Fanáticos por música que gastam US$ 120 por ano em serviços de streaming, US$ 100 em shows ou US$ 60 em um moletom com a estampa do seu artista preferido são investidores de vaidade. O principal motivo para dar dinheiro para o Spotify, para o Coachella ou diretamente para o Chance the Rapper por meio de sua loja online não é lucrar, mas sim ligar o nome a uma marca, cenário ou estética, independentemente da viabilidade financeira.
Mas e se os gastos em música se tornassem um investimento no sentido tradicional da palavra? Ou seja: colocar dinheiro na carreira dos artistas com a intenção de lucrar com royalties e outras formas de receita. Gravadoras construíram seus negócios nesse modelo, mas e se qualquer fã pudesse fazer o mesmo?
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Historicamente, a indústria da música e a comunidade financeira não fecharam parcerias confortáveis. A criatividade ocorre no seu próprio tempo, o que torna difícil alinhá-la com um sistema que espera retornos consistentes. Ainda assim, um número crescente de empresas financeiras está formando fundos alternativos que apoiam artistas independentes e emergentes como uma nova classe de ativos lucrativos, como a Alignment Artist Capital, da BlackRock, e o Unison Fund, da AGI Partner.
À medida que serviços pagos de streaming continuam a direcionar o valor agregado em receita das músicas gravadas, integrantes da indústria estão investindo em royalties de performance, que são pagos a autores e compositores de canções toda vez que o trabalho é “ouvido” em público, incluindo os serviços de streaming. Empresas como Concord Music Group e Round Hill Music estão adquirindo catálogos por preços milionários sem precedentes. Segundo a Billboard, o catálogo de um autor era vendido, normalmente, por dez vezes o NPS (net publishing share, em inglês, ou participação líquida na publicação), mas esse número aumentou para 12 – ou até 16 vezes – nos últimos anos.
Em resposta, algumas companhias estão tentando lançar IPOs para royalties de músicas. O Hipgnosis Songs Fund, empresa de investimentos que tem como um de seus fundadores Merck Mercuriadis, um veterano no gerenciamento de artistas, está planejando uma listagem de £ 200 milhões na London Stock Exchange em 2018. A dupla de produtores musicais F.B.T. Productions colocou à venda até 25% de sua participação nos royalties do catálogo de 2013 do rapper Eminem. E a plataforma online de royalties Royalty Exchange está ajudando a aumentar os volumes de US$ 11 milhões para US$ 50 milhões para ingressar na NASDAQ, com o nome Royalty Flow. A empresa está alavancando o Regulamento A+ do JOBS Act para uma campanha de equidade onde qualquer investidor, credenciado ou não, pode participar com o mínimo de US$ 2.250 por 150 ações Classe A.
Entretanto, Hipgnosis e Royalty Exchange estão usando argumentos contraditórios sobre o porquê de investir em royalties de música. A Hipgnosis e a London Stock Exchange alegam que as royalties geram retorno atrativo porque são “movidos pelos hábitos do consumidor, que não está relacionado ao mercado de capitais. Em outras palavras, as músicas são investimentos excelentes e, devido ao streaming, o potencial de ganhos passa a ser de décadas em vez de anos.
Em contrapartida, a Royalty Exchange está contando bastante com as tendências do mercado para validar seu negócio. Os investidores da empresa e os anúncios do Facebook citam o recente relatório da Goldman Sachs, que diz que a receita do streaming pago de música crescerá 833% até 2030, uma projeção que representantes da indústria já criticaram como imprecisa e egoísta. “Depois de 15 anos, o streaming está dando vida nova à indústria da música e beneficiando diretamente os donos de royalties”, dizem algumas das propagandas da empresa nas redes sociais.
A posição da Royalty Exchange é parcialmente válida. À medida que o próprio Spotify pretende se tornar público neste trimestre e dispositivos inteligentes como Amazon Echo se tornam mais influentes na descoberta de música, a indústria vai se agarrar mais fortemente na performance das ações de empresas de tecnologia. Além disso, duas das três principais gravadoras são subsidiárias de empresas de capital aberto: Universal Music Group (Vivendi), Sony Music Entertainment (Sony Corporation) e Warner Music Group (Access Industries).
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Mas também há uma falsa equivalência nesse argumento: comprar ações do Spotify não é o mesmo que comprar ações de músicas que estão disponíveis na plataforma. Enquanto o streaming é a forma atual dominante de consumo, a música ainda é, no fim das contas, um negócio de direitos autorais que prospera na procura ativa de oportunidades de licenciamento – e não na observação passiva dos mercados de capitais.
Tanto a Hipgnosis quanto a Royalty Exchange são transparentes sobre os riscos de investir na propriedade intelectual da música. O prospecto da Hipgnosis alega que é difícil colocar um preço em canções porque “o método de avaliação é intrinsecamente retrógrado em uma indústria que está passando por rápidas mudanças que irão afetar o futuro das receitas”. Apesar de todo o barulho, a Royalty Exchange avisa no site sobre os riscos de investir no IPO da Royalty Free: “É adequado somente para pessoas que podem arcar com a perda de todo o investimento”.
