Essa é uma inauguração que já estava prevista para acontecer há anos. Mas a Starbucks só revelou sua primeira loja na Itália, a Starbucks Reserve Roastery, na semana passada, em Milão, que é tanto um símbolo comercial quanto uma declaração histórica do retorno pródigo da empresa à cidade que inspirou sua marca.
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Localizado em uma praça badalada perto de algumas das principais atrações turísticas de Milão, o edifício de 2.300 metros quadrados é revestido com mármore toscano e cobre reluzente, com extravagâncias que incluem uma torrefadora de café de 226 kg, paredes configuradas com realidade aumentada (AR), um bar de aperitivos e uma estação de affogato – sobremesa italiana feita à base de café – de nitrogênio líquido.
Hoje, a Starbucks tem mais de 28 mil pontos em 78 países, responsáveis por uma receita de US$ 22 bilhões em 2017. Segundo a Kantar Millward Brown, é a segunda marca mais valiosa do setor de fast food, com seu logotipo verde e branco avaliado em US$ 44,5 bilhões. A empresa domina a cultura pop, de bebidas virais elogiadas pelo “Buzzfeed” a drinques culturais nacionais servidos em copos ornamentais.
No entanto, em seus 47 anos de história, há um país do qual a Starbucks permaneceu visivelmente ausente. Por boas razões, a companhia está tentando mudar isso. Agora, no auge de seu poder e lucratividade, era hora de a empresa repensar sua chegada à Itália.
Tudo leva a marca de volta a Roma
O antigo se mistura ao novo na Starbucks Milan, uma metáfora perfeita para o encontro das culturas norte-americana e italiana de café. O piso de mármore da loja foi feito no melhor estilo tradicional palladiano, enquanto o teto foi construído com a mais recente tecnologia disponível. A fachada do edifício é uma estrutura imponente que costumava ser o posto de correios da cidade.
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Se existe uma cultura no mundo que leva o café a sério, essa cultura é a italiana. Por esse motivo, a Starbucks está se esforçando para se alinhar à economia local. Da oferta do café arábica localmente torrado ao café da Princi, uma padaria de propriedade italiana com a qual a marca criou uma parceria, a Starbucks está fazendo todas as deferências possíveis à anfitriã. Um acordo com a Percassi, um grupo italiano de gerenciamento de marcas e imóveis, melhorou ainda mais o entendimento da empresa sobre o novo mercado.
“Acho que a ideia de se apresentar dessa maneira tradicional aos torrefadores é um movimento de marketing astuto, porque eles estão mostrando que somos diferentes mas, ao mesmo tempo, somos iguais”, diz Eva Del Soldato, professora assistente de idiomas latinos na Universidade da Pensilvânia, que ministra um seminário sobre cultura e comida italianas. “Eles disseram que não estão aqui para ensinar os italianos a prepararem o café. E essa humildade deve ser apreciada.”
Eva acredita que a Starbucks tomou a decisão certa ao escolher Milão como sua porta de entrada, uma cidade moderna no que diz respeito à moda e finanças. Nápoles e Roma, por exemplo, são capitais mais esnobes no que diz respeito ao tema, onde a cultura do café expresso é ainda mais provinciana.
Mas como a marca pretende competir de maneira bem-sucedida em um mercado como o da Itália, onde até os estabelecimentos mais simples das menores cidades servem cafés tão bons a ponto de fazer qualquer expert do Brooklyn se impressionar? A resposta é que não se trata somente do produto, mas também da experiência.
Para os consumidores milaneses, a Starbucks vai se tornar a marca que eles carregam em copos de papel, transmitindo a sensação de estarem sempre ocupados e atitude de movimento. Será o lugar onde um empresário vai para enviar um e-mail urgente ou quando não estiver com vontade de visitar o seu bar preferido. A Starbucks não vende apenas café: vende um símbolo de status, um escritório, algo a mais. De certa forma, a experiência justifica a marca, o que justifica o preço, e assim por diante.
“Eles estão oferecendo café, mas estão também oferecendo uma fórmula e se comunicando com um público que pode se interessar por esse tipo de coisa”, diz Eva.
Uma grande comparação
Para entender por que demorou tanto para que a Starbucks se instalasse na Itália, é fundamental reconhecer o quão diferente são as culturas norte-americana e italiana de café, além de como elas estão interligadas com a identidade e os valores nacionais. Eva acredita que o café é tão importante para a cultura italiana que é praticamente considerado um “direito social”.
“Tomar café na Itália, em muitos casos, não tem a ver apenas com a bebida em si. É sobre passar tempo com os amigos”, explica. “Achamos que todo mundo tem esse direito. Não importa se você é pobre ou rico, o café nos torna iguais.”
Os italianos acreditam, simplesmente, que o café deve ser purista, de alta qualidade e acessível a todos. Como resultado, muitos aspectos da cultura cafeeira norte-americana e, por extensão, da Starbucks, os confundem. Por um lado, a empresa tem sete opções de tamanhos da bebida, do “short” ao “venti”. Na Itália, há apenas um. A Starbucks faz bebidas das cores de unicórnios e zumbis. A Itália não. Devido ao grande volume de negócios, a rede norte-americana foi projetada para atender os clientes com rapidez e eficiência, enquanto na Itália você acaba virando amigo do barista local.
