Três anos atrás, aos 26 anos, Peche Di modelou para a campanha de renovação da garrafa da Budweiser. Posou, foi fotografada e se emocionou com sua primeira grande oportunidade no ramo. De cidadania tailandesa e com visto de trabalho nos Estados Unidos, ela precisou fornecer seu passaporte para receber o pagamento pelo trabalho realizado. No entanto, como a Tailândia não reconhece a mudança de gênero, o documento a identificava como homem. Quando a campanha chegou a ser impressa, sua imagem foi reduzida a um único dedo segurando uma lata.
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Hoje, aos 29, Peche Di trabalha pela representatividade trans em dois segmentos: mundo da modelagem e relacionamento. A empreendedora ganhou destaque ao fundar a Trans Models, primeira agência de modelos somente para transsexuais, em março de 2015. Peche foi destaque no “The New York Times”, “The Atlantic” e “Vice” e fez parte da lista FORBES Under 30, em 2017. Além de CEO da Trans Models, ela recentemente se tornou cofundadora do que pode ser o maior aplicativo de namoro voltado para pessoas trans, o Teadate.
“Ter uma agência e um aplicativo é como tentar construir uma comunidade. Existe a necessidade disso e eu estou confortável o suficiente para dar o pontapé inicial. É preferível sofrer agora para que a próxima geração não precise lidar com esta dificuldade”, diz, calmamente.
Como modelo, o sucesso de Peche foi significativo. A poucos quarteirões de seu apartamento, é possível vê-la sorridente nas paredes do metrô e nos ônibus na primeira campanha “Living Sure” de prevenção do HIV, do Departamento de Saúde de Nova York. A empresária também desfilou para a Barneys New York e modelou para a Smirnoff.
Embora a Trans Models agencie apenas 19 modelos, o talento é icônico. “Cada um deles tem características especiais, são estrelas”, diz Peche. Veja o caso de Alana Jéssica Martin Rodriguez, que estrela a série “Pose”, aclamada pela crítica, com o maior elenco de transgêneros da história.
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Alana, uma mulher trans loira de 21 anos, toma um coquetel Montauk de melancia no sofá de Peche antes de seu turno na lanchonete Bareburger. Ela recentemente ganhou o concurso Miss Gorg para mulheres trans e foi premiada com um contrato com a Trans Models. Logo após assinar com a agência, a modelo foi cotada para a série “Pose”. “Meu Deus, eu admirava Peche quando comecei a fazer minha transição há dois anos”, dispara Alana, que completa: “Eu não tenho muitos ídolos, mas ela era uma dessas pessoas”.
Hanson Gobron se descobriu do sexo masculino aos 17 anos. Com 18, fez o procedimento de mudança de gênero e assinou com a Trans Models no último mês de maio, aos 19. Em junho, posou para a FTM Magazine. Gobron afirma: “O fato de Peche ter criado uma agência inteira para dar visibilidade aos trans afeta muitas pessoas, de forma que talvez ela nem imagine”.
Para Michael Osofsky, engenheiro de software de 42 anos e MBA da Sloan School em Palo Alto, os feitos de Peche são verdadeiramente duradouros. Osofsky, homem bissexual cisgênero, fundou a Teadate em 2016 para superar o fim do seu último relacionamento e encontrar uma nova namorada. A intenção foi criar um aplicativo seguro e sério para pessoas trans e não-trans interessadas em relacionamentos. Para transmitir segurança e seriedade, ele precisava de modelos para sua campanha de lançamento, dispostos a compartilhar seus rostos e nomes completos. Osofsky recrutou Peche Di junto à Trans Models para serem os rostos do Teadate e, ao se conhecerem, Peche se tornou cofundadora do app.
Peche nunca tinha experimentado totalmente segurança ou seriedade em encontros. Ela se recorda de um episódio quando dançava com um homem e ele agarrou sua virilha e tentou agredi-la junto a um grupo de amigos em um bar de Los Angeles. “Eu sentia como se não pudesse sair”, lembra a empresária. “Eu não podia estar em um ambiente público normal, então, precisava procurar um online”. Peche, assim como muitas outras pessoas trans, marcavam muitos dos encontros românticos através do Craigslist, famoso por perfis falsos e crimes horríveis contra pessoas trans.
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Apesar de existirem vários aplicativos de encontros e namoro trans-friendly ou especificamente para pessoas trans, Peche achou que a Teadate era mais focado em relacionamentos e amizade do que qualquer outro de que já tivesse participado. O Teadate permite que você indique a preferência em homens ou mulheres transgêneros ou cisgêneros em qualquer combinação. A fundadora da Trans Models conheceu uma profissional da indústria da música em LA pelo app, que agora ajuda Peche a se lançar como cantora.
Após algumas falhas solucionadas, o Teadate custará aos usuários US$ 5 ao mês. Atualmente, somente as contas registradas via e-mail (em oposição ao Facebook) recebem a cobrança da taxa mensal. Hoje, os usuários gastam uma média de 2,6 minutos no Teadate, o que é insignificante em comparação aos 90 minutos passados no Tinder, por exemplo. Para cada usuário trans no Teadate, há dois usuários cisgênero. E Peche e Osofsky precisam de investidores.
Peche é cautelosa sobre o progresso da visibilidade e dos direitos trans. Embora admita que se concentra mais em seu trabalho e que não consegue acompanhar as notícias sem ficar “profundamente chateada”, ela sorri e afirma: “Meu trabalho também é uma forma de protesto”.