Segunda maior empresa de cosméticos do Brasil (atrás apenas da Natura, das marcas The Body Shop e Aesop) e maior franquia de cosméticos do mundo, com receita de US$ 3,7 bilhões, O Boticário quer ampliar os ganhos com o uso inédito da inteligência artificial (IA) para a produção de perfumes. O grupo brasileiro está investindo na tecnologia para desenvolver fragrâncias, otimizar a mão de obra humana especializada e melhorar o engajamento dos clientes.
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A empresa está usando a Phylira, plataforma desenvolvida pela IBM Research em parceria o próprio O Boticário e com a Symrise, produtora alemã de sabores e fragrâncias. O software utiliza algoritmos avançados, que aprende e desenvolve sozinho, para identificar novos padrões e combinações de fragrâncias que possam agradar ao cliente. Alimentada com milhões de informações sobre fórmulas de perfumes, ingredientes da história da perfumaria e taxas de aceitação dos consumidores, a plataforma cruzou os dados e conseguiu criar dois produtos que serão lançados como projeto piloto, no início de 2019.
“As fragrâncias são fora do comum e combinam essências de frutas, flores, doces, especiarias, tipos de madeira e até mesmo pepino e leite condensado, ingredientes que às vezes podem passar despercebidos, já que não são tão comuns”, afirma Tiago Martinello, líder de pesquisa e desenvolvimento do grupo O Boticário.
De acordo com Martinello, o uso da IA permitiu a redução do tempo de desenvolvimento de produtos: de três anos para seis meses. “Isso nos mostra como a inovação é importante em termos de produtividade”, diz.
Outras aplicações da tecnologia podem surgir como resultado desse esforço inicial, parte do programa “operações 4.0” do Boticário, sobretudo em áreas que incluem controle de qualidade, produção industrial e gerenciamento da cadeia de suprimento, assim como na área de vendas e marketing. “Há inúmeros outros recursos tecnológicos [além da IA] que podem ser aplicados para reduzir a quantidade de empregos repetitivos e tarefas operacionais. Nós estamos estudando essas possibilidades”, conta Martinello.
Desafios organizacionais
Como a IA ainda é novidade para a maior parte das empresas, o desafio organizacional pode ser significativo — esse também foi o caso do grupo O Boticário, de acordo com o líder de pesquisas da empresa. “Desenvolver um sistema de IA requer muito conhecimento de diferentes áreas, pois a integração delas é um grande desafio”, afirma o executivo.
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Segundo ele, quando se trata de inovação, outro desafio é engajar as pessoas certas do conselho e dar diretrizes para todos os envolvidos, além de investir em melhorar a conscientização sobre o assunto. “Ao usar a IA, a necessidade de engajamento se tornou evidente, já que se trata de um assunto novo, que pode gerar controvérsia”, explica.
Em termos técnicos, Martinello destaca que o trabalho de “ensinar” sobre o sistema foi demorado. “É necessário muito treinamento e aprimoramento até se chegar a um nível de produção compatível com os padrões de qualidade da empresa.”
Aprimorando as “soft skills”
A primeira parte do processo de desenvolvimento de uma fragrância com IA é relacionado à tecnologia, de acordo com Martinello. É nessa etapa que fórmulas, matérias-primas, histórias de sucesso e tendências são estudadas pela Phylira, para que seus algoritmos possam detectar padrões e promover combinações sem precedentes.
As pessoas entram em ação na etapa seguinte, na qual profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de produtos analisam informações e protótipos de produtos. Segundo Martinello, a otimização da primeira etapa proporciona mais tempo para a parte criativa do processo.
“Inteligência artificial é uma outra ferramenta disponível para perfumistas otimizarem o desenvolvimento de fragrâncias, mas produtos só nascem da mente de especialistas em comportamento e demanda do consumidor, do marketing, da pesquisa e dos próprios perfumistas. Todos eles participam do processo antes do produto chegar ao cliente”, diz.
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Embora a empresa enxergue o uso da IA como uma forma de melhorar o trabalho feito por especialistas em fragrâncias, ela não prevê um futuro em que as “soft skills” (habilidades subjetivas, de difícil identificação e diretamente relacionadas à inteligência emocional das pessoas) sejam substituídas pela tecnologia no processo de produção.
“O que a IA já fornece é suporte às ‘soft skills’, e o desenvolvimento de fragrâncias auxiliado pela tecnologia é uma evidência disso. Ela é um complemento e não uma substituta.”