Resumo:
- John Zachary DeLorean criou o primeiro “muscle car” dos Estados Unidos;
- Ele vendeu aos norte-americanos uma visão nova e sensual da velocidade e do luxo;
- Enquanto sua criação final alçou voo em “De Volta para o Futuro”, na vida real ela desabou em meio a um escândalo.
John Zachary DeLorean foi, indiscutivelmente, um engenheiro brilhante. Executivo ambicioso e exibicionista que escapou da cultura sisuda e subserviente dos anos 1950, ele se mostraria um dos primeiros modelos do moderno visionário norte-americano – como Jobs, Bezos, Zuckerberg – que deixa o convencional de lado, em busca de uma visão singular. No caso dele, isso significava tentar criar o melhor carro esportivo que o mundo já havia visto.
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Ele também foi acusado de ladrão, impostor, fraudador e de ser um vigarista descarado que enganou todas as pessoas com quem fez negócios, de celebridades a superpotências, subtraindo milhões de dólares delas nesse processo. Howard Weitzman, antigo advogado e fiel defensor de DeLorean, afirmou ao “Los Angeles Times” após a morte do engenheiro, ocorrida em 2005, que “John DeLorean tinha uma das visões mais deformadas do certo e do errado” que ele já havia encontrado.
Então, como o homem por trás do primeiro “muscle car” dos Estados Unidos se tornou uma figura com um legado tão desvirtuado? Porque, à semelhança do carro pelo qual ele é mais famoso – o DMC-12, um ícone cultural graças a seu papel de destaque nos filmes da série “De Volta para o Futuro” –, ele é celebrado por sua visão elegante e imaginativa do futuro e amplamente ridicularizado por seus espetaculares e sórdidos fracassos.
Os primeiros anos
Filho de operários imigrantes, John Zachary DeLorean nasceu em 6 de janeiro de 1925 e cresceu em um bairro predominantemente proletário na zona leste de Detroit. O pai, Zachary, era dirigente sindical e trabalhador de fundição na Ford Motor Company. A Drivetribe, uma plataforma comunitária online para entusiastas dos automóveis, relatou que seu “inglês ruim e problemas com o álcool impediram que ele progredisse além do chão de fábrica”.
A mãe de John, Kathryn, trabalhava na General Electric e tentava segurar as pontas em casa. O “Hemmings Daily” relatou que, quando as coisas ficavam particularmente difíceis, ela levava os meninos para a casa da irmã, em Los Angeles. Tem-se especulado que John desenvolveu seu amor pelo estilo de vida californiano durante essas escapadas.
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Sua educação foi interrompida pela 2ª Guerra Mundial (ele serviu o exército), mas ele acabou concluindo um mestrado em engenharia automobilística e, mais tarde, um MBA na Universidade de Michigan. Ele iniciou sua carreira automotiva oficialmente em 1952, quando entrou para a equipe de pesquisa e desenvolvimento da Packard Motor Car Company. Em pouco tempo, tornou-se uma estrela em ascensão na empresa – e no setor.
Em 1956, DeLorean assumiu o cargo de engenheiro na Pontiac, divisão da General Motors. Na época, a GM era a maior empresa do mundo e o local certo para trabalhar, mas a Pontiac enfrentava dificuldades com a identidade da marca e não estava se conectando com a juventude norte-americana, que, de repente, havia se tornado uma nova e enorme força de consumo a impulsionar a emergente cultura automobilística do país. Essa divisão parecia fabricar apenas carros convencionais para adultos mais velhos.
A Pontiac estava “realmente em apuros”, comenta J. Patrick Wright, autor de “On A Clear Day You Can See General Motors”, best-seller que conta tudo sobre a gigante automotiva. Era “como uma divisão para gente de idade”.
“Quando DeLorean saiu”, diz ele, “ela tinha se transformado na terceira melhor marca do setor automotivo, logo atrás de Chevy e Ford”.
Enquanto os outros executivos da GM se concentravam em criar automóveis imponentes, que pareciam descer a rua flutuando em uma nuvem, DeLorean tinha planos diferentes. Queria substituir aqueles veículos sóbrios por carros mais esportivos, máquinas que fossem ao encontro de uma cultura jovem mais interessada em velocidade do que em conforto. Quando Pete Estes tomou as rédeas da Pontiac em 1961 e DeLorean foi nomeado engenheiro-chefe da divisão, este aproveitou a oportunidade e fez sua equipe de engenharia instalar um motorzão V8 de 6,37 litros do grande Pontiac Bonneville no médio Pontiac Tempest. O resultado foi um carro manobrável, mas vigoroso, com um excedente de potência e torque propício para corridas.