Por fim, tem a questão de preço. A Starbucks não é conhecida por vender um café barato, e, em Milão, um expresso em suas instalações custará € 1,8 (R$ 5,67) para clientes em pé ou € 2 (R$ 9,62) para quem preferir sentar. O valor de um capuccino pode chegar a € 4,5 (R$ 21,64). Um grupo de consumidores italianos já registrou uma queixa contra a gigante do café, acusando-a de vender produtos por valores muito acima da média milanesa.
Se a maneira italiana de fazer café é tão superior, porque não existe um clone italiano da marca que já dominou o mundo? O corporativismo multinacional simplesmente não é tão difundido ou preferido pelos italianos, explica Eva, que tende a ver as franquias com desconfiança.
“Os italianos tendem a ser pessoas agarradas a hábitos”, diz ela. “As coisas estão muito enraizadas e os consumidores gostam de interagir com pessoas com quem estão bem familiarizados. Quando as coisas se tornam maiores, isso não significa necessariamente que a qualidade seja mantida.”
Ainda assim, as coisas estão mudando. Conceitos externos, como o café gelado, entraram na cultura local, e o país deu seu próprio toque, como pode ser conferido em criações como o shakerado. Quando Eva visitou Florença, sua terra natal, no verão passado, foi questionada, em um dos bares mais famosos da cidade, o Café La Loggia, se queria um cappuccino regular ou grande. Talvez o fato de estar com o marido norte-americano tenha pesado, mas o fato é que a cultura dos Estados Unidos estava começando a pegar, mesmo em Florença.
“Eu não diria que a cultura do café é estática, apesar de seu tradicionalismo”, diz Eva. “Desde que existe essa consciência de que o café é uma coisa tão central em nossas vidas, é claro que vai haver tentativas de vender o produto de diferentes maneiras.”
Ao mesmo tempo, há apenas alguns aspectos da cultura cafeeira italiana que não podem ser transpostos para o lado norte-americano – como, por exemplo, a tradição do caffè sospeso, ou “café suspenso”, nascida em Nápoles. Segundo ela, o cliente não paga apenas pelo café, mas também oferece a bebida para o próximo que entrar na loja e não tiver condições de comprá-la. Essa iniciativa continua em prática nos dias de hoje e se estende a outros itens, como o gelato.
“É um belo hábito, e mostra como o café é importante, pois não é considerado um luxo”, diz Eva. “Eu me pergunto se um lugar como a Starbucks poderia incorporar essa tradição, já que não existe uma interação pessoal entre o consumidor, o estabelecimento e uma terceira pessoa.”
Como convencer os italianos
Para ter sucesso na Itália, as empresas estrangeiras devem fazer uma dessas duas coisas: vender um produto melhor do que a versão italiana que já existe ou encontrar um público que o queira de qualquer maneira.
Grandes corporações norte-americanas como McDonald’s, Ben & Jerry’s e Haagen Daz tentaram entrar no mercado italiano muito antes da Starbucks, com resultados mistos. Quando a rede de sorveterias Ben & Jerry’s abriu uma loja na Piazza del Duomo, em Florença, anos atrás, foi evitada tanto pelos italianos, que consideravam o duro sorvete norte-americano um insulto ao gelato maravilhosamente macio da Itália, como pelos próprios turistas dos EUA, que alegavam que não tinham atravessado o Atlântico para tomar um sorvete que eles poderiam experimentar em casa. A loja fechou depois de dois anos. A Haagen Daz foi outra marca norte-americana a experimentar o mesmo destino na maior cidade da Toscana.
Já o McDonald’s teve mais sucesso graças a sua adaptação ao gosto italiano e a sua diferenciação de marca. Quando entrou no mercado nos anos 1980, a gigante do fast food tornou-se um lugar excitante para as pessoas que estavam em férias ou que tinham filhos. A rede de Ronald McDonald também sobreviveu criando itens especiais, como o panini, e fazendo parceria com o Ministério Italiano de Políticas Agrícolas, Alimentares e Florestais para usar ingredientes totalmente italianos cultivados por jovens agricultores locais.
Um outro caso de sucesso é a Domino’s, outra empresa norte-americana que vende uma invenção italiana para os italianos. A Starbucks pode se alegrar ao saber que a cadeia de pizzarias de Detroit conseguiu sobreviver em Roma e Milão, diferenciando-se como um serviço de entrega em domicílio, comprando ingredientes italianos e oferecendo itens adaptados ao gosto dos cidadãos locais.
Tudo isso serve para mostrar que a rede de cafés pode sobreviver na Itália se implantar uma estratégia semelhante ao McDonald’s e a Dominos de integração com a comunidade local e a cultura em geral. Ainda assim, é mais fácil falar do que fazer. Quando a Starbucks anunciou em 2015 seus planos oficiais de abrir uma loja em Milão, a empresa cortejou os habitantes locais plantando 42 palmeiras para embelezar a famosa Piazza del Duomo. A reação? Um cidadão irado os incendiou e o atual vice-primeiro ministro Matteo Salvini acusou a companhia de “africanização”.
Outros italianos são decididamente mais descontraídos. Francesco Spagnol, um estudante de 24 anos formado em Bolonha, diz sentir-se indiferente em relação a Starbucks em seu país de origem. “Eu realmente não entendo porque as pessoas estão com raiva”, diz. “É apenas mais uma opção para as pessoas. Acho que isso não causará problemas aos bares italianos. Isso nos dá mais liberdade.”