Apesar dos comentários contrários à China feitos pelo presidente Jair Bolsonaro durante sua campanha nas eleições do ano passado, o investimento chinês em empresas brasileiras deverá aumentar neste ano, inclusive em setores nos quais os investidores do país asiático têm pouca ou nenhuma presença. Segundo dados da agência Mergermarket, em 2018 empresas chinesas adquiriram cinco brasileiras, com um valor somado de US$ 2,1 bilhões, uma queda de 69,4% em comparação ao investimento desse tipo feito em 2017 (US$ 6,8 bilhões em seis transações).
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Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), diz que, apesar dos arroubos do presidente, funcionários do alto escalão do governo Bolsonaro ajudaram a restaurar a confiança de investidores chineses, que continuam a ver o Brasil como um mercado-chave em setores como energia, agronegócios e a infraestrutura. Em menos de 10 dias, o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, realizou reuniões a portas fechadas com o ministro de Segurança Institucional do país, Augusto Heleno, e com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
De acordo com Tang, muitas empresas chinesas vão buscar “algum tipo de acordo” quando o presidente chinês, Xi Jinping, visitar o Brasil em outubro para participar da 11ª cúpula dos BRICS. “Isso seria ótimo para CEOs de corporações chinesas.”
Bolsonaro fez com que os investimentos chineses se sentissem inseguros durante a campanha presidencial ao realizar uma viagem para Taiwan, território considerado pela China como uma província separatista, e declarar que “a China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil”.
Olho gordo no setor de energia
Para Tang, os chineses devem desempenhar um papel ativo em projetos de engenharia no setor de energia do Brasil, ocupando o lugar de empresas locais impactadas pela Operação Lava-Jato. O leilão do governo para selecionar um parceiro para a construção da usina nuclear de Angra 3 pode ser vencido por uma empresa da China, segundo o presidente do CCIBC. O leilão, que deve acontecer no segundo semestre, tem atraído o interesse de pelo menos duas companhias chinesas: a State Nuclear Power Technology Corporation e a China National Nuclear Corporation.
Também é de se esperar que os investidores chineses participem da sexta rodada de petróleo e gás do Brasil, bem como de projetos locais de energia renovável, conforme previsão de Daniel Lau, consultor financeiro da China.
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Leilões do setor de infraestrutura, como o projeto da Ferrovia Ferrogrão, devem ser outros a atrair o interesse da China, que procura cada vez mais projetos de infraestrutura sustentável no Brasil, de acordo com Lau. Possíveis licitantes para o projeto da Ferrogrão incluem a China Communications Construction Company e a empresa de comércio de grãos COFCO. “O foco principal é planejamento e construção. O gerenciamento também pode ser interessante, mas não é a primeira escolha.”
Um assessor local declarou que a indústria brasileira de agronegócio é outro terreno fértil para os chineses, especialmente na atual guerra comercial EUA-China, que levou os compradores asiáticos a buscar commodities em outros lugares. De fato, o recorde das exportações de soja no Brasil em 2018 foi resultado da decisão chinesa de aumentar as tarifas sobre as importações de soja dos EUA.
Novos jogadores, novas fronteiras
Depois de sua eleição presidencial, e com o impulso na economia brasileira, Tang e Lau acreditam que muitas empresas chinesas buscarão se aventurar no Brasil pela primeira vez.
No início deste mês, a agência Mergermarket informou que a China Huadian Corporation procura oportunidades de investimento no setor de energia do Brasil. O grupo estatal de geração de eletricidade enviou recentemente uma delegação ao país para analisar dois projetos locais: uma termelétrica a gás natural liquefeito e uma usina hidrelétrica.
Ainda há a esperança de que os investidores chineses invistam em setores com pouca ou nenhuma presença, segundo o presidente do CCIBC. Neste ano, o setor de transformação de resíduos em energia do país, por exemplo, provavelmente receberá seu primeiro investimento chinês.
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A indústria local de saneamento básico também está sujeita a investimentos chineses, já que algumas empresas asiáticas têm mapeado oportunidades nesse espaço, conforme explicação do consultor financeiro da China. Os alvos de interesse incluem projetos de tamanho médio interrompidos ou que ainda não saíram do papel. “A ideia é começar com projetos de tamanho médio e, mais tarde, envolver-se com grandes projetos, como aconteceu no setor de energia”, diz Lau.
A indústria brasileira de tecnologia é outra no radar dos investidores chineses. As metas de interesse incluem sites brasileiros de comércio eletrônico e desenvolvedores de aplicativos móveis.
Charles Tang observa que os “jogadores” chineses também estão interessados em investir em provedores brasileiros de serviços de pagamento. “Na China, ninguém usa cartões de crédito, cheques e nem dinheiro. Tudo é feito através da plataforma WeChat, e as empresas chinesas podem trazer suas soluções de pagamento para o Brasil.”