É consenso entre os grandes especialistas mundiais de tecnologia: a revolução digital, que está em pleno curso no mundo todo, é um fenômeno sem volta – e vai impactar (já está impactando) todos os setores: indústria, comércio, saúde, energia, educação, serviços e agricultura. O sociólogo Daniel Bell, da Universidade Harvard, chega a dizer, em seu livro “The Coming of Post-Industrial Society.2” que a mudança é semelhante ao que se passou na Revolução Industrial. A temática alcançou o topo dos planos estratégicos dos CEOs, com a introdução de novas tecnologias disruptivas, como big data, inteligência artificial (IA), nuvem (cloud computing), machine learning, internet das coisas (IoT), blockchain e outras.
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Existe, porém, um perigoso descompasso entre a necessidade de mudança e a prática em muitas empresas. Segundo uma pesquisa de 2018 da “Harvard Business Review”, 80% dos líderes empresariais mundiais acreditam que revolução digital é uma grande oportunidade de mudar, mas atestam não ter um plano exequível para realizar essa jornada. De acordo com experts ouvidos pela FORBES, a maioria dos empresários brasileiros está exatamente nessa condição: sem planos desenhados para a transformação digital. Entre 126 países, o Brasil encontra-se hoje na 64ª posição no recém-divulgado Índice Global de Inovação 2018, que procura estabelecer a vantagem concorrencial entre as nações, economias e empresas.
Ao contrário do que alguns possam pressupor, essa revolução não se dá com o mero uso de tecnologia. “Não é mais do mesmo, pois a transformação digital não é tecnológica, e sim organizacional. A tecnologia é um de seus instrumentos. Portanto, o CEO precisa entender a necessidade de converter a cultura da organização para a digital”, diz Carlos Dreyfuss, VP de pesquisas do Instituto Gartner para o Brasil. Segundo projeção da consultoria, cerca de 125 mil grandes organizações introduziram iniciativas de negócios digitais, sendo que seus CEOs esperam um aumento de mais de 80% em receitas digitais até 2020.
Se as empresas brasileiras não se encontram na dianteira dessa corrida competitiva, o que um CEO pode fazer para engrenar sua companhia na transformação digital? Segundo Dreyfuss, a primeira coisa é “definir qual é a ambição digital da companhia, como ela se posiciona em relação ao segmento e qual é o tamanho do passo que se pretende dar, levando-se em conta o relacionamento com os clientes, os processos internos e os fornecedores”. O segundo passo, na opinião do consultor, é estabelecer, em conjunto com o CIO da companhia, se será criado um ecossistema (o chamado modelo de dependência que abrange serviços intimamente interligados) ou um novo modelo de negócios.
O CEO precisa liderar esse novo olhar da empresa, ajudando a desenhar novos contornos – o chamado design thinking. “A questão da mudança de mentalidade é um ponto nevrálgico para a transformação. O mais difícil é
vender isso internamente, com mudanças de atitude, de comportamento, de perfil das pessoas. A gente continua batendo todos os dias nessa tecla: pensar diferente”, diz Paula Bellizia, CEO da Microsoft. Paula reforça que sua própria empresa se ancora na chamada “mentalidade do crescimento” (growth mindset), em que a ideia principal é a contínua aprendizagem.
O novo modelo de negócios é profundamente dependente da cultura, do estilo e do apetite da empresa para o risco. No Brasil e no mundo, as empresas encontram-se, ao menos por enquanto, sem modelos de negócios a serem seguidos, porque não há histórico para isso. Sendo assim, vale adotar qualquer tipo de nova tecnologia? A princípio não, e cabe justamente aos gestores, e nesse caso ao CEO e ao CIO, estarem alinhados para decidir qual é o melhor caminho para cada ambição digital. Daí a relevância de se determinar a meta com precisão desde o início do processo, para que o modelo de negócios possa sofrer adaptações sem grandes solavancos. Nesse processo, o CEO talvez precise de ajuda externa: um consultor independente, uma consultoria ou uma escola de negócios que o ajude a criar um modelo – mas ele continuará sendo o responsável pela definição desse modelo.
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Uma pesquisa da consultoria de tecnologia Infosys intitulada The New Champions of Digital Disruption: Incumbent Organizations, divulgada em agosto, identifica três grupos de líderes por trás de iniciativas de transformação digital: os visionários (22%), que entendem o potencial da revolução digital para transformar completamente seus negócios; os exploradores (50%), que se comprometem com programas digitais orientados pela necessidade de melhorar a experiência do cliente; e os observadores (28%), que veem a transformação digital através do prisma da eficiência. Para a maior parte dos entrevistados (54%), o grande desafio é a ausência de habilidades digitais.
