Em meio às dores de cabeça do Presidente Trump para confirmar os secretários do gabinete, do neófito Rex Tillerson ao encrenqueiro Scott Pruitt e à despreparada Betsy DeVos – todos passaram raspando –, Wilbur Ross era uma bênção. Com seu terno azul de executivo e décadas de negociações, ele tinha a aparência e o currículo de um secretário de comércio. E, ao contrário do chefe, Ross prometeu alienar quase todos os seus investimentos ao entrar no governo, atraindo elogios dos dois partidos, a caminho de uma confirmação fácil. “Você realmente fez um sacrifício muito pessoal”, disse o senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut. “Sua atuação resultou na alienação de literalmente centenas de milhões de dólares.” Em novembro de 2017, Ross confirmou ao Departamento de Ética Governamental, por escrito, que havia alienado tudo o que prometera.
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Mas não era verdade. Após semanas de investigação, FORBES descobriu o seguinte:
- Durante a maior parte do ano passado, Ross atuou como secretário de comércio enquanto mantinha participações em empresas das quais o governo chinês é coproprietário, em uma empresa de transporte ligada ao círculo íntimo de Vladimir Putin, em um banco cipriota supostamente envolvido na investigação de Robert Mueller e em uma empresa importantíssima de um setor que Ross agora está investigando. É difícil imaginar um portfólio mais radioativo para um membro do gabinete;
- Ao que tudo indica, a família de Ross continua a ter participação nesses investimentos tóxicos até hoje. Em vez de se desfazer de tudo, o secretário de comércio vendeu algumas de suas participações à Goldman Sachs – e, de acordo com o próprio Ross, colocou outras em um fundo fiduciário para seus familiares. Ele continuou a fazer negócios com a China, a Rússia e outros, evidentemente sabendo que os interesses de sua família estavam vinculados a esses países;
- Além disso, cinco dias antes de virem à tona relatos de que Ross estava ligado a compadres de Vladimir Putin por meio de uma empresa de navegação chamada Navigator Holdings, o secretário de comércio, que provavelmente sabia dos relatos, realizou uma venda a descoberto de ações da empresa ligada ao Kremlin, posicionando-se de modo a ganhar dinheiro com o investimento quando os preços das ações caíssem;
- É absurdo, mas manter todos esses conflitos de interesse parece ser totalmente legal – um reflexo das leis da ética lamentavelmente inadequadas para governantes magnatas como Donald Trump e Wilbur Ross;
- Ross parece ter infringido uma lei: apresentou uma declaração juramentada a autoridades federais em novembro, dizendo ter alienado tudo o que tinha prometido alienar – apesar de ainda deter mais de US$ 10 milhões em ações da empresa financeira Invesco, sua ex-empregadora. Também continuou mantendo uma posição vendida em um banco chamado Sun Bancorp, cujas ações ele havia prometido alienar. No mês seguinte, Ross se livrou das participações em ambos.
O que Ross diz sobre tudo isso agora? Não muito. Quando FORBES perguntou, há um mês, o que aconteceu com seus investimentos, ele encaminhou a mensagem a seu porta-voz, que disse que esperava ter uma resposta no dia seguinte. Cinco dias depois, este enviou uma declaração com uma só frase, prometendo que os ativos atuais de Ross constariam em uma divulgação financeira anual, que ele ainda não havia apresentado. Com duas semanas para responder a uma lista de perguntas detalhadas, o porta-voz recusou-se a responder à maioria delas, mas ressaltou que Ross acabou por alienar seus investimentos. O porta-voz também divulgou uma declaração sobre se Ross tinha infringido a lei, mentindo para autoridades federais. “O secretário não mentiu”, disse ele, acrescentando que Ross apresentou uma papelada corrigida, que está atualmente sendo analisada pelo Departamento de Ética Governamental.
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Wilbur Ross não é conhecido por dizer a verdade. Em uma tarde de domingo no fim do ano passado, pouco depois de uma viagem à Ásia, ele telefonou para a FORBES para mentir sobre sua fortuna pessoal. A FORBES vinha incluindo o secretário de comércio em suas listas de bilionários havia anos, mas o relatório de divulgação financeira dele indicava menos de US$ 700 milhões em ativos. Quando pressionado sobre essa discrepância, Ross mencionou calmamente mais de US$ 2 bilhões em ativos não divulgados, dizendo ter transferido uma parte de sua fortuna a um fundo fiduciário para sua família.
