Resumo:
A aquicultura é a criação de peixes – seja em tanques na terra ou em gaiolas posicionadas em fiordes noruegueses ou reservas tailandesas – e é a primeira parte do processo de aquaponia;
A outra parte é a hidroponia, ou seja, o cultivo de plantas por meio de uma solução de água e nutrientes em que as raízes são suportadas por um meio que não o solo;
O rendimento da aquaponia pode ser o dobro da média da agricultura vertical;
A redução dos níveis de fertilizantes do processo pode chegar a 90%;
Bactérias ruins, como a E. coli e outros patógenos, também podem ser eliminadas;
A chave da biodiversidade é a construção de redes alimentares, ou seja, cultivar além dos peixes e plantas, o microbioma em si;
As estruturas de custos estão mudando, com o barateamento de determinados insumos, em favor do crescimento da produção indoor.
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Você sabe de onde vêm os ingredientes do seu jantar? De uma propriedade rural ou do Oceano Atlântico? E se viessem de um laboratório, um computador ou uma fazenda de insetos? Novos sistemas e avanços científicos estão se proliferando e mudando a forma como e onde os alimentos são produzidos.
Entre as mais poderosas está o microbioma e o seu papel frequentemente oculto no nosso sistema alimentar, do solo ao intestino.
Uma das empresas que está inovando com esses modelos e descobertas é a Edenworks, uma fazenda de aquaponia – sistema de produção de alimentos que combina a aquicultura convencional com a hidroponia em um ambiente simbiótico – na cidade de Nova York. A Forbes conversou com o CEO e cofundador da empresa, Jason Green, sobre o microbioma, abordando não só todo o ecossistema, como também o futuro da aquaponia.
Forbes: O que a Edenworks faz?
Jason Green: A Edenworks é a fazenda indoor com a maior biodiversidade do mundo. Nossa missão é substituir o suprimento atual de alimentos globalizados por produtos locais, orgânicos e de baixo custo. Nós projetamos e operamos fazendas verticais, onde plantamos verduras, mas cultivamos também o salmão e o camarão – tudo por meio da aquaponia.
F: O que você quer dizer com “aquaponia” e quais são seus benefícios?
JG: A aquicultura é a criação de peixes – seja em tanques na terra, como estamos fazendo no Brooklyn, ou em gaiolas posicionadas em fiordes noruegueses ou reservas tailandesas. É isso que quer dizer a primeira parte do processo de aquaponia. A outra metade é a hidroponia, ou seja, o cultivo de plantas por meio de uma solução de água e nutrientes em que as raízes são suportadas por um meio que não o solo.
Acreditamos que a aquaponia oferece um modelo melhor para nós, não só para os consumidores, como também para o planeta. Nosso rendimento é mais do que o dobro da média na agricultura vertical e fazemos isso ao mesmo tempo em que reduzimos os níveis de fertilizantes em 90%. Nosso trabalho elimina as bactérias ruins, como a E. coli e outros patógenos, que representam séria preocupação para os consumidores: as folhas verdes respondem, sozinhas, por 22% de todos os casos de doenças transmitidas por alimentos nos EUA, uma taxa mais alta do que a de qualquer outro alimento. A maneira como estamos cultivando e trabalhando baseia-se em um processo mais seguro. E, em termos de sustentabilidade, não usamos adubo ou produtos químicos, assim como também não geramos nenhum escoamento de nossa agricultura ou aquicultura.
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F: Por que você considera a Edenworks como a maior fazenda indoor de biodiversidade do mundo?
JG: A chave da biodiversidade é a construção de redes alimentares. Atualmente, cultivamos quatro espécies de peixes, mais de 80 variedades de verduras e todo o resto, de tomates a nabos. Mas a biodiversidade não se baseia em quantos tipos diferentes de verduras eu consigo cultivar, mas sim quantas camadas diferentes eu posso construir na minha teia alimentar. Isso é o que os ecossistemas são. Não estamos apenas cultivando peixes e plantas, estamos cultivando o microbioma.
F: Você poderia descrever o microbioma e a forma como ele está relacionado aos nossos sistemas alimentares?
JG: O microbioma é a camada invisível das bactérias e fungos em todos os seres vivos. Nós estamos mais familiarizados com o tema por meio do microbioma intestinal. Muitas das nossas funções biológicas básicas, como digerir alimentos, absorver nutrientes e regular os hormônios são feitas pelas bactérias que nos habitam. Antes, todas as bactérias eram tidas como ruins, mas, agora, entendemos que o microbioma desempenha uma função essencial em nosso sistema imunológico. Até mesmo a saúde do nosso cérebro é impulsionada pelas bactérias em nossas entranhas. E doenças como a depressão estão agora ligadas a distúrbios digestivos.
