Resumo:
- Analistas financeiros enxergam o sistema de blockchain como uma possível solução para crises financeiras internacionais;
- Um dos exemplos desse sistema agindo entre mercados estrangeiros são as chamadas linhas de troca cambial;
- Um dos desafios é expandir para países fora do G10.
Muitas pessoas andam falando sobre como as criptomoedas e o blockchain estão em desacordo com os objetivos da política e dos Estados-nações, especialmente com o surgimento da libra, pelo Facebook, e da reação de autoridades políticas pelo mundo. No entanto, existem áreas de colaboração nas quais o espírito do bitcoin e as criptomoedas que ele gerou reduziriam a volatilidade normalmente causada pelo sistema financeiro convencional.
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Um dos resultados mais subestimados da grande recessão de 2008 foi como ela revelou os pontos fortes e fracos de uma economia global integrada e estimulou inovações que quebravam a regra de políticas monetárias que variam de nação para nação. Um dos mecanismos mais diretos para isso foi a alta das trocas cambiais: linhas abertas onde bancos centrais concordam em trocar suas moedas domésticas para ajudar a aliviar problemas financeiros em jurisdições estrangeiras que afetam moedas domésticas globalizadas.
Essa tática foi testada na Iniciativa Chiang Mai (CMI), um acordo de trocas cambiais assinado por países do Sudeste Asiático, em 2010, e na crise financeira asiática. Mas a crise financeira global de 2008 foi a primeira vez em que esse esquema regional se tornou global, e é apenas agora que as criptomoedas e o blockchain estão assumindo um papel experimental.
No dia 12 de dezembro de 2017, o Fed expandiu as linhas de swap em dólar com o Banco Central Europeu (ECB) e o Banco Nacional Suíço (SNB), permitindo que ambos cumprissem sua demanda por dólares norte-americanos. As demandas europeias e suíças pela moeda estava, na verdade, afetando mercados de financiamento de curto prazo e taxas de juros. Os swaps cambiais permitiram ao Fed aliviar essa pressão sem ter que financiar bancos estrangeiros diretamente. Em vez disso, o ECB e o SNB entraram no mercado norte-americano.
Depois que a Lehman Brothers declarou falência, o Fed decidiu expandir as linhas de swap para outros bancos centrais do G10, bem como para bancos centrais menos estabelecidos “conforme necessário para lidar com tensões nos mercados financeiros em outras jurisdições.”
Mas o Fed não estava fazendo isso sozinho. Logo, o Banco Central Europeu mandaria euros à Suécia e o Banco Nacional Suíço mandaria francos suíços ao ECB. Bancos pelo mundo todo fizeram muitos empréstimos em moedas estrangeiras, e bancos centrais precisavam ter reservas nessas moedas para alcançar sua demanda. Como resultado, uma economia global e integrada precisava de uma resposta monetária coordenada.
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Uma das decisões mais interessantes para bancos centrais era expandir suas linhas de swap. Quais governos e bancos centrais fora do G10 também teriam esse privilégio? No fim, o Fed decidiu também expandir suas linhas para o Brasil, México, Singapura e Coreia do Sul – todos países fora do G10. Os critérios dessas escolhas não foram bem estabelecidos – além do fato de que a instabilidade dessas economias poderia afetar os Estados Unidos. No entanto, isso mostrou o que acontece quando um banco central, que depende da confiança de seus usuários, tem que escolher em quais outros bancos centrais confiar.
Em 2013, o Fed decidiu manter suas linhas de swap cambial abertas indefinidamente durante a crise, transformando uma solução temporária em uma barreira permanente no sistema financeiro global e fazendo com que bancos com empréstimos em moedas estrangeiras pudessem custear alguns dos riscos de serem inadimplentes.
Os swaps cambiais são decisões políticas – e bancos centrais recorreram a garantias colaterais para aqueles parceiros nos quais não confiavam completamente. Cada extensão de contrato de swap cria um risco moral para o emissor: os bancos europeus até queriam dólares norte-americanos porque eles já haviam estendido suas capacidades de empréstimo demais. Um contrato de swap com o Fed garante que eles jamais irão enfrentar as consequências financeiras dessa extensão.
No meio dessa discussão inebriante de políticas e essa nova ferramenta monetária entra a primeira tentativa de contrato de swap cambial bilateral entre a Autoridade Monetária de Singapura e o Banco do Canadá, feita pela Distributed Ledger Technology (registros difundidos, em português) ou DLT – tecnologia que mantém um registro descentralizado de todas as transações realizadas. Em uma palestra na conferência de negócios de blockchain do MIT, Sopnendu Mohanty, o chefe de finanças e tecnologia da Autoridade Monetária de Singapura, mencionou a troca pioneira explicitamente e expandiu o assunto: “A próxima onda de projetos de blockchain de bancos centrais poderá progredir ainda mais se juntar a exploração das opções tecnológicas com questões políticas sobre o futuro de pagamentos além das fronteiras”.
No palco, ele falou sobre a tecnologia de “distributed ledgers” como uma potencial solução para lidar com bancos centrais que não estão estabelecidos no sistema financeiro global no grupo G10, e mencionou o desenvolvimento de novos projetos-piloto de contratos cambiais de swap de moedas transnacionais impulsionados pela DLT.
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No discurso político canadense que menciona o experimento doméstico com a DLT (chamado de Projeto Jasper), no qual o Banco do Canadá iria embarcar, o mercado financeiro e os swaps de moedas transnacionais foram mencionados, com a entidade financeira afirmando que “uma estimativa sugere que a DLT pode permitir que os bancos economizem até US$ 20 bilhões em um ano em custos administrativos globais se aplicada a pagamentos internacionais, comércio de títulos e conformidades regulamentares”, quase a mesma quantidade de dinheiro investida em fintechs todos os anos.
É claro que a DLT pode ajudar a solidificar a formação de swaps cambiais, mesmo entre bancos centrais parceiros que podem ter motivos para desconfiar um do outro. A tecnologia e o blockchain possibilitam que as entidades financeiras realizem acordos internacionais quase instantaneamente, permitindo que fundos tão necessários fluam rapidamente em tempos de crise.
Além disso, no entanto, há uma admissão tácita de que alguns dos princípios do bitcoin e as criptomoedas que ele gerou paradoxalmente solucionaram algumas fraquezas fundamentais na evolução do sistema financeiro global.
Contratos de swap são uma versão diplomática da realidade de que políticas monetárias domésticas são corroídas por mercados financeiros estrangeiros. A habilidade de realizar transações sem um limite alto de segurança e com a necessidade de realizá-las imediatamente remete a um princípio fundamental da criptoeconomia.
Embora muito tenha sido escrito sobre as tensões entre criptomoedas e bancos centrais, na verdade nós podemos estar em uma constante dialética onde o sistema financeiro global é a tese, criptomoedas são a antítese e a síntese dos dois ainda está por vir.
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