Noel Lee é um homem que sabe fazer uma entrada impactante. Acompanhado por uma comitiva de meia dúzia de pessoas, ele entra no salão de jantar do Marriott Marquis, na Times Square, montado em um Segway (diciclo) dourado com chamas, e, em seguida, acomoda-se em uma banqueta, no centro da sala, sob uma imponente cachoeira.
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Lee ostenta um blazer marinho e uma camiseta preta com o logotipo da Monster Cable, empresa fundada por ele em 1979, depois de trabalhar como baterista profissional e engenheiro de projetos de fusão a laser para um grupo de pesquisa em armas nucleares. De acordo com ele, essa última função o expôs a altos níveis de radiação. Como consequência, Lee desenvolveu um distúrbio nervoso que o impede de andar, por isso o Segway – que ele prefere em vez de uma cadeira de rodas.
A maior conquista de sua carreira veio quando, frustrado pelo fato de a maioria dos sistemas estéreos ser conectada com os mesmos fios condutores usados em lâmpadas domésticas, ele projetou um cabo de alta performance que permitia um som mais forte e limpo. São esses os cabos vendidos pela Monster junto aos alto-falantes e fones de ouvido que são sucesso no mundo todo.
A empresa não divulga seus resultados, mas Lee espera que a receita anual da Monster Cable chegue a US$ 1 bilhão nos próximos cinco anos. Recentemente, juntou-se a Cristiano Ronaldo para criar uma coleção de produtos. Entre eles está uma versão do fone Monster DNA desenvolvida em parceria com o produtor musical, DJ e rapper norte-americano Swizz Beatz, alto-falantes e fones ROC (que não têm relação com a Roc Nation, de Jay-Z) e os famosos Beats by Dr. Dre. A experiência tem proporcionado a Lee apredizados que ele nunca teria adquirido no curso de engenharia.
“O que é popular no hip hop é popular para cada garoto branco do subúrbio, para cada coreano que faça rap, e assim por diante, em todos os cantos do mundo”, diz ele. “E isso afeta o modo como você fala. A expressão ‘filho da mãe’, por exemplo, pode ser usada para algo muito bom ou muito ruim. Foi o que eu aprendi.”
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E isso é apenas o começo.
“Caras como Dre [rapper e produtor musical norte-americano, cofundador da empresa de fones de ouvido Beats, vendida à Apple em 2014 por US$ 3 bilhões] e Jay-Z foram além de seu tempo. Diddy também, mas não no sentido musical”, diz ele. “Veja Dre, por exemplo. Como alguém que não lança música se torna o terceiro artista de hip hop mais rico?”, pergunta. E adivinha? Noel Lee tem muito a ver com isso.
Dr. Dre e Jimmy Iovine – produtor musical, empresário e presidente da gravadora Interscope Records – vêem as coisas um pouco diferente de Lee, como pude perceber na tarde em que os conheci, em 2011. Na ocasião, um pequeno grupo de repórteres se reuniu em um sótão no centro de Manhattan para cobrir o lançamento da Beats. Iovine, ao lado de Dre, explicou o surgimento da marca: eles estavam andando ao longo do Oceano Pacífico em um dia em 2006, quando Dre disse que gostaria de lançar uma linha de tênis – ele chegou até a receber oferta de uma empresa grande do setor.
“Que se danem os tênis”, disse Iovine. “Vamos vender alto-falantes!”
Parece história de Hollywood, mas, como em toda história, há sempre mais – neste caso, o profundo envolvimento de Noel Lee. O filho, Kevin, que inicialmente apresentou o mundo do hip hop ao pai (e, mais tarde, fundou sua própria linha de fones de ouvido, batizada de Sol Republic), foi quem sugeriu para Lee os futuros parceiros da Beats. “Pai, a gente tem que se juntar com o Jimmy e o Dre”, disse Kevin. Lee respondeu à ideia com outras perguntas: “Quem é Jimmy? Ele faz o quê? E Dre já não tem coisas o suficiente?”. Mas Kevin o convenceu e ajudou a marcar uma reunião. De acordo com Lee, Iovine estava realmente convencido de que os alto-falantes eram o caminho certo a seguir.
“Jimmy”, disse Lee. “Ninguém mais compra alto-falantes.”
“O que você quer dizer com ‘ninguém compra alto-falantes’?”, perguntou Iovine.