A busca por mais conhecimento nessa área cresce continuamente. A Fundação Getulio Vargas, por exemplo, criou o curso FGV Negócios Digitais, em São Paulo, no ano passado. A Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), uma das pioneiras em estudos para a inovação no país, atrai cada vez mais altos executivos sedentos por entender as novas tecnologias e avaliar como aplicar a transformação digital da melhor forma em suas companhias. “Meus alunos não são só da área de tecnologia, mas pessoas de negócios, do financeiro, do marketing; executivos que perceberam que, se não forem capazes de usar todo esse conjunto de ferramentas tecnológicas, não conseguirão se manter competitivos no ambiente de trabalho. O que eles buscam é um letramento digital”, afirma Júlio César Bastos, coordenador acadêmico da pós-graduação da ESPM. Fora do país, são muito procurados os cursos de transformação digital de Stanford, Harvard e do Vale do Silício (EUA), de Potsdam (Alemanha) e de Londres.
DRIBLANDO A FALTA DE ESTRUTURA
A ausência de infraestrutura adequada nas empresas pode comprometer sua evolução digital, como aponta pesquisa realizada com 12 mil funcionários em 12 países pela companhia de segurança da informação Unisys. O levantamento, divulgado em julho, diz que 43% dos empregados afirmam ter computadores e celulares e outros instrumentos desatualizados, e um terço relata falta de suporte da equipe de TI sobre as demandas da empresa, com distribuição desigual das ferramentas no trabalho.
Mesmo diante de dificuldades como essas, alguns setores se posicionam mais à frente na evolução digital, como o varejo e a indústria automotiva. Outros tentam ganhar o tempo perdido “na raça”. Na área de energia, por exemplo, o Brasil se encontra em 55º lugar na mais na recente versão do Ranking Internacional de Liberdade no Setor Elétrico, como aponta a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
Em 2016, a Eletropaulo contratou uma consultoria para preparar seu departamento de TI, após a percepção de que a indústria de energia no mundo estava adotando novos modelos de negócio. “Os projetos digitais visam a tornar a distribuidora mais produtiva, mais eficiente e mais clean do ponto de vista dos processos”, diz Renato Costa, CIO e diretor de inovação e tecnologia da empresa. Segundo ele, “o setor de energia está passando por uma transformação jamais vista”, e se eles não se preparassem para isso iriam ficar para trás. Por isso, os investimentos apenas em digitalização do atendimento na Eletropaulo são da ordem de R$ 20 milhões.
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Outro setor relevante que passou a adotar as novas tecnologias é o setor privado da saúde, com inteligência artificial, IoT e big data sendo usados na medicina diagnóstica e nos cuidados preventivos, tendo como foco um dos pontos nevrálgicos dessa área: os altos gastos. “É uma grande alavanca para reduzir custos e melhorar os resultados clínicos na saúde”, afirma Patrícia Ellen, CEO da unidade brasileira da Optum, empresa do UnitedHealth Group (UHG), um dos maiores conglomerados de saúde do mundo. “Dá para identificar, por exemplo, um procedimento que gerou gastos muito altos. Avaliamos as performances das internações por hospital, usando informações como data de internação, idade do paciente e custo final da admissão. E assim é possível normalizar os custos por hospital”, explica Patrícia. Segundo ela, é possível também identificar os riscos do paciente e verificar se ele está seguindo o tratamento correto.
ENTENDA AS NOVAS TECNOLOGIAS
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Ilustração Camila Giusti e Rogério Maroja Inteligência Artificial
Imortalizada pela ficção científica, a inteligência artificial (IA) não vislumbra a criação de androides superdotados que vão substituir os humanos como os filmes mostram, mas é, de fato, um conjunto de tecnologias que busca imitar a inteligência humana. Segundo Alexandre Winetzki, diretor de P&D da consultoria Stefanini, há dois tipos de IA: a geral e a específica.
A primeira, que simularia a mente humana, está “relativamente longe”. “Ainda há limitações. As máquinas não entendem ironia, por exemplo.” O segundo tipo, quando o sistema desempenha uma tarefa específica, já é amplamente usado no dia a dia. Um exemplo é Sophie, assistente virtual que usa uma rede semântica para atender usuários de diferentes áreas. O programa é usado pela Caixa Econômica e outras 50 empresas. “A inteligência artificial muda a maneira de nos relacionarmos, de vivermos. Carros autodirigíveis pareciam fantasia, mas talvez daqui a dez anos ninguém mais coloque a mão no volante.”
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Ilustração Camila Giusti e Rogério Maroja Machine Learning
É uma subdivisão da IA, em que as ações da máquina não são explicitamente programadas. “Usa-se um conjunto grande
de dados relacionados à tarefa e, a partir dessas relações estatísticas, o programa ‘aprende’ a desempenhá-la”, explica Carlos Souza, diretor-geral da tecnológica Udacity para a América Latina. “Isso permite realizar tarefas mais abstratas.Suas aplicações vão desde indicação de filmes na Netflix até casos mais complexos, como a condução de veículos autônomos.” Segundo Souza, o ML é um caminho para a IA geral (leia o tópico anterior), pela possibilidade de ser aplicado em diversas funções. Exemplo: um mesmo algoritmo capaz de jogar xadrez no computador também pode ser treinado para traduzir um texto.
Essa ferramenta tecnológica está embarcada em várias ações cotidianas, da aprovação de um crédito, em que o algoritmo substitui o gerente bancário, à realização de compras online.