Assim como os humanos, as plantas também têm microbiomas. Considerando que a ciência das plantas tem sido amplamente focada em produtos que suprem o microbioma, agora sabemos que ele é o fator que permite a absorção de nutrientes e a resistência a doenças, o que, consequentemente, leva ao rendimento. A única maneira de obter esse benefício é por meio de ecossistemas inteiros. Não é possível cultivar um microbioma saudável em uma monocultura. O uso de fertilizantes e pesticidas reduz o número e a diversidade de micróbios no meio ambiente. Um grama de solo de uma fazenda produtiva conta com cerca de 100 milhões a 1 bilhão de células bacterianas, em comparação as 10 mil em solos degradados, que contam com a aplicação de produtos químicos.
F: Como as descobertas do microbioma estão mudando a indústria de alimentos?
JG: O microbioma foi chamado de metade oculta da natureza. É a área mais excitante da ciência e tecnologia atualmente. Está realizando descobertas sobre os fundamentos da saúde humana. E é a vertical mais bem financiada dentro da tecnologia agrícola. A Indigo Ag, por exemplo, é a empresa de maior capitalização do setor – levantou mais de US$ 600 milhões para o desenvolvimento de sementes que cobrem micróbios, podendo melhorar os rendimentos em 10% a 15% no campo.
Na Edenworks estamos mostrando que cultivar um grande e saudável ecossistema em ambientes internos, otimizando a saúde do microbioma, é cerca de 50 vezes mais eficaz e potente do que a produção em campos maiores com a pulverização de fertilizantes. Ao cultivar peixes e usar seus resíduos para fertilizar nossas plantas, nossa estratégia de biodiversidade alcança interações não apenas entre as plantas e os animais, mas também dentro do próprio microbioma que regula todo o sistema.
F: Os produtos de aquaponia são acessíveis para grande parte dos consumidores? Como eles estão mudando a estrutura de custos?
JG: Para a agricultura indoor em escala, ela precisa estar em paridade de valores com a produção no campo. As estruturas de custos estão mudando em favor do crescimento da produção indoor: comprar nossos vegetais já lavados, embalados e prontos para comer no Whole Foods é mais barato do que comprar a granel do maior distribuidor de Nova York. Esta é uma transformação dramática do setor.
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O cultivo em campos tradicionais está sob enorme pressão. O trabalho está ficando mais caro. O rendimento pode variar 25% ou mais entre cada colheita. Tudo isso tem um impacto nas fazendas. Ao crescer de maneira indoor, é possível ter um processo de produção mais previsível. Além disso, estamos nos beneficiando de uma enorme curva de custos de tecnologia. Os preços da iluminação de LED, por exemplo, diminuíram bastante. O custo de um diodo (componente elétrico) caiu cerca de 90% nos últimos cinco anos. Ao mesmo tempo, a automação está ficando muito mais barata. E com o desenvolvimento de novas ferramentas genéticas, podemos quantificar o que está em nosso microbioma a fim de melhorar continuamente a qualidade, aumentar a produtividade e reduzir custos.
F: Você acha que a agricultura indoor – e a aquaponia, particularmente – é um modelo escalável nos Estados Unidos e no mundo?
JG: Sim. A proporção de peixes em reservas é, atualmente, ainda maior que a dos peixes selvagens. E estamos prevendo uma explosão da agricultura indoor. Alguns projetos de US$ 500 milhões estão sendo desenvolvidos nos EUA. A maior empresa de cultivo de camarão do mundo, na Tailândia, está trabalhando para que 100% de sua produção seja em ambientes fechados dentro de cinco anos. Novos empreendimentos indoor estão surgindo em lugares como a China, especialmente nas megacidades. Parte disso é motivado por preocupações em relação à segurança dos alimentos. O histórico de fabricação da China levou à contaminação por metais pesados no solo, portanto, muitos têm movido a produção de frutas e legumes para estufas e fazendas verticais.
F: Como você vê o futuro dessa indústria?
JG: Nos EUA, estamos preparados para um crescimento maciço da aquicultura. O país já é terceiro maior consumidor de frutos do mar do mundo, seguido pela China e Japão. Os norte-americanos importam 90% dos frutos do mar que consomem. Portanto, há uma certa urgência econômica e de segurança alimentar. Além disso, os EUA têm os menores custos de eletricidade industrial do mundo. É mais barato comprá-la em muitas partes dos EUA do que nas principais zonas industriais da China, o que torna mais acessível construir uma instalação de aquicultura por aqui em vez de em outros lugares.
Houve uma explosão de projetos em todo o mundo, mas eles ainda não estão em escala. O ponto de inflexão pode vir assim que tivermos a tecnologia correta a fim de demonstrar lucratividade. Há uma enorme concorrência no mercado de agricultura e aquicultura em locais fechados, e o capital está fluindo. Temos pessoas realmente inteligentes trabalhando nisso, o que me faz acreditar que, em aproximadamente cinco anos, conseguiremos atingir o ápice.
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