O conceito de Indústria 4.0 – ou de Quarta Revolução Industrial – surgiu na Alemanha como uma maneira de o país se apropriar das novas tecnologias disponíveis para tentar sair da crise financeira global de 2008. A estratégia do governo alemão deu certo – e alastrou-se mundo afora.
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Nos EUA, a Indústria 4.0 fez com que máquinas, sistemas e redes trocassem informações e gerenciassem processos industriais. China, Reino Unido, Itália, Canadá e México também embarcaram nessa revolução. O Brasil vive um momento de transição, em que se discutem as vantagens dessas tecnologias em congressos e conferências. Já se percebem avanços em algumas indústrias, como a de bebidas, a automotiva e a farmacêutica – mas, sem alcançar a grande massa de pequenos e médios negócios, o conceito ainda não provocou um impacto real na produtividade do país e não fez da indústria um vetor relevante para a recuperação econômica brasileira.
Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizada entre o início de 2016 e o de 2018, revela que aumentou em 10% o número de grandes indústrias brasileiras que utilizam tecnologias digitais. O percentual das empresas que se apoderam de ao menos uma das 13 tecnologias digitais consideradas nessa pesquisa passou de 63% para 73%. De acordo com o estudo, entre as 632 companhias ouvidas, 48% pretendem investir em recursos da Indústria 4.0. O levantamento aponta que de 24 setores da indústria brasileira, 14 precisariam adotar com urgência estratégias de digitalização para se tornarem internacionalmente competitivos. O documento cruzou dados de produtividade, exportação e taxa de inovação de diversos ramos industriais brasileiros e os comparou ao desempenho dos mesmos segmentos nas 30 maiores economias do mundo, que, juntas, representam 86% do PIB mundial. Os 14 setores em situação mais vulnerável são impressão e reprodução; farmoquímicos e farmacêuticos; químicos; minerais não metálicos; couro e calçados; vestuário e acessórios; têxteis; máquinas e aparelhos elétricos; outros equipamentos de transporte; produtos de metal; máquinas e equipamentos; móveis; artigos de borracha e plástico; e produtos diversos.
A inteligência artificial (IA), a internet das coisas (IoT), a manufatura aditiva, a realidade aumentada, a robótica, os sensores inteligentes e as simulações virtuais são as tecnologias que impulsionam a mudança industrial no planeta. Basicamente, a Indústria 4.0 promete aumentar os níveis de produtividade em até 50% – e reduzir pela metade o volume de recursos necessários. Além disso, a indústria “inteligente” auxilia a fábrica a diminuir desperdícios, tornando-a mais sustentável. Outra vantagem é a possibilidade de corrigir erros durante as diferentes fases de produção. “Precisamos mudar os processos com a ajuda da tecnologia, facilitando a modernização da operação das indústrias. Os instrumentos tecnológicos permitem colher dados a cada etapa do processo. Eles são analisados com uma inteligência que aponta novas estratégias para melhorar a produção”, afirma a CEO da Microsoft, Paula Bellizia.
E afinal, o que é necessário para a implantação da Indústria 4.0 e sua “manufatura avançada”? Alguns fatores são apontados como essenciais por especialistas: mapear o que a indústria já oferece e verificar o que pode ser aproveitado; desenhar como será a integração dos subsistemas hierárquicos dentro de uma fábrica, que cria um sistema de manufatura flexível e reconfigurável; integrar todas as engenharias na cadeia de valor, com possibilidade de customização de produtos e pequenos lotes que gerem valor.
A Schneider Electric Brasil foi responsável por colocar na prática o conceito de manufatura avançada na fábrica da Granado Pharmácias, na cidade de Japeri (RJ). Cristiano dos Anjos, vice-presidente da empresa, conta que já de início estabeleceu-se o passo a passo para entender o objetivo do cliente, sua cadeia de produção e distribuição para, assim, conseguir alcançar a meta estabelecida. O VP compara o processo de implantação das tecnologias a um aplicativo de rotas, onde é necessário, antes de mais nada, saber onde a fábrica se encontra para depois traçar o caminho.
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Na Granado, segundo Cristiano, o plano foi estabelecer sistemas de automação para áreas da produção e, em seguida, implementar um programa de flexibilização da produção, com o objetivo de garantir a qualidade do processo e elevar o patamar da empresa a níveis internacionais, fazendo surgir novos negócios. O executivo também sublinhou a necessidade de preparar a mão de obra do chão de fábrica para a adoção das ferramentas tecnológicas.
Para o executivo da Schneider, não adianta adotar tecnologias digitais se os modelos de administração de fornecedores e logística, por exemplo, não estiverem alinhados. “O desafio da evolução digital é fazer com que dois mundos conversem. O mundo do chão de fábrica precisa subir para o mundo da tecnologia e vice-versa. As indústrias mais avançadas nesse contexto são justamente as que entenderam esse gargalo e, de uma maneira ou de outra, seja até com a rotação de profissionais, fazem com que seus funcionários trabalhem nesses dois mundos. Só a tecnologia não é suficiente”, afirma.
A Mercedes-Benz também engatou na revolução industrial. Em março, a multinacional automotiva inaugurou em sua fábrica de São Bernardo do Campo (SP) uma nova linha de montagem de caminhões sustentada nas novas tecnologias. “Com a implementação de tecnologias 4.0, adotamos uma nova forma de produzir caminhões com diferentes iniciativas: utilizamos um aplicativo que monitora em tempo real a produção em todas as unidades no Brasil, com interface com outras fábricas da empresa. Passamos a usar também apertadeiras eletrônicas na montagem, que identificam previamente o veículo a ser montado, de maneira a evitar erros no processo. Temos ainda robôs (AGVs) espalhados por toda a linha, totalmente conectados, transportando veículos e peças e facilitando o trabalho do montador”, conta à FORBES Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO para a América Latina. De acordo com Schiemer, como resultado, a nova linha de caminhões “está 15% mais eficiente”. Está nos planos da montadora expandir as tecnologias a todos os processos produtivos, como as linhas de agregados (motores, câmbios e eixos) e a fabricação de chassis de ônibus.
A Ambev também aderiu ao conceito de fábricas inteligentes e implementou as ferramentas 4.0 na produção de suas cervejas. O foco da indústria de bebidas está na utilização da inteligência artificial. “Temos o que há de mais moderno em termos de equipamentos e instalações. A tecnologia de ponta garante menor consumo de energia e de água. Adotamos, por exemplo, softwares inteligentes para simulação e otimização da programação das cervejarias, que garantem que seja produzida a quantidade correta de cerveja para atender o mercado, utilizando o mínimo possível de recursos naturais, como água e energia elétrica”, explica Eduardo Soares, diretor técnico da Ambev. As soluções se estenderam a diversos ramos da multinacional. Em 2015, por exemplo, a filial brasileira adotou um sistema de automação do resfriamento da cerveja, antes operado manualmente.
O impacto dessa revolução nos empregos está no centro do debate – e envolve executivos, governos e empresários. O tema foi discutido nas edições de 2016 e 2017 do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). Ao menos duas conclusões saíram desses encontros: a indústria mundial empregará cada vez menos pessoas, e as que restarem precisarão estar absolutamente conectadas com os avanços tecnológicos.
Reportagem publicada na edição 62, lançada em outubro de 2018
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