Michelle Obama está no meio de uma excursão por 12 cidades e, como o mundo inteiro já sabe, essa não é uma turnê comum. A ex-primeira-dama dos Estados Unidos está lotando estádios esportivos com capacidade para milhares de pessoas que pagam entre US$ 30 e US$ 3 mil por um ingresso. Há música empolgante – ao estilo de Stevie Wonder e Jackson Five -, uma espécie de entrevistadora que costuma ser uma celebridade (como Sarah Jessica Parker ou até a romancista Chimamanda Ngozi Adichie), um cenário bem elaborado e vídeos. No aquecimento, um grupo variado de garotas e mulheres explicam brevemente, de forma cuidadosamente coreografada, quem são e o que estão querendo se tornar.
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“Minha História” (“Becoming”, em inglês) é o título do livro de memórias de Michelle Obama, publicado em novembro e recebido com louvor pelo público. Nas últimas semanas, tornou-se o mais vendido de 2018. E a apresentação da ex-primeira-dama ao vivo costuma ser um espetáculo, uma obra-prima.
Michelle sempre teve um ótimo guarda-roupa e, com exceção de alguns erros iniciais, um séquito devotado, uma presença pública polida e uma boa reputação entre a maioria das pessoas – de crianças a jornalistas. Mas, então, por que a visão de Michelle como um espetáculo tornou-se, para mim, algo cansativo?
Parada e com os olhos fixos, como é comum nas fotos de capa dos livros, Michelle olha para a câmera e para você – de forma firme e direta. Seus dentes são perfeitos. Seu brilho labial é incolor, mas seus olhos são deslumbrantes. O cabelo está comprido e solto, enquanto as sobrancelhas estão visivelmente pintadas. É uma apresentação de si mesma cuidadosamente construída e pensada, mas a coisa que realmente deixa a imagem glamourosa é o ombro exposto, que emerge das dobras do tecido drapeado.
Michelle é uma mulher que entende muito bem de ótica, e que expressa opiniões sobre tudo, desde o direito de endireitar o cabelo (principalmente quando o tema é o cabelo das mulheres negras) até assuntos relacionados à alta costura. E ela deve ter pensado muito bem sobre a posição daquele ombro na foto. Indo para o lado do glamour, estaria ela profetizando os ternos ao estilo Hillary Clinton e os óculos Elizabeth Warren? E, assim, estaria ela deixando explícito seu desejo de ficar longe da política? Estaria abraçando seu status de celebridade, seu papel pós-Casa Branca como produtora da Netflix, habitué de talk show ou autora de grande sucesso?
Todas essas formas de pensar estão certas, mas tenho que confessar certo desapontamento. E como sou fã número 1 de Michelle Obama, também tenho que me perguntar: por que me desapontei?
A decepção pode estar relacionada ao fato de que na época de primeira-dama, em vez de lidar com questões políticas pesadas, ela optou por projetos seguros, tradicionais e não-ameaçadores, centrados em famílias de veteranos, fitness e até o próprio jardim da Casa Branca. Isso é o que eu e muitos outros pensávamos. E, de fato, tudo isso é muito digno, mas eu queria que ela, com seu diploma em Direito e sua inteligência, fizesse muito mais do que simplesmente ser a esposa de Barack Obama.
Isso não é justo, mas pode ser verdade. Eu anseio pela Michelle Obama que agitou nossos corações e mentes com seu estilo “enquanto eles vão para baixo, nós vamos para o alto”, aparentemente sem medo de qualquer situação.
Michelle subiu ao palco no final de novembro, na Capitol One Arena, em Washington, D.C., no meio de sua turnê, que se apresenta como “real” e “autêntica”, e não hesitou em abordar qualquer assunto sério e auto-revelador. Seu público é majoritariamente feminino e afro-americano, de todas as idades – de meninas do colegial até a vovó que, em clima de comemoração, apresentam-se com cabelos e maquiagem muito bem feitos, óculos da Chardonnay na mão e selfies em abundância. A música da Motown toca – e toca novamente -, alcançando um a um, em um crescendo. Me senti até meio manipulada pela introdução feita pela poeta Elizabeth Alexander, pelas fotos e vídeos calorosos, pelo grupo de abertura de mulheres que se apresentam falando sobre seus processos de “tornarem-se”. Mas, na hora em que o serviço secreto, os seguranças e os vários puxa-sacos se sentaram em seus respectivos lugares ao redor do palco e a própria Michelle saiu, em modo “super glam” (saltos altíssimos, roupas prontas para fotografar e jóias abundantes), a pulga atrás da minha orelha começou a me importunar mais uma vez.
Michelle, gentil como sempre, falou eloquentemente sobre muitos dos mesmos tópicos que aborda em seu livro: sua história como parte da classe trabalhadora de South Side, em Chicago (que a escritora Isabel Wilkerson observa em sua resenha do livro no “New York Times”), seus pensamentos sobre a absoluta necessidade da perfeição e seu papel como primeira-dama dos EUA. Ela costuma ser engraçada, pensativa e instigante. E como esta noite aconteceu não muito depois das difíceis eleições de meio de mandato, é muito difícil não pensar: segure o espetáculo, traga a liderança para o palco.