Há certos anos que, quando se aproximam do fim, parecem conduzir o mundo para o futuro, mais do que de volta ao passado. São os anos em que grandes mudanças alteram a forma como vemos as coisas, ao menos em parte. É possível que a cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos, esteja passando por um desses momentos: há mudanças em curso capazes de gerar implicações profundas sobre como os seus cassinos, grande atração turística da cidade, são administrados, desenvolvidos e operados.
LEIA MAIS: Britney Spears torna-se a residente mais bem paga de Las Vegas
Em primeiro lugar, é preciso analisar o contexto. Houve outros anos marcantes para Las Vegas, definidos pela construção de resorts. Em 1941, o empreendedor Thomas Hull abriu o El Rancho Vegas, primeiro resort-cassino localizado no que, posteriormente, se tornaria a Las Vegas Strip, a principal avenida do município hoje. O modesto motel-cassino de Hull tornou-se modelo para a primeira geração de resorts na Strip. Em 1969, o empresário Kirk Kerkorian inaugurou o primeiro resort com mais de mil quartos, o International, cujo design integrado, com um prédio de três torres, tornou-se uma tendência na arquitetura desse tipo de hotel.
Mais recentemente, o ano de 1989, com a abertura do hotel The Mirage pelo empresário Steve Wynn, viria a ser um ano divisor de águas para Vegas. The Mirage influenciou a construção dos hotéis MGM Grand, Treasure Island e Luxor em 1993, que consolidaram o modelo de mega-resort. Uma década depois, o ano de 1999 marcaria outra mudança na paisagem local. Com a inauguração dos hotéis Bellagio, Mandalay Bay, Paris Las Vegas e The Venetian, os resorts passaram a ser mais sofisticados. A partir de então, o setor turístico de Las Vegas recebeu apenas incrementos, como o certificado Leed de construções sustentáveis, espaços de clubes noturnos mais caros, fachadas de vidro.
Por outro lado, há anos que são conhecidos pelo valor simbólico que têm, mais do que pelos vultosos investimentos financeiros. Nada de novo foi aberto na Strip em 1985, por exemplo, mas pode-se dizer que a compra do hotel Stardust pelo Boyd Group marca o fim da influência direta do crime organizado nos cassinos de Vegas — um marco importante, com certeza. O ano de 2001 pode ser analisado como o ano em que o boom dos anos 1990 chegaram ao fim, e 2008, como o da recessão que trouxe novo abalo para o local.
Já 2005 pode ter sido um ano significativo pela abertura do hotel Wynn Las Vegas, mas o verdadeiro marco daquele ano foi a aquisição do Mandalay Resort Group pela MGM Mirage (agora MGM Resorts International) e a compra da Caesars Entertainment pela Harrah’s Entertainment. Essas duas fusões marcaram o ápice da consolidação da economia pré-recessão.
Em 1990, 10 empresas de capital aberto detinham cassinos na avenida Las Vegas Strip. Bally possuía um resort de mesmo nome. Aztar era proprietário do Tropicana. Boyd Gaming, do Stardust. O Caesars World tocava o Palácio, o Circus Circus Enterprises tinha uma propriedade de nome idêntico e o hotel Excalibur, Golden Mirrored possuía os hotéis Las Vegas Hilton. O Flamingo Hilton, MarCor Resorts era dono do hotel Rio, o MGM Grand era proprietário dos hotéis Desert Inn e Marina. O Sahara Resorts era dono do Hacienda e do Sahara. Havia ainda vários outros resorts, do Riviera até o Frontier to the Dunes.
Após uma série de fusões entre empresas em 2005, a lista relativamente grande de proprietários de 1990 caiu de dez para cinco: Penn National (Tropicana), Las Vegas Sands (veneziano), Wynn Resorts (Wynn), MGM Mirage (Baía de Mandalay, Luxor, Excalibur, MGM Grand, Nova York-Nova York, Monte Carlo, Bellagio, Miragem, Ilha do Tesouro, Circo Circo), Harrah’s Entertainment (Bally, Paris, Caesars Palace, Rio, Palácio Imperial, Flamingo, Harrah’s). O Harrah’s continuaria a crescer, engolindo o hotel Barbary Coast (hoje chamado Cromwell) em 2006 e o Planet Hollywood, em 2010. Nesse mesmo ano, o Harrah’s mudou de nome para Caesars Entertainment.
O que esses anos marcantes têm em comum são as implicações que trouxeram para os anos que se seguiram a eles. O fim do crime organizado, em 1985, colaborou para integrar a administração dos cassinos e contribuiu para a rápida proliferação de jogos pelos EUA, nos anos 90. O nascimento da era do mega-resort, em 1989, levou a um aumento do interesse da bolsa de Wall Street por esse tipo de negócio e facilitou tanto a construção de unidades gigantescas quanto a consolidação da posse de cassinos.
A vez de 2018
Como 2018 poderia entrar para a história? Por um lado, o ano marca — pelo menos por enquanto — a despedida de Steve Wynn. É um ponto de virada, já que Wynn é o inovador mais conhecido da Strip há uma geração, e sua saída deixa um vácuo. A imprensa tem acompanhado o caso: o Wynn Resorts tem novo presidente, Phil Satre, e a empresa cancelou o projeto de instalar uma lagoa no Paradise Park, que Wynn havia iniciado no ano passado, para resgatar seu campo de golfe.
Mais: uma notícia recente notou que Wynn “economizou” US$ 900 milhões (R$ 3,42 bilhões) com a venda de suas ações em março. O que significa, para o bem ou para o mal, que o Wynn Resorts não é mais uma empresa de Steve Wynn. Depois de moldar seu negócio para ser líder de mercado, Wynn não está mais no comando. É o desfecho de uma era de crescimento explosivo em Las Vegas.
O segundo marco de 2018 pode ser lembrado pela possível dissolução, absorção ou reorientação do Caesars Entertainment. Mesmo antes da saída do presidente Mark Frissora, havia uma especulação desenfreada sobre o futuro da empresa, já que o empresário Tilman Fertitta fez uma grande jogada por meio de uma aquisição reversa que o deixaria no comando da situação. Mais recentemente, a MGM Resorts anunciou que estava explorando uma potencial aquisição do Caesars — o que tornaria a empresa ainda mais influente e dominante em Las Vegas, controlando 19 dos principais resorts de cassino da Strip. Embora a aquisição possa enfrentar obstáculos regulatórios pela frente, o fato de estar sendo seriamente discutida indica que pode se tornar realidade.
E MAIS: Conheça a história do imponente Caesars Palace de Las Vegas
Qualquer que seja o resultado, o destino final da Caesars Entertainment definirá a próxima era de Las Vegas. Se a empresa resistir à tempestade e emergir razoavelmente intacta, é de se esperar que o status quo continue, com aquisições de outros hotéis (como o Penn National ou o Eldorado), mas sem grandes fusões. Se o Caesars Entertainment se dividir em pedaços menores, isso pode sugerir uma tendência de que os cassinos vão deixar de se concentrar como propriedades de uma só empresa. E, se as construções de outros empresários forem assimiladas ao MGM Resorts, a paisagem será tão profundamente diferente que chega a ser difícil de esboçar a aparência da cidade.
Embora seja difícil dizer exatamente qual será o veredicto da história, é fácil apostar que 2018 será um ano que moldará o futuro.