Nos últimos cinco meses, dois aviões de um novo modelo de uma das principais fabricantes do mundo caíram, matando 346 pessoas entre passageiros e tripulantes. As causas – e a possível relação entre os dois acidentes – são de grande preocupação para viajantes, companhias aéreas e, principalmente, para a Boeing. As ações da companhia caíram 5% ontem (11), um dia após o acidente com um 737 Max 8 da Ethiopian Airlines, fato que levou companhias aéreas de inúmeros países a retirarem o modelo de operação.
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No entanto, alguns analistas e especialistas em segurança afirmam não há evidências suficientes ainda para concluir que o avião da Boeing apresenta problemas de funcionamento. “No momento, os fatos apresentados não justificam uma proibição de decolagem”, afirma John Goglia, ex-investigador de acidentes e membro do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA.
O episódio pode não causar muito impacto nos resultados da Boeing. De acordo com Richard Aboulafia, analista do Teal Group, é improvável que as entregas da aeronave sejam postergadas, a menos que mais companhias aéreas tirem o avião de operação. Segundo ele, a maioria das empresas que planejavam grandes encomendas de aviões com corredor único já fizeram os pedidos. “Ninguém vai desistir dos pedidos existentes, já que não há sinais de algo errado com o design da aeronave.”
O acidente da Ethiopian Airlines aconteceu depois do da Lion Air, com a mesma linha de aeronave, em 29 de outubro, na Indonésia. Os investigadores não divulgaram a determinação final sobre o acidente anterior, mas especialistas dizem que há motivos para suspeitar do treinamento e da experiência dos pilotos em ambos os casos.
O voo 302 da Ethiopian Airlines caiu no domingo (10), seis minutos após a decolagem da cidade de Addis Ababa, capital da Etiópia. Dados de rastreamento por satélite sugeriram que os pilotos estavam lutando para controlar o avião. Assim como no acidente da Lion Air, a taxa de subida do jato da Etiópia variou de forma irregular, com o bico da aeronave inclinando para cima e para baixo. O acelerador estava em modo avançado para fornecer um forte impulso, e havia uma alta taxa de subida, o que sugere ao ex-investigador Goglia que o piloto pode ter desligado os controles automáticos de correção de afinação, que também foram o foco da investigação do acidente da Lion Air. No entanto, o avião só conseguiu subir cerca de 1.200 pés de altitude antes de cair, e o acelerador fez com que a aeronave atingisse uma velocidade perigosamente alta, de cerca de, aproximadamente, 708 km/h.
Ao mesmo tempo em que a Ethiopian Airlines mantém uma boa reputação quando se trata de segurança, a empresa também vem se expandindo de maneira apressada em um momento de crescente demanda por pilotos ao redor do mundo, e especialistas questionaram a experiência dos comandantes do voo 302. A companhia aérea disse que o copiloto Ahmed Nur Mohammod Nur tinha apenas 200 horas de voo, enquanto, nos EUA, são necessárias 1,5 mil horas para ocupar a posição em um avião comercial.
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O capitão Yared Getachew, de 29 anos, era o mais novo a comandar um 737 na Ethiopian Airlines, disseram parentes à imprensa. Ele tinha mais de 8 mil horas de voo, segundo a companhia aérea, que é uma quantia justa para Keith Mackey, consultor de segurança, ex-piloto e investigador de acidentes. No entanto, só é possível dizer se sua experiência era suficiente para pilotar o 737 Max se soubermos quais foram os aviões que ele comandou anteriormente – se eram modelos automatizados da Airbus ou mais antigos. Esses detalhes não foram divulgados.
No caso do acidente da Lion Air, um relatório preliminar de investigadores indonésios sugere que os pilotos do avião tiveram um problema com o sistema automático anti-stall, que parece ter sido ativado por causa de leituras errôneas de um sensor, fazendo a aeronave dar um mergulho.
Ainda não se sabe se esses controles automáticos, chamados de Sistema de Aumento de Características de Manobra (MCAS, na sigla em inglês), também desempenharam um papel no desastre da Etiópia.
A Boeing foi acusada de não ter informado pilotos e companhias aéreas de forma adequada sobre os controles do MCAS, que são novidade no 737 Max. A fabricante disse que os manuais dos pilotos já continham instruções sobre como substituir outros sistemas automáticos de afinação que poderiam empurrar o bico da aeronave para baixo, etapas que também desligam o sistema automático.
A Administração da Aviação Federal dos EUA (US Federal Aviation Administration) disse ontem que ainda não havia evidências suficientes para tirar o 737 Max 8 de circulação e que exigirá atualizações do MCAS até o final de abril deste ano.
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Os investigadores de acidentes Mackey e Goglia dizem que pilotos devidamente treinados teriam sido capazes de reconhecer avisos sonoros e visuais e acertar os interruptores para desativar os sistemas. “Isso põe em dúvida o treinamento deles”, afirma Goglia. “Há muitos indicadores que colocam em questão outros fatores além do avião.”
Viagens aéreas estão crescendo em todo o mundo, com a fabricação de motores a jato mais eficientes e o barateamento do custo das passagens. Até 2037, o número anual de passageiros de companhias aéreas deve dobrar para 8,2 bilhões em todo o mundo, com 54% do crescimento vindo da região Ásia-Pacífico. Consequentemente, as empresas de países emergentes estão se expandindo rapidamente, e há uma alta demanda por pilotos. “A questão da qualidade dos pilotos disponíveis para contratação é uma preocupação para muitas pessoas”, diz Goglia.
De acordo com Mackey, em países em desenvolvimento com setores menores de aviação militar e privada, pilotos podem acabar no controle de aeronaves de grande porte com menos horas de voo do que o indicado. Esses mesmos fatores limitam o time de mecânicos treinados, o que pode levar a problemas de manutenção em companhias aéreas em crescimento.
O sensor de ângulo do avião da Lion Air registrou leituras incorretas de velocidade nos quatro voos que aconteceram antes do acidente, segundo o Comitê Nacional de Segurança de Transporte da Indonésia. A companhia disse que o sensor havia sido substituído no dia anterior ao voo.
A Boeing e a Airbus têm automatizado mais funções em seus aviões, embora uma proporção crescente de suas vendas venha de companhias mais jovens, em países emergentes, e a decisão da Boeing de não informar sobre seu novo sistema tem sido fundamental para isso, comenta Mackey. “A Boeing está tentando não confundi-los com muitas informações adicionais. A empresa imaginou que a novidade seria algo automático e que a equipe a bordo não precisava saber sobre ela”, diz. “E agora a companhia está sendo encurralada por ter tomado esta decisão. É uma questão complicada.”
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