Esses bilhões aparentemente não existiam, mas, quando seis senadores exigiram uma investigação, Ross insistiu que suas declarações continham uma semente de verdade. “No momento da minha conversa com o repórter, eu estava no processo de criar um fundo fiduciário como forma de alienar meus ativos, a fim de cumprir o meu acordo ético.” Mas o acordo ético de Ross exigia a alienação de seus ativos, fosse vendendo-os, fosse dando-os. Simplesmente guardá-los em um fundo fiduciário não era suficiente.
Richard Blumenthal, o mesmo senador que havia elogiado o secretário de comércio por suas alienações, pediu então a Ross que descrevesse a estrutura do fundo fiduciário. Não houve resposta. Essa falta de transparência, aliada ao fato de o Departamento de Ética Governamental nunca ter divulgado publicamente documentos que mostrassem que Ross cumpriu suas promessas de alienação, criou uma nuvem de mistério em torno de seus ativos. Vigilantes da ética publicaram matérias condenatórias, jornalistas especularam se o secretário de comércio ainda detinha participações em entidades geradoras de conflitos e um comentarista da Fox News exigiu que Trump demitisse Ross.
O tempo todo, a explicação de Ross sobre o que aconteceu com esses ativos estava escondida em um documento no Departamento de Ética Governamental. Talvez por mostrar uma clara violação legal por parte do secretário de comércio, as autoridades de ética nunca aprovaram o documento, apesar de o terem recebido cinco meses atrás. E, como elas não o ratificaram, ele não chegou a ser liberado para o público. Até agora.
De acordo com o documento, Ross alienou a maior parte de seus investimentos em 25 de outubro, último dia em que podia se livrar deles. Vendeu suas “participações de sócio de responsabilidade limitada” – geralmente dinheiro colocado nos fundos de uma empresa e depois investido em várias empresas – a um “terceiro independente”. A FORBES confirmou que quem comprou foram fundos geridos pela Goldman Sachs. No entanto, ele despejou as “participações de sócio administrador” – que também podem conter investimentos em várias empresas e costumam dar ao proprietário uma parte adicional dos lucros futuros do fundo – em um fundo fiduciário no qual nem ele nem a esposa têm participação, de acordo com o documento. Ultimamente, os fundos antigos de Ross vêm tendo um desempenho tão ruim, que não está claro se essas participações de sócio administrador vão gerar dinheiro substancial algum dia. Porém, em caso de aumento repentino do valor das empresas cujas ações esses fundos detêm, os beneficiários do fundo fiduciário poderão embolsar milhões de dólares. Se os fundos já tiverem pagado alguma parte dos lucros e os investimentos continuarem a ter um desempenho fraco, os beneficiários podem até ser obrigados a devolver algum dinheiro – possível motivo de o secretário de comércio ter colocado essas participações em um fundo fiduciário. Representantes de Ross não responderam a perguntas sobre a estrutura exata do fundo fiduciário.
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O documento de ética governamental não diz quem são os beneficiários, mas, pelo visto, Ross deixou isso escapar no telefonema que fez à FORBES em outubro, única ocasião conhecida na qual ele falou publicamente sobre um fundo fiduciário que usou para cumprir o seu acordo de ética. “Eu não sou o beneficiário”, disse ele quando indagado sobre o fundo. “Essa é a questão. Isso é criado para filhos e coisas do gênero. Alguém de fora da família de Ross era beneficiário? “Não”, disse ele.
Então, segundo Ross, ele cumpriu seu acordo de ética em parte, ao repassar ativos a seus próprios familiares, o que tecnicamente conta como uma alienação, mas deixou sua família com uma série de participações ao lado das mesmas figuras heterogêneas com as quais o secretário Ross deveria ser duro.
