O mineiro Tallis Gomes lida com empreendedorismo desde os 14 anos, quando revendia celulares com câmera usados comprados no Mercado Livre. Mas tornou-se reconhecido uma década depois: aos 26 anos foi escolhido um dos UNDER 30 na primeira edição da lista de FORBES Brasil graças à disrupção proporcionada pelo aplicativo Easy Taxi, desenvolvido por ele para facilitar a solicitação de táxis nas grandes cidades. A ideia também agradou aos motoristas, já que aumentou a clientela.
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A empresa não pertence mais a Tallis – foi vendida em dezembro de 2015, por um valor não revelado. Mas, quem imaginava que aquele seria o momento certo para um período sabático, enganou-se. Um mês mais tarde, Tallis anunciou ao mercado a plataforma de beleza Singu, um marketplace que possibilita, aos profissionais de baixa renda do setor, triplicar o faturamento. Para os consumidores, a vantagem é que serviços de massagem, depilação, manicure e pedicure podem ser feitos em qualquer lugar: em suas residências, no local de trabalho, na casa de amigas etc. E por preços mais baixos dos que os praticados pelos principais players do mercado.
Graças à Singu, Tallis recebeu um prêmio semelhante ao UNDER 30, mas foi nos EUA, concedido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), que em anos anteriores também premiou um tal de Mark Zuckerberg. Recentemente, a plataforma levantou um investimento de R$ 10 milhões de um grupo de investidores, entre os quais estão duas famílias que são líderes no mercado latino-americano de beleza.
A entrevista com Tallis seria para falar sobre o UNDER 30, mas o empreendedor acabou abordando também as dificuldades de se empreender no Brasil e seu livro, que ensina a criar um negócio do zero em solo brasileiro. Veja, a seguir, os principais trechos da conversa:
FORBES BRASIL: Qual foi a sensação de ser UNDER 30?
Tallis Gomes: Na época, em 2014, eu confesso que não entendi a relevância de ser um UNDER 30, um reconhecimento muito valorizado no exterior, mas que por aqui seria a primeira edição. Achei legal estar em uma “lista FORBES”, mas sem entender a importância disso. Quando fui a uma palestra nas Universidades de Columbia e de Duke [ambas nos EUA], em 2015, coloquei o UNDER 30 na minha biografia e as pessoas vinham comentar: “Nossa, você é um UNDER 30 de FORBES”. A partir daí comecei a entender o que é o UNDER 30.
Mas foi uma sensação positiva na época?
Senti-me, obviamente, lisonjeado, pois tinha 25 anos. Mas entendi a sua importância um ano depois.
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O que mudou depois da lista?
Ser UNDER 30 é um selo que uso para me identificar nas conferências das quais participo, pois o mundo inteiro reconhece. Tive sorte de ganhar vários prêmios durante a minha carreira, mas eu coloco apenas alguns no perfil do meu Instagram: Comendador, que é pouco conhecido fora do Brasil; FORBES UNDER 30; MIT Global Innovators e o Young Leader of the Year. Esses reconhecimentos foram legais, e o UNDER 30 está nesse mesmo nível global da premiação do MIT e do Young Leader of the Year.
Esse prêmio do MIT já foi concedido a Mark Zuckerberg e aos fundadores do Google. Qual foi a sua reação ao recebê-los?
Foi um negócio surreal para a minha carreira, muito transformador. A reação das pessoas quando falei do prêmio do MIT foi muito parecida a de quando falei que era um UNDER 30. Além de massagear o ego – é claro! – esses prêmios ajudam muito quando você quer sentar com um decision-maker do mercado ou fechar algum tipo de parceria. Mas o que mais valorizo é a capacidade de atrair talentos que esses reconhecimentos proporcionam. O UNDER 30 é um grande selo para mim, eu o uso muito no dia a dia.
Significa um reconhecimento da sua capacidade de liderança, que para uma startup é fundamental?
Exatamente. No caso do MIT, quem faz a seleção é a “MIT Technology Review”, a revista da instituição. A equipe analisa a capacidade de transformação da tecnologia que sua empresa está desenvolvendo. E o MIT foi a primeira grande premiação depois da minha fase na Easy Taxi, que não é citado no texto de premiação. Você encontrará: Tallis Gomes, fundador da Singu, e uma descrição do poder transformacional do nosso algoritmo. Aborda como a plataforma triplica a renda de mulheres que vivem em favelas e têm uma renda muito baixa. Com a Singu, hoje, essas profissionais conseguem se inserir na classe média alta. Tem manicure que ganha R$ 6 mil por mês. É abissal a diferença de renda para elas.