Tudo isso envia sinais contraditórios que devem deixar qualquer investidor atento.
A tecnologia democratizou as oportunidades de investimento em música…
Além da indústria musical, empreendedores de setores variados – de esportes a alimentos e bebidas, passando por metais preciosos – tentaram lançar seus próprios mercados de royalties e IPOs, todos apregoando os mesmos benefícios, como maior diversificação para investidores e a oportunidade de os fãs se envolverem com marcas e seus artistas famosos favoritos. Contudo, a maioria desses projetos falharam em cumprir o que prometeram. Na verdade, um dos trabalhos mais bem financiados, a bolsa de atletas Fantex, que arrecadou mais de US$ 70 milhões em investimentos, fechou em abril de 2017 devido ao baixo volume de negócios.
Isso não impediu, no entanto, que empreendedores similares abordassem a indústria da música em massa, sendo que a maioria deles está, curiosamente, tentando converter o investimento na vaidade musical em criptomoeda. Como a Vertz, que lançou uma “oferta de canção inicial” (ISO, da sigla em inglês) para royalties de “Jodeci Freestyle”, do rapper Drake, na blockchain Ethereum, a Choon, que busca a “tokenização” de toda a experiência de transmissão e descoberta de música, e startups como Ujo Music, Fanmob e SingularDTV, que estão trabalhando pela “tokenização” dos próprios artistas.
A Royalty Exchange não integrou nenhuma moeda virtual à sua plataforma, focando em uma simplificação geral do processo de venda de royalties para investidores e artistas.
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Se essas companhias alegam que os royalties são tão valiosos, por que seus donos deveriam vendê-los? A verdade é que muitos artistas, especialmente os independentes e os das comunidades do “faça você mesmo”, estão constantemente precisando de dinheiro para comprar equipamentos ou softwares, financiar turnês, produzir clipes ou se envolver com qualquer outro projeto que possa ajudar na carreira. A Royalty Exchange tem como objetivo ajudar essas pessoas a usar trabalhos antigos para financiar os novos por meio de um arranjo mais flexível do que um contrato tradicional de publicação ou gravação.
… mas na era do streaming, nem todas elas são criadas igualmente
Mas essa incrível oportunidade para músicos de receberem futuros royalties beneficia o investidor? Mercuriadis acredita que sim, argumentando que o ponto de inflexão financeiro atual da indústria da música não será repetido e que aqueles que investirem em royalties hoje verão retornos sem precedentes adiante. “Os ativos sempre serão grandes investimentos e uma fonte de renda confiável e previsível.”
Ainda assim, nem todos os catálogos têm o mesmo desempenho nessa época de streaming e, ironicamente, a melhor prova desse argumento está nos dados disponíveis na Royalty Exchange. Todas as listagens de leilões na plataforma vêm com relatórios de ganhos históricos e granulares, revelando quais tipos de música geram retornos mais confiáveis.
Existem muitos outros leilões feitos na Royalty Exchange que pareciam um acordo muito melhor para o artista do que para o investidor. Os compositores Floyd E. Bentley III e Christopher Dotson, por exemplo, receberam recentemente US$ 30 mil e US$ 40 mil, respectivamente, em troca de suas partes nos royalties da música “Party”, de Chris Brown, apesar de a canção ter sido lançada em dezembro de 2016 e de ter dado à dupla rendimentos de apenas US$ 544.
Contudo, a empresa e os investidores estão adotando uma abordagem diferente para maximizar o potencial de seus catálogos em leilões. Segundo uma declaração para a SEC (entidade que corresponde à CVM no Brasil), a empresa baseia-se no pressuposto de que “adquirir direitos de royalties passivos e não operacionais em bens de propriedade intelectual podem produzir retornos melhores do que se envolver nas atividades de uma gravadora ou editora de música”.
Afinal, qual o valor real da música?
O IPO dos royalties de Eminem parece promissor. O total arrecadado com o catálogo do rapper cresceu 43% de 2015 a 2016, graças ao aumento de 76% nos royalties vindos de streams no período. Além disso, a renda é relativamente diversificada – as 20 canções com maior lucro representam apenas 27% do ganho total do catálogo do artista.
Em um nível conceitual, a forma como o IPO da Royalty Flow trabalha influencia muito como valorizamos a crescente indústria da música. Eminem, em particular, não foi envolvido na configuração do negócio. Dennis Dennehy, da Interscope, contou à NPR que o rapper não foi consultado em nenhum acordo de venda de seus royalties e não está ligado à Royalty Exchange.
À medida que Hipgnosis, Royalty Flow e Spotify planejam suas listagens públicas para 2018, as partes da indústria musical devem se perguntar o que realmente significa para o setor crescer financeiramente e até que ponto elas estão confortáveis ao tirar os criadores desse processo. Estaríamos cada vez mais atribuindo e vinculando o valor da música à sua plataforma de distribuição em vez do conteúdo propriamente dito?
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