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DeLorean batizou-o de Pontiac Tempest LeMans GTO, e o carro criou uma nova categoria que viria a ser conhecida como “muscle car”.
No entanto, a GM tinha uma regra rígida que proibia seus engenheiros de colocar motores grandes em carros menores para fazê-los correr mais. Assim, os altos executivos da GM nunca teriam aprovado o GTO conforme ele tinha sido concebido. Como mostra “Framing John DeLorean”, um filme novo dirigido por Don Argott e Sheena Joyce e contado à maneira de um documentário, com reconstituições dramáticas estrelando Alec Baldwin como DeLorean e um elenco de apoio formado pelos melhores atores coadjuvantes de Hollywood, o engenheiro encontrou uma brecha – com a aprovação de Estes, é claro – para justificar o alto desempenho do carro. Em vez de vender o carro como um modelo independente, o motor maior seria oferecido como um pacote opcional do Tempest 1964, ao valor de US$ 295. Os cupês equipados com GTO tinham preço inicial de US$ 2.852; os conversíveis, de US$ 3.081.
O pacote GTO foi um sucesso imediato. Houve uma avalanche de pedidos. A GM acabou vendendo 32.450 GTOs no primeiro ano de produção.
DeLorean foi recompensado generosamente por essa flagrante desobediência: em 1965, saltou à frente de vários engenheiros promissores e com mais tempo de serviço e se tornou, aos 40 anos, o mais jovem diretor-geral da Pontiac. Quatro anos mais tarde, foi nomeado diretor da Chevrolet, o mais jovem até então, e, em 1972, passou a comandar as operações norte-americanas de carros e caminhões da GM.
Além de ser excelente engenheiro, DeLorean também desenvolveu um talento para o marketing. Ele compreendeu algo que outros executivos do setor automobilístico ainda não tinham captado: os automóveis não são meras porcas e parafusos; o estilo é tão importante quanto. “Nenhum daqueles caras estava prestando atenção à questão da moda”, explica Wright. Quando DeLorean nos deu o Firebird, sua reputação alçou voo para muito além de Detroit.
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Antes do GTO, o estilo de vida de DeLorean estava adaptado à imagem de um executivo da GM: ele mantinha os cabelos curtos e arrumados, usava ternos conservadores, era casado e frequentava os eventos sociais certos. Tudo isso mudou com o advento do “muscle car”. Agora, ele era um astro do rock – ganhando dinheiro como um e levando aquele estilo de vida. Começou a malhar e a usar roupas descoladas e, em 1968, divorciou-se da primeira mulher, Elizabeth Higgins, depois de 14 anos de casamento, para passar mais tempo na Costa Oeste. Lá, convivia com a nata de Hollywood e saía com modelos e atrizes, como Ursula Andress, Joey Heatherton e Tina Sinatra.
Esse novo DeLorean era impetuoso, ainda mais arrogante, e empinava o nariz para a elite da GM – a qual, por esse motivo, tinha com ele uma relação de amor e ódio. Ele foi bem-sucedido por “não fazer o que lhe diziam para fazer” e, em vez disso, seguir seus próprios instintos, diz Wright. “As divisões estavam ganhando dinheiro, e boa parte do lucro ia para os bônus [daqueles executivos] no fim de cada ano. Eles adoravam seus bônus”, mesmo tendo passado a antipatizar com DeLorean. Aquilo virou um impasse da ganância.
Em 1969, DeLorean casou-se com a atriz Kelly Harmon, irmã do ator Mark Harmon (famoso pelo seriado Investigação Naval) e filha de Tom Harmon, uma lenda do futebol americano universitário, herói de guerra e locutor esportivo. Kelly tinha 20 anos. Ele, 44. O casal adotou um filho, Zachary, mas continuava a levar o estilo de vida da alta sociedade, evitando o meio social de Detroit.
“Mesmo ganhando US$ 650 mil por ano, se o trabalho não for satisfatório, você vai fazer outra coisa”
– John DeLorean, depois de sair da GM
Como se não bastasse o estilo de vida que irritava os colegas, o empenho dele por mudanças significativas na GM – como abandonar os carros grandes em favor de veículos menores e mais econômicos – era um sacrilégio.