“Alto-falantes são grandes, não dá para transportar. Tudo hoje é portátil”, respondeu Lee. “Os jovens não usam alto-falantes. Você tem que fazer fones de ouvido.”
Iovine rapidamente comprou a ideia e Dre virou a cara do produto (contatados de diversas formas, Iovine e Dre não quiseram dar entrevistas para o livro). Lee concordou em desenhar, projetar, fabricar e distribuir os fones de ouvido, pagando royalties para Iovine, Dre e para a Interscope, que forneceriam todo o marketing e seriam os donos da marca. Iovine e Dre detinham a maior parte das ações, com a Interscope – por meio da Universal – concentrando outra grande fatia. Lee acabou negociando uma participação de 5% na nova companhia, batizada de Beats. Participações menores foram para Will.i.am, da banda The Black Eyed Peas, e para astro da NBA LeBron James – ambos teriam um papel fundamental no desenvolvimento da Beats.
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Obviamente, o artista que mais contribuiu foi quem deu nome ao projeto. De acordo com Lee e outras pessoas próximas à companhia, foi de Dre a ideia para o nome “Beats by Dr. Dre”. Ele também definiu o princípio da marca: um produto puro, resultado de sua paixão pelo “aperfeiçoamento da batida”, como ele mesmo diz em uma de suas letras. “A Apple estava vendendo iPods de US$ 400 com fones de US$ 1”, lembrou Iovine mais tarde. “Dre disse: ‘Cara, uma coisa é as pessoas roubarem minha música. Outra é destruir o sentimento que eu coloquei no meu trabalho’.”
Lee desenvolveu quase 100 protótipos antes de mandar cerca de uma dúzia para Dre e Iovine avaliarem. Dre usou a música “In da Club”, do 50 Cent, para testar diferentes repetições, e acabou optando por uma versão heavy-bass, que fez do Beats o primeiro fone de ouvido verdadeiramente projetado para o hip hop. Ele e Iovine imaginaram o “Beats curve”, um perfil sonoro que se estenderia por todos os produtos feitos por eles.
“Foi a primeira vez que alguém ouviu esse grave – a Sennheiser não fazia isso, a Bose não fazia isso, a Sony não fazia isso”, diz Lee. “Eles ainda estavam voltados para material de estúdio ou orquestral, nada voltado para o hip hop. Os jovens, quando ouvem música, querem ouvi-la como se estivessem na balada.”
Dre testou também outros gêneros nos fones de ouvido, escutando de tudo, de Sade a Kraftwerk, para ter certeza de que tanto o soul quanto o eletrônico soavam bem. Lee temia que o grave estivesse muito alto (muitos puristas, mais tarde, concordariam com essa avaliação) e pediu o conselho de Will.i.am. “”Não toque nisso. Essa é a mágica do fone”, respondeu o colega.
Fazer com que os varejistas aderissem ao produto não foi tão fácil. O produto foi lançado em meio à recessão, ou seja, aquele não era exatamente o melhor momento para vender fones de US$ 300. Para os revendedores, um astro do rap que não tinha lançado um álbum solo em uma década não seria suficiente para fazer as coisas acontecerem. Lee tentou, então, convencer Brian Dunn, na época chefe executivo da Best Buy, de que o Beats não seria apenas o produto da vez, mas sim a próxima grande categoria.
Dunn era um aliado improvável. Ele começou na Best Buy em 1985, vendendo televisores em Minnesota para ganhar algum dinheiro nas férias. Mas, quando a tecnologia de videocassete chegou, ele se viu no meio de uma revolução no consumo de eletrônicos e permaneceu no varejo. Foi sendo promovido – passou a administrar uma loja, uma região, a dirigir as operações e, em 2009, assumiu como diretor executivo da rede.
A essa altura, Dunn já tinha ouvido falar de Lee e Iovine e mostrou-se ansioso quando foi procurado para falar sobre o Beats. Dunn se lembra de ir ao escritório da Lee’s Bay Area, repleto de cortinas e sofás que remetiam a uma casbah marroquina, com um protótipo do Beats nas orelhas. Foi necessário apenas um encontro para fisgar Dunn. Pouco depois, Lee o levou a uma reunião com Dre e Iovine. Dunn se empolgou nos cumprimentos, mas foi quando Iovine articulou sua visão de marketing e Dre discorreu sobre sua obsessão por música e moda, que o diretor executivo da Best Buy percebeu que tinha tropeçado em algo diferente.