Quando a Singu foi fundada e como você teve a ideia?
A Singu foi fundada logo depois da venda da Easy Taxi, em dezembro de 2015. A gente colocou no mercado, de fato, em janeiro de 2016. Cresceu de uma maneira que eu não esperava, por alguns motivos. O Brasil é o segundo maior consumidor de beleza do mundo: são movimentados, aproximadamente, R$ 100 bilhões por ano, dos quais 46% são gerados pelos serviços. O meu mercado, portanto, é de R$ 46 bilhões – três vezes maior do que o mercado de transporte – e ninguém havia olhado para ele antes. A única inovação nesse segmento nos últimos 50 anos foi servir champanhe para madame no salão. Ninguém tinha repensado esse modelo de negócio.
Eu já conhecia essa rotina porque minha mãe é cabeleireira. E achava muito injusto para a profissional, que recebe apenas 30% do valor do serviço enquanto os 70% restantes ficam com o salão por causa do investimento em infraestrutura, luz, aluguel. Resumindo, o negócio de salão de beleza é imóvel e a gestão de fluxo de caixa. Uma coisa é você ser o Wanderley Nunes [do Studio W] no shopping Iguatemi. Outra coisa é ser uma profissional no Capão Redondo [extrema zona sul de São Paulo]. Se a profissional sai da região central, perde a clientela, mesmo se for muito boa. Só para se ter uma ideia, nosso índice médio de qualidade é 4.7 pontos de um total de 5, ou seja, são profissionais excelentes que não têm condições de entrar em um salão de beleza. E se tem condições, está na fila.
O salão tem um espaço limitado. Com a Singu, o espaço é infinito, pois transforma a casa, o hotel, o hospital – qualquer lugar – em um salão de beleza. A profissional vai até o local onde está o consumidor. Além disso, essa dinâmica valoriza o talento de pessoas realmente comprometidas com o trabalho. Por exemplo: o processo de recrutamento da Singu é meticuloso, o índice de reprovação é de 80%. Verificamos a ficha criminal e realizamos treinamento para que elas entrem no negócio. O modelo escala ao infinito a capacidade de atendimento. A profissional triplica sua renda já no primeiro mês de trabalho, o que muda completamente a sua vida – além de serem donas da sua agenda e de trabalharem melhor. Se precisar ficar um dia com a filha ou está com algum problema de saúde, não tem que prestar contas a ninguém, simplesmente não trabalha.
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A Singu, na verdade, é uma plataforma de marketplace no setor de beleza?
Exatamente, é uma plataforma meritocrática de ascensão social. Tem a ver com esse poder de transformação que falei do MIT. A plataforma utiliza um algoritmo e inverte o modelo de negócio: 30% do preço fica com o Singu e os 70% restantes com as profissionais. Isso porque não há custos fixos, só o uso da tecnologia. O Singu tem um algoritmo que controla de forma muito eficiente a agenda dessas mulheres, com a ajuda de um robô. A consequência é que elas conseguem atender mais – em média, cinco vezes por dia. E se a profissional não está indo bem no atendimento, a plataforma a convoca para uma reciclagem com os melhores profissionais do mercado brasileiro, dando uma oportunidade de desenvolvimento. Por isso eu digo que é um mecanismo de ascensão social por meio da meritocracia. A Singu funciona todos os dias, das 7h às 22h, e atende dezenas de milhares de pessoas mensalmente. E cresce cerca de 30% ao mês.
Qual é a vantagem da consumidora?
Primeiro: nosso preço é imbatível. Nem salão de bairro consegue batê-lo – talvez, apenas, os salões de comunidades. A plataforma oferece, por exemplo, um pacote com quatro serviços – dois de pedicure e dois de manicure – por R$ 99,90 com padrão de salão de luxo. Também oferecemos massagem e depilação. São serviços de alta recorrência, que são fáceis de atender e são padronizados. Além disso, as mulheres estão mais dispostas a experimentar.
Como a consumidora marca um horário com a profissional?
Existe a modalidade que atende a consumidora em um prazo de até duas horas, com preço variável – que fica próximo ao preço de um salão -, mas com o diferencial de poder atender também onde a consumidora está. Nesse caso, utiliza-se um mecanismo de pricing parecido com o das companhias aéreas. Quanto maior é a sua flexibilidade e disponibilidade, mais barato tende a ficar. É uma mudança de paradigma no consumo do serviço: a cliente deixa de ir até o local de prestação do serviço e fica na fila até ser atendida.
