Há uma razão pela qual a Netflix consegue manter os espectadores colados a sua plataforma, a ponto de o CEO, Reed Hastings, ter declarado que seu “único rival é o sono”: o algoritmo que aconselha filmes, documentários e séries ao usuário é tão preciso que, além de sugerir os blockbusters que mais se encaixam em nossos gostos, aposta em títulos pouco conhecidos, mas que parecem ser perfeitos para nós. Assim, a Netflix é capaz de oferecer uma variedade de produtos que parecem ter sido pensados sob medida para os seus 125 milhões de assinantes no mundo.
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Como se sabe, porém, o sucesso da Netflix se deve em grande parte a suas produções originais, nas quais irá investir algo em torno de US$ 8 milhões em 2018, o que fará com que a oferta de conteúdos produzidos pela empresa supere a marca de mil lançamentos.
Apesar de um alto dirigente da HBO ter recentemente definido o investimento da Netflix em produção original como “de uma exuberância irracional”, a verdade, ao menos de um ponto de vista criativo, é que o processo que leva a escolher quais conteúdos serão produzidos é totalmente racional. Esqueça os produtores-executivos com instinto infalível, porque nesse caso o mérito é todo do algoritmo e do big data.
O caso mais famoso, e um dos poucos sobre os quais a Netflix forneceu informações precisas, é o de “House of Cards”: a primeira série original da plataforma, distribuída em 2013. A Netflix sabia, ainda antes de começar a filmar, que a produção seria um enorme sucesso (foi a mais vista nos Estados Unidos e em outros 40 países), porque o algoritmo havia previsto a alta aderência, quase como um oráculo, após analisar o big data fornecido pelos assinantes.
Graças a dados recolhidos por mais de uma década, a Netflix sabia que seus assinantes apreciavam muito o trabalho de David Fincher (diretor de “House of Cards” e de filmes de enorme sucesso como “A Rede Social”), que Kevin Spacey era um dos atores mais seguidos e que, entre os produtos de nicho, a versão original de “House of Cards”, uma minissérie britânica de quatro episódios, transmitida originalmente em 1990 na “BBC”, havia feito sucesso. Ao unir esses três dados, tornou-se evidente que uma série de televisão mainstream que trata de um produto menos conhecido, mas muito apreciado, dirigido por Fincher com Spacey como protagonista não poderia ser nada menos do que o enorme sucesso que de fato foi (graças também à imprescindível qualidade de produção, obviamente).
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Esse é apenas um exemplo de como a estratégia baseada em dados da Netflix a permite investir o seu dinheiro minimizando os riscos e apostar em conteúdos de alta qualidade. Diferentemente dos canais de televisão, o serviço de streaming não precisa tentar agradar a todos: pode apostar em determinados segmentos suficientemente numerosos e abordar com mais tranquilidade aqueles que, para outra plataforma, seriam perigosos.
O algoritmo da Netflix não é, porém, capaz apenas de otimizar a oferta para os assinantes e racionalizar as escolhas de produção. Ao que parece, é também eficiente em roubar os melhores talentos da concorrência. Isso não quer dizer que a inteligência artificial da plataforma saiba individualizar os melhores diretores, mas que o modelo permite oferecer a diretores e roteiristas uma liberdade de ação que em outro local não seria possível.
O mecanismo foi explicado há poucos dias por Ted Sarandos, CCO da Netflix, no evento anual Media & Communications Summit de Nova York, em que ele contou como conseguiram arrancar da Fox o roteirista Ryan Murphy, autor de sucessos como “American Horror Story” e “Nip/Tuck”.
Durante a negociação, segundo o jornal “IBTimes”, “a Netflix mostrou uma grande quantidade de dados a Murphy, como as performances de muitas de suas produções e as semelhanças e diferenças em termos de audiência. Entre outras coisas, foram reveladas algumas correlações surpreendentes encontradas pelo algoritmo: por exemplo, que os fãs de “American Horror Story” também tendem a ser apaixonados pela série de animação “Bob’s Burger”.
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“Seria possível tentar imaginar quais outras séries agradam a quem assiste a ‘American Horror Story’, mas acho que ninguém imaginaria que ‘Bob’s Burger’ fosse uma delas”, contou Sarandos à plateia. “É isso que nos dá a possibilidade de ampliar a audiência de um diretor e, ao mesmo tempo, permitir que ele saia de sua zona de conforto. Se Murphy quisesse criar uma série para a Fox que não respeitasse as formas preferidas pelos espectadores daquele canal, ele simplesmente não poderia fazer. A Netflix, por sua vez, é capaz de explorar da melhor maneira possível a maior parte das coisas que os diretores e roteiristas pensam em fazer.”
É essa a força da Netflix, um algoritmo capaz não apenas escolher os conteúdos mais adaptado aos nossos gostos (o que cria o risco de nos fechar em uma espécie de bolha do entretenimento, mas esse é um outro assunto), mas também permite que os produtores otimizem os investimentos e, se isso não bastasse, oferece uma maior liberdade criativa a diretores e roteiristas. Nesse meio tempo, porém, os competidores afiam as armas e são cada vez mais numerosos, o que cria a questão: este será o último ano de domínio da Netflix?