“Dre falou sobre o que significaria, como a indústria atuaria por trás do produto”, lembra Dunn. “Falamos sobre as pessoas pagarem muito dinheiro por tênis Nike, e de como isso significa que elas também pagariam muito para ter ótimos fones de ouvido, com som de qualidade.”
Dessa forma a Best Buy tornou-se o primeiro grande varejista a estocar Beats. Mas, antes de as vendas decolarem, as lojas precisaram aprender exatamente o que estavam oferecendo. Lee e sua equipe entraram no circuito para explicar a necessidade de conhecer a concorrência para ganhar seus clientes – e, como Dre tinha dito a Dunn, o produto não se tratava de um Bose ou de um Sennheiser.
“Eu compro o Beats ou o [tênis] Air Jordans?”, diz Dunn. “Esta é a linha de raciocínio.”
Faz sentido que, dos três maiores astros do hip hop, tenha sido Dre a lançar uma linha de fones de ouvido capaz de realmente conquistar o público. Diddy era o empresário estrela, enquanto Jay-Z o cara das letras inteligentes. Por outro lado, Dre criou um nicho para si mesmo, como o perfeccionista silencioso, tão obcecado com a qualidade do som que havia lançado, até aquele momento, apenas dois álbuns solo de estúdio em uma carreira de 25 anos.
O selo Dre de aprovação impulsionou a decolagem dos Beats, apesar das contínuas críticas mornas dos audiófilos – que não era o público-alvo do produto – sobre o preço alto e o grave, às vezes, avassalador. O Beats tinha como objetivo conquistar jovens fãs de música que nunca tinham comprado fones de ouvido sofisticados antes, apresentando o produto de forma atraente.
Em 2008, o Beats enfeitou os ouvidos de LeBron James e seus colegas de equipe nos Jogos Olímpicos de Pequim. Também começou a aparecer em todos os clipes da Interscope, incluindo os de Lady Gaga, Justin Bieber, Britney Spears, Will.i.am, Miley Cyrus e Nicki Minaj. Alguns músicos têm suas próprias linhas, como o JustBeats, de Bieber, e o HeartBeats, assinado por Lady Gaga. De acordo com Noel Lee, essas iniciativas permitiam que o produto fosse colocado nos vídeos sem custo adicional. “Você faz um vídeo com a Interscope, você usa os fones”, diz ele. “Os artistas perguntavam: ‘O que é isso’?” E respondiam: “Não pergunte, apenas use-o no vídeo.”
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A amplitude do segmento de fones logo refletiu o sucesso do estreante. De 2008 a 2009, as vendas do setor aumentaram de 59 milhões de unidades – com receita de US$ 490 milhões – para 68,7 milhões e US$ 648 milhões, um salto financeiro de 32%. O preço unitário médio também aumentou em 14%, passando de US$ 8,30 para US$ 9,43. Isso pode não parecer muito, mas foi uma grande façanha, especialmente pelo momento de economia retraída. Impulsionada pela aparição gratuita dos produtos, a Beats abocanhou quase um terço do mercado, chegando à receita de US$ 180 milhões em 2009.
Dre ficou obcecado em manter o Beats como uma tendência, pesando tudo, desde comerciais até estilos de fonte, confiando em seu instinto e vetando qualquer coisa que parecesse “brega”. Suas rejeições chegavam em rajadas curtas e simples: “Eu não estou sentindo isso.” Iovine reconhecia Dre como um “barômetro cultural” da empresa. “Uma vez que você tenta conceituar o que é cool, você corre o risco de ir direto para o inferno da breguice”, disse Iovine. “A premissa é não falar sobre isso.”
Assim como a Nike era tanto uma questão de moda quanto uma necessidade esportiva, a Beats – com sua linha carro-chefe de estúdios, disponível em variadas cores – logo se tornou tanto um acessório quanto um dispositivo de áudio. “Nós mudamos a maneira como os fones de ouvido fazem parte do estilo”, diz Lee. “Eles foram inseridos de tal forma que virou tendência usá-los até no pescoço, mesmo sem estarem conectados.” Dunn completa: “Não se trata apenas do som… É sobre moda.”