A principal responsabilidade de Ross neste exato momento é atuar como um dos principais tenentes de Trump na guerra comercial em curso entre as duas maiores economias do mundo: os Estados Unidos e a China. Muito antes de Ross entrar no governo dos EUA, ele já vinha fazendo negócios lado a lado com o governo chinês, tendo direcionado US$ 100 milhões de seus investidores a uma oferta pública inicial realizada em 2009 para uma produtora de energia eólica chamada Longyuan Power.
Não era o tipo de investimento pelo qual a empresa de Ross – a WL Ross, especializada em falências – era conhecida. Em termos comerciais, um IPO é o que há de mais distante de uma falência. Mas, de acordo com quatro ex-funcionários da WL Ross, o principal motivo de ele investir na Longyuan Power não era obter retorno. “Esse investimento foi feito apenas para bajular os chineses e um grande fundo de investimentos chinês”, diz um dos ex-colegas de Ross.
Especificamente, Ross esperava motivar um fundo soberano chamado China Investment Corp. a colocar dinheiro em outro fundo dele, segundo os ex-funcionários. Quanto mais a entidade estatal investisse no último fundo, mais Ross poderia ganhar em taxas e incentivos. Parecia ser uma jogada estratégica: Ross podia apostar dinheiro de outras pessoas em um IPO questionável naquele momento para obter mais dinheiro para si mais para frente. No fim, o futuro secretário de comércio levantou US$ 500 milhões com o fundo chinês, de acordo com dois dos ex-colegas. O investimento na Longyuan Power caiu de US$ 100 milhões para US$ 90 milhões antes de a WL Ross vendê-lo. Em um comunicado, um porta-voz de Ross classificou as alegações sobre a Longyuan Power como “tolas e falsas”.
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De posse do dinheiro dos chineses, Ross despejou milhões na Diamond S Shipping, que possui 45 navios em todo o mundo, tornando-se parceiro comercial do governo chinês. Apesar dessa conexão, Ross disse inicialmente ao Departamento de Ética Governamental que pretendia manter sua participação no negócio. Isso gerou questionamentos, durante a audiência de confirmação de Ross, sobre como sua participação na empresa de transporte poderia se sobrepor às suas responsabilidades como membro do gabinete. Apesar dos documentos internos da WL Ross que mostram como a globalização – o bicho-papão em praticamente todas as negociações comerciais do governo Trump – impulsiona o sucesso da Diamond S Shipping, Ross rechaçou as preocupações. “A pesquisa que fizemos indica que nunca foi apresentado um caso de transporte ao Departamento de Comércio”, disse ele aos senadores. Ele não mencionou que seu parceiro comercial no empreendimento era o governo chinês. Em novembro, um porta-voz de Ross disse ao Center for Public Integrity que o secretário de comércio alienou voluntariamente sua participação na Diamond S Shipping. Contudo, ao “alienar”, Ross, ao que parece, transmitiu a participação na empresa à sua família.
Os laços entre a família Ross e o governo chinês são mais profundos. Em setembro de 2017, um dos investimentos que Ross ainda detinha pessoalmente, o International Automotive Components Group, sediado em Luxemburgo, estabeleceu uma nova joint venture. Nessa transação, os fundos da WL Ross ficaram com uma participação de 30% junto com uma empresa estatal chamada Shanghai Shenda e receberam cerca de US$ 300 milhões em dinheiro. No mesmo mês, importantes autoridades chinesas tiveram conversas comerciais com ninguém menos que Wilbur Ross.
Dois meses depois, um grupo de jornalistas internacionais estava analisando os Paradise Papers – um conjunto de documentos que mostrava as relações entre algumas das pessoas mais ricas do mundo e as entidades internacionais que elas controlavam. Uma das descobertas mais impressionantes da investigação foi a de que o secretário de comércio dos EUA ainda detinha uma participação em uma empresa de transporte chamada Navigator Holdings, o que ligava Ross a alguns dos aliados mais próximos de Vladimir Putin.
Todavia, de acordo com os documentos apresentados por Ross, ele já havia alienado fundos que detinham ações da Navigator alguns dias antes, em 25 de outubro. Seis dias depois, ele abriu uma posição a descoberto contra a empresa. Isso significava que, se as ações da Navigator despencassem devido à notícia sobre os Paradise Papers, Ross poderia, presumivelmente, obter um ganho. As ações da Navigator não despencaram logo após a publicação da notícia, mas caíram 4% nos 11 dias que se seguiram, antes de Ross sair de sua posição a descoberto, aparentemente com lucro.
