes, por meio de um meio que tende a ser frio – a internet. Para conseguir isso, fundimos o conteúdo e o comércio. Todo o nosso sistema gira em torno da possibilidade de criar um mundo exclusivo mas, ao mesmo tempo, acessível a todos. Essa é a essência que nos tornou diferentes de todos os concorrentes em nível global. Sem considerar que contamos com uma rede de entregas em algumas grandes cidades”, explica.
“Acabamos de lançar em Londres um novo serviço, o ‘you try, we wait’ (‘você prova, nós esperamos’, em tradução livre): um cliente encomenda um produto, nós o entregamos e ficamos esperando se ele vai querer aquilo ou não. Tudo sempre seguindo a lógica de tornar a exclusividade acessível. Assim, o Yoox Net-a-Porter Group é, hoje, um modelo de negócios que vende produtos e conteúdo de altíssima qualidade. A nossa filosofia consiste em um modelo de negócios que proteja a exclusividade das marcas de luxo e a imagem das casas de moda por meio da venda de produtos de altíssima qualidade.”
Há quem diga que a Ynap é a Amazon do luxo. Porém, para Marchetti, isso não é verdade. “A Amazon tem um grande potencial para fazer volume e tem como foco marcas que entendem a moda como vestuário”, analisa. “A Ynap, por sua vez, aposta na altíssima qualidade e se volta, exclusivamente, às marcas do luxo. É a única plataforma de e-commerce do mundo que permite a mais alta difusão e acessibilidade de produtos de classe alta.”
Marchetti não para nunca: Milão, Paris, Londres, Vale do Silício e todos os lugares do mundo onde há muita energia recebem sua visita. Depois, quando pode, volta para a sua casa no Lago de Como para recuperar o fôlego. Ali, Margherita, sua filha de seis anos, já visionária (ou “imaginadora”, como ele quando tinha a sua idade), obteve uma promessa do pai: quando for grande, eles criarão uma startup juntos.