Em quais locais o aplicativo funciona?
Está presente nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, que basicamente correspondem a 25% do mercado brasileiro de beleza.
Você teve outras iniciativas depois de vender a Easy Taxi?
Tive algumas, mas a Singu é a minha atividade principal, a minha “next billion dollar company”. É um marketplace de beleza que tem uma margem grande, diferentemente do modelo de negócio tradicional desse mercado. E acabamos de levantar um funding de R$ 10 milhões, com um grupo de investidores financeiros e com duas famílias que dominam o mercado de beleza sul-americano. Mas não posso revelar os nomes.
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Deixe o seu recado aos jovens que estão começando a empreender. O que se deve fazer para ser um UNDER 30?
Eles não devem focar no UNDER 30 porque isso significa que, provavelmente, elas não estão trabalhando. Coloquem a mão na massa, pois o reconhecimento chega quando vocês estiverem fazendo algo muito grande, que salta aos olhos do mercado. A maior dica que posso dar é foco na execução e não na busca de prêmios. Eles virão naturalmente.
Quais dicas você dá para ter foco no trabalho?
A principal dica é ler “Nada Easy”, um livro best-seller no setor de negócios. Foi publicado em agosto e está na terceira edição. Escrevi este guide book para o empreendedor e o executivo, explicando como levei, em pouco tempo, a Easy Taxi para 35 países. O livro relata as ferramentas que eu usei para a contratação de pessoas, como foi o processo de expansão, o cuidado na parte jurídica, como foi a venda. A capacidade de organização foi a principal diferença na minha vida, pois me ajudou a visualizar melhor o que entregar. Tendo essa capacidade de organização, evita-se a auto-sabotagem, a procrastinação. E para quem está empreendendo, a vida da empresa é muito frágil. A startup está sempre na UTI, o empreendedor briga contra a morte o tempo inteiro. Para sair dela, é preciso ter muito foco na execução.
E como conciliar essa parte que você falou de “startup estar perto da UTI” com os conselhos de que “a startup pode errar”, que é um mantra disseminado no mundo empreendedor?
O empreendedor deveria errar. Mas há pouco conteúdo em português falando sobre empreendedorismo, por isso resolvi escrever o livro, que fala sobre empreender a partir da realidade brasileira. Poder errar é verdade nos EUA, onde a taxa de juros é de 1% ao ano, inflação perto de zero, custo de capital baixíssimo e muito fomento à inovação. Lá, os investidores precisam diversificar a sua carteira, caso contrário perdem dinheiro com inflação, por causa do baixo custo de capital. Contudo, o Brasil é o país da renda – o investidor opta por colocar o dinheiro em CDI e ter 14-15% ao ano de valorização, com um ganho real de 5% a 7% ao ano descontando a inflação. Ou seja, o investidor pensa 50 vezes antes de colocar dinheiro em uma startup no Brasil, pois há muito risco. Por aqui, não é preciso correr esse risco, estamos no paraíso dos juros. Isso dificulta, em muito, o investimento em inovação.
Por isso, eu não acho que é verdade que se pode administrar uma startups com a mentalidade de que se pode errar e ver o que acontece. Diria tranquilamente que 95% das startups não conseguem levantar investimento. Quando se consegue, é preciso valorizar muito esse capital, pois sua próxima rodada só vai acontecer se você conseguir demonstrar um resultado esplêndido. Você não tem tempo para errar!
Como empreender com um mínimo de erros?
Há um processo de teste meticuloso que eu ensino no “Nada Easy”, que é formular um conjunto de hipóteses, testá-las e validá-las, quantificando os resultados. Esse é um conjunto de técnicas que aprendemos com a ciência e se replica para os negócios. Ele possibilita que o erro se torne um processo metódico, de forma que o empreendedor erre e conserte muito rápido – em uma semana. Fiz uma building, coloquei no mercado, vou metrificar se meu número de downloads aumentou ou não. Ligo para um grupo de pessoas para entender como posso melhorar e, com base nesses feedbacks, planejo o que se deve fazer na próxima atualização do produto. Isso é que se fala sobre errar e é o que pode ser aplicado no Brasil. Nos EUA o empreendedor tenta por um ano o modelo de negócio, vê que não deu certo e, só então, parte para um próximo round de investimento. Aqui não se levanta: se o dinheiro acabou e você não obteve resultados expressivos, você está fora.
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