Em agosto de 2011, com o faturamento anual da Beats disparando para US$ 500 milhões, a empresa conseguiu um grande negócio: a fabricante de celulares HTC pagou US$ 300 milhões por uma participação de 51%. Com mais dinheiro em caixa, surgiram novos produtos – como o Beats Executive, mais suave, e o Beats Pill, uma versão moderna do boombox – e iniciativas de propagação da marca. Havia telefones celulares da HTC com Beats Audio, laptops HP da linha Beats e até mesmo um acordo com a Chrysler para colocar os alto-falantes da Beats em uma nova edição do esportivo sedã Charger.
“O que Dre fez foi inteligente”, diz Michael “MC Serch” Berrin, que mora em Detroit e trabalha na indústria automotiva. “Ele é visto como um cara de áudio. Colocar o Beats Audio em computadores, expandindo a marca, faz todo sentido. Colocar então o Beats Audio no Dodge Charger é sensacional.”
Em meados de 2012 – ano em que a Beats registraria US$ 57 milhões em lucro e US$ 860 milhões em receita -, Dre e seus parceiros haviam crescido o suficiente para comprar de volta metade da participação da HTC. Eles também decidiram eliminar a Monster como fabricante e distribuidora do produto, assumindo as rédeas da marca. Lee ficou chocado. “Eles não sabiam nada sobre fabricação. Nada sobre engenharia… Dre não é engenheiro.”
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A Beats avançou no mercado com agressividade, comprando a MOG, serviço de streaming, por US$ 14 milhões naquele mesmo ano, e levantando outros US$ 60 milhões para transformar a plataforma no que viria a ser a Beats Music em 2013. O montante veio de vários investidores, incluindo o bilionário Len Blavatnik, proprietário do Warner Music Group. Quando a Beats Music foi lançada, para os especialistas o streaming já havia ultrapassado os MP3s como meio musical dominante. Com Blavatnik a bordo e a Universal dona de uma participação considerável na Beats, o novo serviço teve adesão de duas das três principais gravadoras – colocando Dre e Iovine na posição de apostar em um serviço de acesso a menus musicais do tipo “consuma o quanto puder por um preço único”.
Lee não acreditava que a Beats seria capaz de conseguir algo sem a Monster e um novo serviço de streaming não foi suficiente para fazê-lo mudar de ideia. Naquele ponto, a participação de Lee havia sido reduzida a 3% e ele decidiu, então, vendê-la a seus parceiros por cerca de US$ 20 milhões, sob o argumento de que eles não tinham estratégia de saída.
Alguns especialistas dizem que o filho de Lee, Kevin, foi o responsável pela saída da Monster. Ele nega: “Kevin não teve envolvimento na decisão de vender minhas ações.” Independentemente de quem foi a escolha, o movimento acabaria custando para Lee cerca de US$ 70 milhões em lucros.
Enquanto Dre se preparava para o lançamento da plataforma de streaming, sua linha de fones de ouvido já engolia dois terços do nicho de mercado acima dos US$ 100, superando marcas como Bose e Sennheiser.
“Ele não apenas canibalizou as vendas e eliminou outros produtos do mercado, como fez toda a categoria crescer”, diz Dunn, que viu os efeitos da Beats na Best Buy em primeira mão. “De repente, os fones eram muito mais do que apenas aqueles modelos pequenos a que estávamos acostumados.”
Os resultados desta liderança aparecem no balanço da Beats. Em 2013, a empresa ampliou sua receita anual para US$ 1,2 bilhão, o que ajudou a atrair outro grande investimento. A bola da vez foi o Carlyle Group, uma das maiores empresas de private equity do mundo, que investiu US$ 500 milhões na Beats em setembro.
O tamanho da participação adquirida pela Carlyle não foi revelado publicamente, embora a maioria dos relatórios na época aponte que o acordo rendeu ao grupo algo como menos da metade da empresa, avaliando a Beats em mais de US$ 1 bilhão. No entanto, pela matemática de Lee, o acordo deu à Carlyle cerca de um terço da empresa, implicando em uma avaliação de US$ 1,5 bilhão. A operação também permitiu que a Beats comprasse a participação restante de 25% da HTC, pela qual desembolsou US$ 150 milhões. O principal negócio da fabricante de celulares estava enfrentando dificuldades diante de concorrentes como a Samsung.
Um relatório da empresa de pesquisa PrivCo sugeriu, mais tarde, que a Beats também estava em dificuldades, apesar de sua exorbitante receita. Aparentemente, com a fabricação interna, a empresa sofreu uma crise de liquidez e ficou à beira da falência, cenário revertido por um empréstimo de nove dígitos. “Em 2013, a Beats Electronics era um negócio em dificuldades para qualquer padrão”, disse o falecido chefe da PrivCo, Sam Hamadeh. “A empresa estava de lado até o Carlyle intervir.”
