Nos últimos sete anos, tenho visitado Singapura com frequência e me hospedado a poucas quadras do cofundador do Facebook, Eduardo Saverin, cujo patrimônio atual é avaliado em US$ 10,2 bilhões segundo o ranking em tempo real da FORBES. Embora tenha falhado consistentemente em me encontrar com ele, tive a oportunidade de conversar com o CEO da Jumio, Steve Stuut, sobre o que surgiu da falência de uma das empresas do bilionário brasileiro, uma provedora de serviços de verificação de identidade baseada em Palo Alto.
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Como explicou Stuut – um aluno do MBA de Wharton que passou cerca de sete anos em consultoria, incluindo três deles na McKinsey – em uma entrevista feita em 23 de julho, depois de sair da falência, parece que a empresa está crescendo rápido e desafiando rivais de capital aberto como a Mitek Systems, com sede em San Diego.
A Jumio poderia ir da falência à oferta pública inicial de ações (IPO)? Os acionistas da Mitek deveriam estar preocupados? As respostas são sim nos dois casos.
A verificação de identidade é simples de entender e difícil de fazer. Quando um banco cadastra um novo cliente, como ele sabe que o indivíduo é quem diz ser? Ele pode tentar ligar para a pessoa e fazer muitas perguntas ou pode anotar o endereço do Gmail do indivíduo. Mas, além de consumir tempo, este não é um processo infalível.
As empresas tentaram tornar esse método mais eficiente usando a tecnologia. Isso pode ser feito por meio da autenticação dupla (envio de uma senha única para um segundo dispositivo do usuário); validação de identidades físicas, como a carteira de motorista ou o passaporte, por meio de interfaces com a autoridade emissora; ou uma série de mudanças de perguntas sobre o usuário.
A McKinsey estima que os negócios para verificação de identidade como um serviço podem gerar US$ 10 bilhões em receita este ano – número que deverá crescer algo entre US$ 16 bilhões e US$ 20 bilhões até 2022.
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Uma concorrente de capital aberto nesse mercado é a Mitek Systems, sediada em San Diego, que fornece “soluções de software de verificação de captura e identificação móvel para empresas”. É uma empresa de capitalização de mercado de US$ 330 milhões que aumentou suas receitas a uma taxa anual de 29% nos últimos cinco anos, para US$ 45 milhões, e tem sido rentável – com uma margem líquida de 31% em 2017. Neste ano, suas ações subiram modestos 5%, de acordo com a Morningstar.
A Jumio diz que está crescendo muito mais rápido do que a Mitek – mas antes de entrar nisso, temos que olhar para seu tumultuado passado.
A empresa foi fundada em janeiro de 2010 por Daniel Mattes, um “empreendedor em série vivendo na Áustria e no Vale do Silício”. Ela foi apoiada pela Andreessen Horowitz, Citi Ventures e Eduardo Saverin, e vendida para a Centana Growth em 2016, segundo o perfil do LinkedIn da Mattes.
Mas a história é um pouco mais complicada do que isso. Na verdade, a Jumio entrou com pedido de falência em março de 2016, uma vez que estava sendo investigada pelo governo depois das demonstrações financeiras de 2013 e 2014. A empresa também estava considerando uma venda para Saverin. Na época, o juiz Brendan Shannon, do Tribunal de Falências dos EUA em Wilmington, Delaware, permitiu que a Jumio obtivesse um empréstimo de US$ 1,4 milhão – parte de um pacote de US$ 3,7 milhões oferecido por Saverin, segundo o “Wall Street Journal”.
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Pela aquisição da Jumio, a LLC Saverin estava se oferecendo para adquirir seus ativos por uma combinação de US$ 22,7 milhões devidos pela empresa, mais US$ 3,2 milhões em dinheiro. O brasileiro e os outros investidores ofereceram um total de US$ 25,5 milhões em capital para a empresa.
Mas em junho de 2015, a “Fortune” informou que Mattes havia “renunciado silenciosamente” e foi substituído por Stuut, depois de uma “investigação interna sobre possíveis irregularidades financeiras”. A publicação documentou as travessuras financeiras anteriores de Mattes.