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Ilustração Camila Giusti e Rogério Maroja Internet das Coisas
A internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) é a realidade mais próxima do que imaginávamos para o futuro. A sigla representa os mais variados objetos (carros, geladeiras, relógios, TVs etc.) conectados à internet e entre si – como quando seu smartphone se conecta à sua televisão. “Já existem casas com dispositivos instalados para monitorar portas, janelas, o fogão, a iluminação e inúmeros objetos”, exemplifica Jaime Muller, COO da SAP Brasil.
AIoT não se limitará às residências – irá mudar o cotidiano das metrópoles. “As cidades conectadas também vão se beneficiar da IoT para prover uma série de serviços à população, como semáforos e iluminação pública inteligentes.”
Além disso, segundo o especialista, “as informações geradas pelas ‘coisas’ monitoradas permitem melhorar a eficiência dos processos, reduzir o uso de recursos e otimizar a mão de obra”, o que libera trabalhadores para funções menos burocráticas e repetitivas.
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Ilustração Camila Giusti e Rogério Maroja Big Data
Esse termo em inglês não é exatamente um conceito, explica Gustavo Gattass, gerente sênior de produto da Microsoft Brasil, mas uma nomenclatura que surgiu nos anos 90 para designar números astronômicos de dados. O constante aumento desse volume e de suas possibilidades de utilização atraiu a atenção de grandes empresas e startups.
O meio corporativo utiliza com frequência o big data (BD) para aperfeiçoar serviços e produtos. A Microsoft, por
exemplo, usa com o Skype. “Existe uma série de fatores que estabelecem a qualidade de um serviço. O BD ajuda a entender essas necessidades.” Uber, Airbnb e Waze, por exemplo, nasceram com base nele. “Moradores de centros urbanos usam BD diariamente”, diz Gattass.Ele está ainda no e-commerce, nos bancos e no varejo. Sabe quando pedem seu CPF na farmácia? Big data. “O objetivo é exatamente conhecer seu perfil de compras.”
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Ilustração Camila Giusti e Rogério Maroja Nuvem
Todas essas tecnologias facilitadoras exigem uma alta capacidade de processamento e armazenamento. Servidores próprios podem não dar conta da tarefa. Para isso existe a nuvem – servidores remotos sob demanda. “Antes você precisava comprar servidores físicos, colocá-los em uma sala refrigerada e ali ficavam os dados da empresa. Agora é só contratar o serviço de nuvem”, afirma Maurício Fernandes, presidente da Dedalus, empresa especializada em cloud.
“Você paga pelo uso. Para gerenciar faturamento e gerenciamento da empresa, por exemplo, milhares de servidores sob demanda fazem esse processo de maneira mais rápida e barata.” Para quem tem medo de não ver onde estão seus dados (afinal “nuvem” pode soar abstrato), Fernandes explica: “As grandes empresas que fornecem serviços de nuvem, como Google e Amazon, investem bilhões em segurança, com uma capacidade muito maior de proteção do que um servidor próprio.”
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Ilustração Camila Giusti e Rogério Maroja Blockchain
O sistema de nome curioso é hoje uma das mais usadas e seguras maneiras de fazer transações digitais. Mundialmente conhecido como “a grande sacada” por trás da moeda virtual bitcoin, o blockchain é uma base de dados distribuída. Ou seja, é basicamente um sistema de registros inviolável, como um livro caixa inalterável e eterno, em que tudo o que é escrito nele não pode ser apagado ou adulterado.
Seu nome, que se traduz como “corrente de blocos”, denuncia como ele funciona: cada bloco agrega uma ou mais transações recentes que, quando concluídas, são enviadas à sua base de dados permanente.
Na prática, o sistema serve para que todas as informações transacionais de uma empresa, por exemplo, tenham seus dados protegidos e ao mesmo tempo sejam de fácil acesso a um número ilimitado de computadores. Assim que entra no blockchain, a informação não pode ser modificada, o que ajuda a evitar fraudes.
Inteligência Artificial
Imortalizada pela ficção científica, a inteligência artificial (IA) não vislumbra a criação de androides superdotados que vão substituir os humanos como os filmes mostram, mas é, de fato, um conjunto de tecnologias que busca imitar a inteligência humana. Segundo Alexandre Winetzki, diretor de P&D da consultoria Stefanini, há dois tipos de IA: a geral e a específica.
A primeira, que simularia a mente humana, está “relativamente longe”. “Ainda há limitações. As máquinas não entendem ironia, por exemplo.” O segundo tipo, quando o sistema desempenha uma tarefa específica, já é amplamente usado no dia a dia. Um exemplo é Sophie, assistente virtual que usa uma rede semântica para atender usuários de diferentes áreas. O programa é usado pela Caixa Econômica e outras 50 empresas. “A inteligência artificial muda a maneira de nos relacionarmos, de vivermos. Carros autodirigíveis pareciam fantasia, mas talvez daqui a dez anos ninguém mais coloque a mão no volante.”
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