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O investimento da empresa de private equity também deu à Beats os fundos necessários para continuar expandindo. Isso foi especialmente importante, dada a atenção voltada ao Beats Music, cujo lançamento foi em janeiro de 2014, na cidade de Los Angeles, com direito à apresentações de Dr. Dre, Diddy, Eminem, Nas e Ice Cube, no Teatro Belasco. No evento com lotação máxima, celebridades como Drake e P!nk dividiam espaço com chefes de gravadoras e executivos de agências de talentos.
Não houve relatos, na época, da presença de executivos da Apple no lançamento, mas a marca estava claramente observando a movimentação. Tanto que, em 8 de maio, o “Financial Times” noticiou o interesse da multinacional norte-americana em arrematar a Beats por US$ 3,2 bilhões. Naquela noite, um vídeo granulado e improvisado de Dr. Dre no YouTube, comemorando o evento, espalhou-se pela internet. No final de maio, o acordo ainda não havia sido fechado, e os fundadores da Beats começaram a se preocupar com a possibilidade de as declarações públicas de Dre terem assustado a gigante tecnológica.
“Eu pensei que o acordo iria por água abaixo”, admitiu Iovine no documentário da HBO, “The Defiant Ones” (Os Desafiantes, em tradução livre), no qual Dre definiu o momento como um dos mais embaraçosos de sua vida. Lee diz: “Eu pude ver [o CEO da Apple] Tim Cook perguntando: ‘O que esse cara está fazendo?’”.
Três semanas depois, porém, o acordo foi oficializado por um valor final de US$ 3 bilhões. “Nenhuma medida tradicional de avaliação aplicada à Beats como negócio justifica o preço”, escreveu Hamadeh, da PrivCo. “Devemos presumir que a Apple e Tim Cook têm grandes planos que não conhecemos.”
Uma pista sobre a transação pode ser encontrada no relatório anual da Apple de 2014. De acordo com o documento, a compra da Beats envolveu US$ 2,6 bilhões em dinheiro e US$ 400 milhões em ações que “serão investidos ao longo do tempo com base no emprego continuado com a Apple”.
Em outras palavras, a gigante tecnológica estruturou o acordo de modo a incluir uma cenoura de centenas de milhares de dólares para manter os fundadores da Beats em seu rebanho (as ações, que valem atualmente cerca de 50% mais do que em 2014, devem ser investidas neste verão no hemisfério norte). E essa é talvez a parte mais fascinante da negociação. Mesmo com a aposta de muitos especialistas de que o negócio de fones da Beats e o potencial do seu serviço de streaming fossem suficientes para justificar a aquisição da Apple, havia aqueles que acreditavam que a empresa de Steve Jobs queria, principalmente, adicionar os fundadores da Beats à sua lista de executivos.
“A negociação da Beats com a Apple está acontecendo e é focada na aquisição de Dre”, publicou em sua manchete o “TechCrunch”. “Eles querem Jimmy e Dre”, disse uma fonte à publicação. “Eles sabem tudo sobre cultura e moda.” Alguns chegaram a sugerir que Cook viu a dupla como uma substituição parcial de Steve Jobs, que havia falecido em 2011. “A Apple está tentando substituir Jobs por cinco pessoas ”, disse o investidor de risco e líder do U2, Bono, ao “New York Times”. “Isso explica a aquisição da Beats.”
De fato, Iovine havia se tornado amigo do criador da Apple – que acreditava que as pessoas queriam possuir a música em vez de apenas ouvi-la – cerca de uma década antes do seu falecimento. Jobs ajudou a convencer o diretor da Interscope a permitir que as músicas não gravadas fossem vendidas na iTunes Store, um passo crucial na inserção da Apple no mundo da música. Em 2015, Iovine disse à Wired que quando fundou a Beats, junto a Dre, esperava que algum dia a empresa fosse adquirida por Jobs. “A Apple tem as melhores pessoas da cultura pop”, disse Iovine. “Se vai ser bem-sucedido ou não, é o começo de como deve ser o futuro.”