Em dezembro do mesmo ano, os advogados enviaram aos investidores uma carta dizendo que a Jumio havia atualizado seus resultados financeiros de 2013 e 2014. “A avaliação da empresa pode ser inferior à valorização implícita das ações”, disseram na época, segundo o “Wall Street Journal”.
Stuut – que me contou que foi recrutado pela Andreessen Horowitz – disse que, quando ingressou na empresa em maio de 2015, “as coisas não estavam sendo administradas corretamente”. “O fluxo de caixa era negativo – havia um problema com a realização de receita e os números estavam errados em duas ordens de grandeza. A empresa vendeu ações com base em números incorretos – embora eu não saiba da intenção de [Mattes], então não posso dizer que tenha sido uma fraude”, diz.
Stuut achou que poderia consertar a empresa. “Era um grande mercado e o produto se encaixava bem com as necessidades exigidas por ele. Os clientes estavam pagando antecipadamente. Decidi apelar para o Chapter 11 (a Lei de Falências dos Estados Unidos que permite que empresas com problemas financeiros possam se reorganizar) em março de 2016 e, meses depois, emergimos dela. Não perdemos um único cliente. Eu posso dizer que as despesas operacionais eram muito altas. Cortei custos e, em outubro de 2017, tínhamos um fluxo de caixa equilibrado”, conta.
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Em agosto de 2016, a nova Jumio tinha arrecadado US$ 15 milhões da Millennium Technology Value Partners e da Centana Growth Partners, o fundo de private equity que havia comprado a empresa por US$ 850 mil em maio de 2016, de acordo com a Finovate.
A Centana venceu, apesar de uma oferta superior de Saverin, muito questionada pelos outros acionistas, informou o “Wall Street Journal”. Como maior credor da Jumio, Saverin devia cerca de US$ 16 milhões.
A Jumio – que agora é conhecida como Jumio Corp. – aumentou sua base de clientes. “Temos de 350 a 400 clientes em 40 países nos setores de serviços financeiros, criptomoeda, economia de compartilhamento, varejo, viagens e jogos online – incluindo Airbnb, Coinbase, United Airlines e Instacart”, diz.
As taxas de crescimento da linha superior são fortes. “As reservas do terceiro trimestre de 2016 para o segundo trimestre de 2017 foram de US$ 26 milhões. Entre o terceiro trimestre de 2017 e o segundo trimestre de 2018, aumentaram para US$ 91 milhões. As receitas anuais recorrentes aumentaram 289%, de US$ 18 milhões no segundo trimestre de 2016 para US$ 70 milhões no segundo trimestre de 2018.”
A Jumio faz muita verificação de identidade – contando um total de mais de 120 milhões até agora e cerca de 300 mil por dia. Por que seu serviço é tão requisitado? Stuut diz: “Apenas 1% das identidades são de fraudadores. Nosso objetivo é converter os outros 99% para nossos clientes. Muitos deles ficam frustrados com os processos de verificação e, portanto, desistem antes de fazer uma compra. Outros processos de verificação fornecem aos clientes três respostas: sim, não ou talvez. Nosso processo combina inteligência artificial, visão mecânica e pessoas para dar apenas duas respostas: sim ou não. Isso ajuda nossos clientes a ganhar mais dinheiro”.
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Para entregar seu serviço, a Jumio tem pessoas em todo o mundo. “Temos 2,5 mil na Índia e entre 150 e 175 na Áustria, nos EUA e no Reino Unido. Estamos nos estabelecendo em Montreal, Singapura e Colômbia. E estamos ganhando escala com eficiência – a linha superior triplicou ou quadruplicou em valor e o número de pessoas está crescendo na mesma proporção. O número de funcionários como porcentagem do custo do produto vendido está diminuindo.”
A Jumio quer continuar crescendo. “Esperamos cruzar US$ 100 milhões em reservas até dezembro de 2018, e vamos dobrar novamente depois disso.” Parece mesmo que a Jumio está superando a Mitek. E, se a empresa realmente puder se tornar pública, valerá muito mais do que os US$ 850 mil pagos pela Centana.