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Porém, na primavera de 1973, tudo mudou. Harmon e DeLorean se divorciaram. Aí veio a infame apresentação no Greenbrier. DeLorean faria um discurso confidencial para 700 executivos da GM na conferência trienal da GM no Hotel Greenbrier, na Virgínia Ocidental. O assunto: como a má qualidade dos carros que eles estavam produzindo vinha prejudicando os resultados da GM. O discurso foi muito crítico. A equipe dele insistiu em que ele baixasse o tom, o que ele fez – mas uma cópia não editada da apresentação vazou misteriosamente e foi publicada pelo jornal “Detroit News”. Tanto seus apoiadores quanto seus detratores na GM se voltaram contra ele. DeLorean pediu demissão em abril de 1973.
Seis meses depois, ele disse ao “New York Times” que “não queria mesmo aquele emprego, porque um cargo na alta administração da GM consiste em participar de reuniões o dia inteiro. Mesmo ganhando US$ 650 mil por ano, se o trabalho não for satisfatório, você vai fazer outra coisa”, disse.
A era do DeLorean
Cinco semanas depois, o ostentoso criador de carros já tinha começado uma vida nova, livre dos grilhões de Detroit. Casou-se com a supermodelo Cristina Ferrare em cerimônia privada em Los Angeles, e eles logo se estabeleceram em Nova York. Ela tinha 23 anos. Ele, 48. DeLorean também começou a traçar planos de constituir uma companhia automobilística.
A DeLorean Motor Company foi fundada oficialmente em 24 de outubro de 1975, em Detroit. O plano era montar o que DeLorean chamava de “carro ético”, um veículo que fosse seguro, durável e sustentável. “Ele imaginou um carro que seria o melhor em tudo”, diz Jordan Livingston, documentarista que está finalizando um projeto sobre o empresário automotivo chamado “Living the Dream”. “Queria o melhor estilo, queria o [menor] impacto ambiental, queria o melhor custo-benefício para o cliente e também queria a melhor segurança.”
Em dois anos, a empresa criou um protótipo com motor central para atrair investidores. Bill Collins, ex-colega da Pontiac que teve um papel fundamental na criação do GTO, projetou um primeiro protótipo do que viria a ser o DMC-12. Mas DeLorean chamou Colin Chapman, o carismático e exibido fundador da Lotus Cars, para reprojetar o chassi e a suspensão. Não demorou para Collins ser demitido sumariamente.
Mesmo assim, o design do carro atraiu financiadores. O visual emblemático do cupê foi criado por Giorgetto Giugiaro, designer italiano fundador da ItalDesign que esteve por trás de clássicos como o carro-conceito Alfa Romeo Iguana, a Lotus Esprit, a Ferrari 250 GT SWB Bertone, o Techrules Ren e muitos outros. Giugiaro baseou o DeLorean em um carro-conceito de 1970 elaborado por ele para a Porsche, que tinha a mesma forma de cunha e, mais importante, dispunha de carroceria de aço inoxidável com portas do tipo “asa de gaivota”. A potência vinha de um motor Peugeot-Renault-Volvo V6 de 2,85 litros e 130 cavalos de potência instalado na traseira.
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Desvarios financeiros
O capital inicial chegou rapidamente, quando DeLorean pegou um empréstimo do Bank of America e recorreu a artistas – entre os quais Johnny Carson, apresentador do “Tonight Show”, Roy Clark e Sammy Davis Jr. – como investidores adicionais. Também levantou dinheiro por meio de um programa que dava ações da DeLorean às concessionárias que vendiam carros da empresa. DeLorean saiu em busca de fundos de desenvolvimento do governo para construir uma fábrica.
Os críticos ficaram entusiasmados com o visual do carro. Mas ele tinha potência insuficiente, era mediano nas manobras e não era nem inovadoramente seguro nem econômico em termos de consumo de combustível.
Em fevereiro de 1978, a “Business Week” noticiou que a empresa estava “flertando com Canadá, Espanha, Pensilvânia, Ohio e, mais recentemente, com sua cidade de origem, Detroit”. Contudo, depois de assinar um acordo preliminar com o Departamento de Comércio dos EUA e o governo de Porto Rico para construir uma fábrica em uma antiga base da Força Aérea, DeLorean recebeu uma oferta melhor do governo britânico para construir uma fábrica na Irlanda do Norte, em um pasto de vacas em Dunmurry, nos arredores de Belfast, bem no coração do sangrento conflito entre as comunidades católica e protestante da Irlanda.
