Marcas do varejo de moda de luxo têm gerado novos contornos, sem precedentes, impulsionados pelo streetwear e pela desconsideração da geração millennial por produtos sem inovação ou propósito óbvio.
LEIA MAIS: 3 motivos que levaram marcas de luxo a banir o uso de peles
De logotipos clonados a e-mails marketing grosseiros, “temperados” por uma turma de artistas famosos no Instagram que até mesmo se envolvem com as grifes que satirizam, subverter ou desmantelar princípios de marca anteriormente sagrados rapidamente tem se tornando um caminho rumo à modernidade.
Embora o respeito por valores como conhecemos tradicionalmente não esteja morto, certamente não é mais suficiente apenas satisfazer o apetite de luxo dos “digitalmente nativos”, que, segundo uma pesquisa global da Deloitte, de 2017, têm gastos mais impulsivos do que nunca.
Quase 20% compram simplesmente para se agradar e consideram a qualidade e a singularidade como mais importantes do que o valor agregado da marca em si. O que mais importa na era da mídia social das atitudes é especificamente a capacidade de reformular o status quo para manter as coisas interessantes.
A ascensão do streetwear ao status de luxo elevou as vendas de artigos AAA em 5% em 2017. Homenagear a irreverência, a perturbação ou mesmo o comportamento de risco é um bônus adicional significativo.
Um exemplo é a Gucci. Sua série Guccy Primavera/Verão 2018 é uma coleção de acessórios na qual o nome e o logotipo da marca foram modificados com uma fonte retro emprestada oficialmente da marca de jogos japonesa SEGA. A ação, a título de comparação, é muito mais ousada que a da lendária marca francesa Louis Vuitton, que, em 2001, com o designer de moda e entusiasta do graffiti Stephen Sprouse, fez um logotipo desfigurado, mas não obliterado.
VEJA MAIS: Mercado de luxo: “experiência” é a palavra do ano para as marcas do segmento
A nova direção da Gucci vem de seu atual diretor de moda, Alessandro Michele, um maximalista cuja obra se baseia em referências culturais pop. O diretor de marketing, Robert Triefus, no entanto, também é importante nesse processo. No final de 2016, Triefus disse a quem estava presente na edição de Milão da conferência de moda e tecnologia Decoded Fashion que “tem apetite por interrupções”. “Exploda a lenda de que você não dá a sua marca a ninguém”, afirmou.
Até mesmo a joalheria norte-americana Tiffany, exemplo de luxo clássico e outra história de sucesso do varejo atual, relatou um aumento de vendas global de 15% no primeiro trimestre de 2018, quando, sutilmente, passou a adotar uma atitude mais disruptiva. A fachada de sua loja principal, na 5ª Avenida, em Nova York (EUA), parece ter sido vandalizada com tinta (o azul tradicional da marca, naturalmente), com pingos na calçada. A marca descreve a campanha #Tiffanyblue 2018, à qual o conceito pertence, como algo que “sacode a energia das ruas da cidade” e que sugere seu próprio desejo de parecer mais ousada. Uma alusão a manter as coisas “reais”.
O teste de realidade também tem surgido no e-commerce de beleza: a marca francesa L’Oreal experimentou usar o plug-in de software francês TokyWoky, uma ferramenta de bate-papo ao vivo que permite que os compradores conversem entre si enquanto navegam online, sem mediação, o que permite que sejam sinceros e cínicos o quanto quiserem. A marca norte-americana Glossier brincou com e-mails marketing que se parecem com e-mails internos, sem design de vendas.
Segundo o professor Jonathan Wilson, de Londres, sócio da agência global de estratégia de marca Dragonfly Black, a mudança é um reflexo da evolução da “arrogância” de um comentarista comum nas mídias sociais. “As pessoas já falam há algum tempo sobre autenticidade ser o componente chave para o sucesso de uma marca. As grifes têm sido fortemente influenciadas pelo fenômeno cultural do hip-hop, que é construído para se manterem reais, remixando e dando vida ao conteúdo morto. Adicione à mistura a atração das mídias sociais para ser opinativo, dinâmico, irônico e espirituoso, e as marcas têm tomado um novo rumo.”
A ironia é, de fato, crítica, assim como a capacidade das marcas de cercar vozes influentes de mídias sociais que aparecem para se aproveitar de situações negativas que elas por vezes enfrentam. No topo das famosas no Instagram estão Siduations (78 mil seguidores), uma conta criada pela ex-publicitária Sidney Prawatyotin que transplanta editoriais de alta-costura e passarelas para cenários cotidianos, e o perfil do artista/diretor de arte escocês Hey Reilly (115 mil seguidores), que faz montagens com marcas como Céline, além de intocáveis membros da indústria, incluindo Anna Wintour. São perfis que mostram como cada marca agora se encontra à mercê de críticos culturais, tanto amadores quanto profissionais, e deve entreter em conluio com todos se não quiser ser a piada.
Mas não se enganem, este é um legado muito menos conectado aos originais “brandals” (“vândalos de marcas”, em tradução livre), como o coletivo criativo anticapitalista Adbusters e sua descendência conceitual, como o subversivo artista britânico Noki, do que uma demonstração da superpotência existente na moda. O trabalho de Reilly para a Gucci (imagine bolsas com logotipos híbridos de uma cadeia de supermercados) se transformou em colaborações genuínas com marcas como a italiana Fendi, que trabalhou diretamente com ele em sua coleção de Outono/Inverno 2019.
Reilly afirma que “não é nem corporativista, nem anticomercialista”, mas tem uma postura mais lúdica, simples e cativante do zeitgeist. “As combinações das marcas evoluíram de mexer nos logotipos para o ponto de ruptura. Pensei no comentário do [filósofo francês e semiólogo] Roland Barthes sobre marcas e logotipos como sistemas de signos não-verbais, e como as melhores ou mais poderosas grifes de moda podem brincar com seus ícones porque a mensagem ainda é sobre elas.”
Enquanto Reilly se apoia no poder dos rótulos monolíticos de ruptura, em uma era em que marcas pessoais, a geração de ‘influenciadores’, exercem cada vez mais poder, a próxima etapa provavelmente envolverá formas mais bizarras de hibridização e auto-subversão. Como Wilson diz, “as marcas têm de ser suas piores críticas, repetitivas, nervosas, originais, provocativas e prontas para mostrar sua arrogância ao subir ao palco com todos os concorrentes”. “Considere a campanha Yeezy Season 6, de Kanye West, na qual ele conseguiu que as celebridades pintassem o cabelo de loiro platinado e usassem cinza, vestindo-se como sua esposa, Kim Kardashian. É realmente um movimento insano de celebridades”, completa.