Outras reações vieram da equipe inicial da Beats. Lee começou o doloroso processo de digerir a transação multibilionária com a Apple, meses depois de vender sua participação na Beats a US$ 0,20 por ação. Ele acreditava que a negociação da multinacional tinha como objetivo amarrar os fones em iPhones e iPads, talvez substituir o plug pelo Lightning e direcionar os produtos da Beats exclusivamente para esse tipo de hardware. No outro extremo do espectro, Will.i.am recebeu um pagamento multimilionário – provavelmente algo em torno de oito dígitos – e refletiu sobre o impacto social do negócio de Dre. “O negócio não é bom apenas para a empresa, é bom para a cultura de forma geral”, disse. “Você precisa olhar para isso como uma influência para que as crianças do interior não sonhem mais apenas em ser atletas e músicos, mas empreendedores e criadores de produtos revolucionários de lifestyle. Um espírito totalmente novo acabou de sair desse anúncio.”
A compra da Apple também ressaltou o valor do conselho de Iovine para que Dre rejeitasse o projeto da linha de tênis anos antes. Surpreendentemente, a melhor maneira de brigar com o Air Jordan da Nike pelos dólares dos consumidores acabou sendo com a criação de uma revolucionária marca de fones de ouvido.
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Para Lee, a Beats deve ser considerada um exemplo para jovens empreendedores – mas não da forma como Will.i.am sugeriu. “Eu chamo isso de “cuidado com os tubarões’, porque quando você não é bem-sucedido, ninguém vai tocar em você”, diz ele durante o encerramento da entrevista. “Quando você tem sucesso, todos emergem sobre as águas. A Monster foi uma empresa de muito sucesso antes da Beats.”
Lee diz que chegou à conclusão vários meses depois do acordo com a Apple, refletindo sobre seu papel na criação da Beats. Ele pagou à empresa cerca de US$ 200 milhões em royalties ao longo dos anos por fones de ouvido de sua própria fabricação. Em vez disso, ele poderia ter feito uma parceria com Jimmy e Dre e usado esse dinheiro na contratação de artistas para vender seus produtos.
Voltando à linha do tempo, Lee destaca o que aconteceu quando negociou sua participação de 5% na Beats, antes da HTC adquirir 51% da empresa. Ele alega que o contrato que lhe deu capital também previa mudanças no controle, de modo que a Monster perdesse seus direitos de propriedade intelectual sobre os fones e todas as listas de revendedores – um acontecimento que ele insiste ter sido provocado pelo investimento da HTC. Lee diz: “Quando eu olhei ao redor, analisei os negócios e o momento em que eles ocorreram, eu disse: ‘Acho que fomos enganados’”.
Em janeiro de 2014, Lee moveu uma ação judicial na Califórnia alegando, entre outras coisas, fraude, dolo, violação do princípio da confiança, concorrência desleal, quebra do dever fiduciário e violações do código corporativo do estado. O processo exigiu um julgamento por júri e danos não especificados.
Lee acredita que todo o acordo com a HTC foi uma “transação simulada” pensada para tirar a Monster de cena. Ele também acha que a Beats tinha um acordo com a Apple muito antes de 2014, e insiste que o Carlyle sabia da negociação com a gigante de tecnologia antes de investir na Beats em 2013. “Nós apostamos tudo que tínhamos na Beats”, diz Lee. “Nós nos machucamos nesse negócio. Tivemos que demitir pessoas, fechar fábricas, todo esse tipo de coisa.”
As autoridades não se convenceram. Alguns meses depois do nosso encontro, William Fahey, juiz da Corte Superior de Los Angeles, rejeitou as principais reivindicações da ação de Lee. Fahey decidiu que as ações tomadas pela Beats eram permitidas pelas regras dos contratos assinados com a Monster.
Mesmo antes de perder o processo, Lee já planejava seus próximos movimentos para um novo modelo de negócios – o “Beats on steroids” -, e falava sobre os planos de juntar-se a outros artistas e atletas para desenhar novos produtos. Embora desapontado com o desfecho no caso da Beats, ele claramente não perdeu o gosto por fazer negócios com rappers milionários. E finaliza: “Eu adoraria ajudar Jay-Z”.
*O texto acima foi adaptado do novo livro de Zack O’Malley Greenburg, “3 KINGS: Diddy, Dr. Dre, Jay-Z and Hip-Hop’s Multibillion-Dollar Rise” (3 Reis: Diddy, Dr. Dre, Jay-Z e a Ascensão Multibilionária do Hip Hop, em tradução livre), publicado no início de março pela Little, Brown and Company, ainda sem versão em português.