A família de Ross ainda parece ter participação na Navigator, junto com a Bank of Cyprus, outra empresa ligada à Rússia. Em 2014, depois de uma aposta bem-sucedida no desvalorizado Bank of Ireland, do qual Ross era conselheiro, ele voltou sua atenção à instituição cipriota, que tinha comprado o nono maior banco da Rússia por quase US$ 600 milhões em 2008. Ross entrou no conselho de administração como vice-presidente, dividindo essa função com Vladimir Strzhalkovskiy, que, segundo consta, atuou na KGB ao lado de Vladimir Putin e depois tornou-se vice-ministro do desenvolvimento econômico do presidente russo. O mais preocupante para os colegas de Ross era o fato de a economia cipriota estar em frangalhos, sendo que seria necessário um milagre para reverter a situação do banco. “Ele queria estar de novo no conselho de outro banco internacional e adorava voar para lá e para cá no avião da Invesco”, diz um ex-colega. “Talvez ele tenha se iludido de que era realmente uma boa ideia.” Não era. O Chipre estava com dificuldade para se recuperar da recessão, e ex-funcionários da WL Ross dizem que o banco provavelmente não gerava retornos como os do Bank of Ireland.
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Outra má ideia: sobrecarregar visivelmente sua família com uma participação no Bank of Cyprus. O maior acionista do banco é uma empresa ligada ao bilionário russo Viktor Vekselberg, que Ross já recebeu em seu escritório por volta de 2014, segundo um ex-colega do secretário de comércio. Quando Vekselberg foi à região de Nova York este ano, recebeu um tipo diferente de boas-vindas: pelo que consta, agentes que trabalham com Robert Mueller, que está investigando as tentativas russas de interferir na eleição presidencial de 2016, detiveram-no no aeroporto para interrogatório. Acontece que uma empresa que se descrevia como filial norte-americana da firma de Vekselberg injetou, ao que tudo indica, mais de meio milhão de dólares em uma entidade controlada pelo advogado de Trump, Michael Cohen, logo após a posse do presidente.
Em sua maioria, os ex-funcionários da WL Ross que falaram com a FORBES não acham que o secretário de comércio tenha algo a ver com os pagamentos a Cohen ou com a interferência russa. Entretanto, considerando-se toda a atenção voltada a Trump e à Rússia, por que Ross teria alguma coisa a ver com o banco? Diz uma pessoa que trabalhou com o secretário de comércio por anos: “Isso cheira muito mal”.
No fim do mês passado, o presidente fez o tipo de anúncio que geraria manchetes por dias em tempos mais normais, mas que mal se nota na era Trump. Ele estava cogitando abrir uma investigação sobre as importações de autopeças, citando questões de “segurança nacional”. E para liderar essa iniciativa, ele queria o homem que tinha algum conhecimento do ramo de carros, Wilbur Ross.
Antes de ser secretário de comércio, Ross reuniu uma série de empresas no International Automotive Components Group, que afirma ser a terceira maior fabricante mundial de autopeças, com 50 fábricas em 20 países e sede em Luxemburgo. Dependendo de seu desempenho nos próximos anos, a gigante das autopeças é uma das muitas empresas que poderiam presumivelmente proporcionar à família de Ross uma fortuna inesperada.
É um pesadelo do ponto de vista ético. Ross, a pessoa encarregada da investigação, poderia teoricamente ignorar problemas relacionados ao International Automotive Components Group. Ou poderia ajustar suas descobertas e ir atrás das empresas rivais. Isso também é totalmente legal, já que Ross cumpriu os frouxos requisitos do governo referentes à alienação, de acordo com documento que apresentou. Isso não impedirá que observadores externos especulem se Ross está agindo de acordo com os melhores interesses do país ou com os de sua família. É uma pergunta que se estende à China, à Rússia e a todos os lugares onde a frota de navios da WL Ross atua. E é um questionamento ao qual o secretário de comércio – cuja família ainda teria centenas de milhões de dólares se abrisse mão dessas participações completamente – se abriu.