Investimento total: mais de US$ 100 milhões em empréstimos e garantias do governo britânico e dezenas de milhões provenientes de investidores particulares. Tudo parecia estar se encaixando.
A não ser pelo fato de que todo esse dinheiro desapareceria muito rapidamente.
“O maior problema que tivemos foi que o primeiro plano de negócios desenvolvido quando o projeto passou para a Irlanda do Norte deixava bem claro que ficaríamos sem dinheiro no dia em que produzíssemos o primeiro carro”, diz Barrie Wills, autor de “John Z, the Delorean, and Me: Tales from an Insider”, que foi diretor de compras e abastecimento da DMC na época e, depois, o último CEO da empresa. “Nós sempre soubemos disso. E era por esse motivo que estávamos sob pressão constante para tentar convencer o governo britânico a nos dar um pouco mais de dinheiro. Mas não havia essa possibilidade.”
Sete meses depois do início das obras, o Partido Conservador de Margaret Thatcher chegou ao poder na Grã-Bretanha. Thatcher não aprovou o acordo que o Partido Trabalhista tinha fechado com o norte-americano. “Ela não via com bons olhos nenhum investimento do governo naquilo que ela considerava um setor privado”, explica Wills.
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Então, em janeiro de 1981, a primeira leva de carros teve problemas de controle de qualidade, o que levou a avaliações negativas na imprensa dos EUA. Os críticos ficaram entusiasmados com o visual do carro. Mas ele tinha potência insuficiente, era mediano nas manobras e não era nem inovadoramente seguro nem econômico em termos de consumo de combustível como DeLorean tinha prometido que seria.
A crise financeira se aprofundou. Surgiu um plano de reestruturar a empresa e abrir o capital como DeLorean Motors Holding Company. A oferta de ações proposta enriqueceria pessoalmente DeLorean, o acionista majoritário da companhia, em cerca de US$ 120 milhões, mas deixaria qualquer um que tivesse apenas “opções” – como as concessionárias que haviam aderido ao programa de investidores – com quase nada. Seria um negócio particularmente ruim para Margaret Thatcher e o governo britânico.
“Thatcher ficou indignada”, conta Livingston, e cortou qualquer investimento adicional na empresa norte-americana, colocando a fábrica de Belfast em recuperação judicial. No fim, apenas 9.000 DMC-12 foram montados, tendo sido vendidos cerca de 6.000 deles a consumidores.
O motor ferveu
Mesmo assim, DeLorean garantiu aos executivos da DMC que o dinheiro estava a caminho. Naquela época, Livingston recorda, os irlandeses de Belfast acreditavam em qualquer coisa que DeLorean dissesse. “Quando John DeLorean veio para [inspecionar as tropas], poderia muito bem ter sido George Clooney ou Brad Pitt visitando o chão da fábrica”, diz Livingston. “Cá estava esse astro do rock de braços dados com uma supermodelo. As pessoas ficaram absolutamente deslumbradas.”
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Ainda hoje, muita gente considera o executivo um salvador, independentemente do que digam que ele fez. “Todo mundo – dos taxistas aos bartenders e aos funcionários de hotéis, todo mundo – tem algo a dizer sobre John DeLorean”, comenta Livingston, que participou recentemente de uma reunião de trabalhadores da DMC e seus familiares. “Ele deixou uma marca incrível na comunidade.”
Por quê? Trabalhar na DMC não foi apenas o primeiro emprego para a maioria dessas pessoas, explica Livingston, mas também foi um dos empregos mais bem remunerados e significativos que elas já tiveram: “Ele veio para um lugar que tinha quase 80% de desemprego, gerou empregos, empregos qualificados, empregos dos quais essas pessoas poderiam se orgulhar”.
Quanto aos investidores, diz Wills, um grupo norte-americano liderado pela financista Jeanne Farnan estaria levantando dinheiro para a empresa e, segundo reportagem do “Washington Post”, Farnan afirmou ter encontrado investidores dispostos a investir US$ 10 milhões em um pacote financeiro destinado a resgatar a empresa pouco antes de os administradores judiciais designados pelo governo planejarem declarar a empresa DeLorean extinta. Ela encaminhou a DeLorean os documentos finais do empréstimo na manhã de 19 de outubro de 1982, o último dia para a empresa obter novos financiamentos ou ser liquidada.
