Um laser vermelho que consegue brilhar por meio da carne de um frango cru pode não parecer tão inovador, mas, para a tecnóloga Mary Lou Jepsen, gerou US$ 28 milhões em fundos para sua startup recém-criada, a Openwater.
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Mary apresentou essa invenção em sua palestra no TED, em agosto do ano passado, a fim de mostrar como sua empresa de tecnologia de imagem está construindo aparatos rentáveis para exames corporais, utilizando os mesmos componentes que alguém encontraria em uma feira de ciência. Na apresentação, a luz do ponteiro do laser fez com que a pele e os ossos da carcaça do animal ficassem iluminados, revelando um tumor sob a carne. Essa simples demonstração mostra a ciência por trás do que a Openwater tenta fazer: diagnósticos feitos por peças eletrônicas que oferecem uma resolução maior do que máquinas multimilionárias de ressonância magnética, mas que custam o mesmo preço de um smartphone.
Da mesma forma que o tumor do frango bloqueou a luz do laser e não foi iluminado como as outras partes da carne, os utilitários da Openwater vão capturar imagens registrando as partículas de luz e os espaços escuros pelos quais não conseguem se disseminar. Raios-X usam radiação, e máquinas de ressonância magnética usam um campo magnético e ondas de rádio, pois elas podem atravessar o corpo humano e produzir uma imagem. No entanto, segundo Mary, luzes vermelhas e infravermelhas também têm a capacidade de realizar esse procedimento.
O método de Mary é parecido com a forma como hologramas são feitos e utiliza uma câmera e chips de exibição, que podem ser encontrados em um simples smartphone. Foi essa ideia que conquistou investidores para o projeto. A fundadora liderou o setor de telas da Intel e o grupo de pesquisa semi-secreto Google X e ainda ajudou a desenvolver a Oculus, após o Facebook comprar a companhia de óculos de realidade virtual em 2014. Mas a ideia da Openwater surgiu com a mensagem em holograma da Princesa Leia, no filme “Star Wars”, para Obi Wan Kenobi. A criadora da empresa tinha como objetivo de vida construir hologramas iguais aos do filme.
Com a ajuda de lasers e ilusões de óptica, Mary fez seu primeiro holograma quando ainda era graduanda de engenharia na Universidade Brown, nos Estados Unidos. Posteriormente, utilizaria suas habilidades para desenvolver monitores de computador e óculos de realidade virtual nas maiores empresas de tecnologia do mundo.
No entanto, naquela época, hologramas não serviam para pagar as contas, já que a holografia era vista como uma tecnologia frívola e sem aplicação, que não recebia investimentos. “Precisei descobrir uma forma de apoiar meu trabalho. Basicamente, passei um tempo da minha vida ganhando US$ 12 mil por ano, simplesmente pelo fato de que eu morreria se não continuasse fazendo hologramas”, conta Mary.
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Sua paixão por hologramas a levou para Melbourne, Austrália, onde trabalhou como professora de ciência da computação, no Instituto Real de Tecnologia. Isso a ajudou a colocar hologramas como um dos investimentos do país. Em Colônia, na Alemanha, ela construiu algumas das maiores exibições holográficas do mundo, incluindo a projeção de um edifício histórico em um quarteirão da cidade. Ainda assim, não sentia que seu trabalho era levado a sério e achou que precisaria de um Ph.D.
Dores de cabeça perseguiram a inventora enquanto ela tentava tirar seu doutorado na Universidade Brown. Quando criança, Mary era hospitalizada frequentemente por uma doença sanguínea que os médicos não conseguiam diagnosticar. Com a jornada do doutorado, ela voltou a ficar no hospital, e os médicos não conseguiam apontar a causa de sua dor debilitante. Aos 30 anos, Mary estava pronta para desistir. E ela teria feito isso se não fosse por um colega que pagou uma ressonância magnética para descobrir o que acontecia. Assim, descobriram que era um tumor cerebral. Após passar por uma cirurgia e entrar em um regime de medicamentos, ela finalizou seu Ph.D. e cofundou sua primeira empresa.
A MicroDisplay, da qual Mary foi diretora técnica, fazia pequenos chips de silicone com cristais líquidos para os primeiros projetores comerciais no mercado. Segundo a técnica, essa mesma tecnologia é encontrada hoje em telas de realidade virtual e realidade aumentada. O esforço feito no começo de toda essa jornada durou até a inventora se juntar ao time da Intel para liderar o setor de telas em 2004. Após o fechamento da divisão, ela voltou a ser professora, dessa vez, no laboratório de mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
Lá, a ideia de tecnologia acessível para todos tomou conta. Mary e seu colega Nicholas Negroponte lançaram o projeto One Laptop Per Child (Um Laptop por Criança, em tradução livre), organização sem fins lucrativos que fazia e vendia laptops baratos para escolas ao redor do mundo. Negroponte ficou responsável por desenvolver um modelo de negócio, vendendo computadores para impulsionar a educação, enquanto Mary ficou responsável por construir as máquinas. “Na época, laptops custavam US$ 2 mil, somados a US$ 2 mil do software”, afirma a técnica. “O preço não precisava ser tão caro, mas as empresas queriam vendê-los naquela faixa de preço.”
Isso levou à criação de sua segunda startup, a Pixel Qi, uma fabricante de telas de laptops e tablets de baixo custo com base em Taiwan. “Eu só queria ajudar a ativar telas de baixa frequência mais rapidamente, mas foi então que a crise econômica chegou”, diz.
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Com a crise, a Pixel Qi não conseguiu se manter diante de gigantes como a Apple. Em 2012, justamente quando a segunda companhia de Mary fracassava, ela conheceu Sergey Brin, cofundador do Google, que a colocou no time do Google X. Em 2014, sua carreira estava de volta aos trilhos, mas, quando passou a trabalhar para o Facebook, em 2015, percebeu que os campos de realidade virtual e aumentada eram muito tumultuados para seu gosto. Foi assim que sua paixão por hologramas e suas experiências vividas com profissionais médicos se juntaram.
Agora, Mary e o time da Openwater trabalham para transformar a tecnologia utilizada para realizar o diagnóstico de câncer e outras doenças.
“Houve pouca inovação na área nas últimas três décadas”, aponta a técnica. Máquinas de ressonância magnética são caras e enormes. “Você literalmente deita entre um ímã de duas toneladas”, comenta. Segundo ela, a inovação é o dilema do inventor clássico. “Por acaso, tenho bastante conhecimento da cadeia de suprimentos eletrônicos de consumo, já que tive muitas experiências com eles, movimentando bilhões de dólares em produtos”, acrescenta.
Mary tem usado seu conhecimento da infraestrutura de fabricação de produtos eletrônicos de consumo, obtido quando trabalhava para a Pixel Qi, para desenvolver a Openwater. Seu maior objetivo é fazer com que a imagiologia médica seja mais barata e acessível, utilizando peças da cadeia de suprimentos, como lasers infravermelhos, câmeras e chips de exibição que podem ser encontrados em smartphones e laptops.
“Cuidados com a saúde são muito caros. Pessoas estão morrendo. Como podemos usar a infraestrutura de fabricação de produtos eletrônicos?”, questiona Mary. “Essa infraestrutura tem sido ignorada pela indústria da saúde porque eles não têm conhecimento de eletrônicos de consumo.”
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Os protótipos ainda têm um tamanho avantajado, com telas LCD para luzes e chips de câmera. Mas a tecnóloga está em uma batalha a longo prazo. “A questão é que você pode pensar em um plano maior e mais ousado para seguir em frente. É possível encontrar sempre algo novo para fazer.”