Era bom demais para ser verdade. “Era um dinheiro que os administradores judiciais nunca aceitariam”, diz Wills. De acordo com o “Washington Post”, “Farnan está enfrentando um inquérito criminal conduzido pelo FBI e pela procuradoria dos EUA em Washington”. (Farnan acabou cumprindo pena de cinco meses por acusação de desacato ao juízo). No entanto, DeLorean nunca assinou os papéis. Pelo visto, ele tinha outro plano.
Wills voltou para casa depois de um longo dia no escritório, fez uma refeição e se acomodou para dormir. Por volta das 20h, recebeu um telefonema de um dos novos chefões do governo britânico, dizendo-lhe para reunir a força de trabalho e fechar a empresa de vez. Foi um choque. “Nós tínhamos mantido todas as pessoas essenciais conosco, na esperança de que a empresa fosse reestruturada, que os recursos financeiros fossem encontrados, de uma forma ou de outra, para trazê-la de volta à vida novamente”, diz Wills. Ele sabia que a situação era aterradora, mas não entendia a pressa repentina.
Ele viria a entender na manhã seguinte, quando ligou na BBC e descobriu que DeLorean tinha sido preso em um flagrante armado e filmado pelo FBI, durante o qual ele teria concordado com um esquema para vender 100 quilos de cocaína, com valor estimado em US$ 24 milhões, na esperança de obter dinheiro suficiente para manter sua empresa a salvo.
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Wills teve de encarar os trabalhadores depois de ouvir as notícias. “Havia homens adultos aos prantos”, diz ele. Em menos de 24 horas, os funcionários passaram de uma situação na qual foram informados de que o dinheiro estava a caminho para outra na qual viram seu chefe – a quem adoravam, apesar da ousadia dele, ou talvez por causa dela – ser preso sob acusação de narcotráfico. Uma semana depois, a DMC entrou com pedido de falência.
Durante o julgamento que se seguiu, o advogado de DeLorean, Howard Weitzman, argumentou que o FBI tinha conseguido pegar o desesperado empresário em uma armadilha porque sabia que ele faria qualquer coisa para salvar sua empresa. E os fatos indicavam que Weitzman tinha razão. De acordo com diversas reportagens da época, a transação foi apresentada a DeLorean por um informante pago do FBI. Quando DeLorean disse não ter dinheiro para pagar as drogas, o informante prometeu providenciar o financiamento, contanto que ele desse sua empresa em garantia. E, embora tenha mostrado intenção, ele nunca tomou posse das drogas.
Também parece que ele nunca pretendeu pagar por elas. O negócio com a cocaína foi mais um empreendimento comercial no qual DeLorean não estava investindo um centavo do próprio bolso. O governo entendeu que a concordância dele em entregar o controle da empresa constituía uma prova de que ele estava disposto a participar. Mas DeLorean não deu a eles o controle da DeLorean Motor Cars Limited nem da DeLorean Motor Company. Em vez disso, concordou em ceder-lhes o controle da DMC, Inc., uma empresa de fachada inativa e patrimônio. DeLorean estava dando um golpe nos golpistas. (Talvez tenha sido sorte dele o fato de eles serem falsos; o Cartel de Medellín, por exemplo, poderia não ficar muito contente com essa artimanha.)
Após menos de 30 horas de deliberação, DeLorean foi absolvido de todas as acusações.
Era só o começo
Seus problemas judiciais, no entanto, estavam apenas começando, e ele enfrentou julgamentos por peculato e fraude por parte de promotores federais, além de uma investigação por parte das autoridades britânicas. Nunca foi condenado. Mas os contadores recuperaram quase US$ 100 milhões para os credores da DeLorean Motor Company em uma vara cível ao longo de quase duas décadas.
A maior parte veio da firma de contabilidade Arthur Andersen, que foi considerada culpada de negligência e quebra de contrato em suas auditorias da extinta companhia automobilística. Em março de 1998, um júri do estado de Nova York ordenou que a firma pagasse US$ 46,2 milhões aos credores e acionistas da montadora por emitir pareceres de auditoria enganosos sobre esta última em 1978 e 1979. Mais tarde, a firma chegou a um acordo no valor de US$ 27,2 milhões. Um processo anterior e correlato instaurado contra a firma de contabilidade pelo governo britânico foi objeto de acordo em 1997, tendo a Arthur Andersen concordado em pagar um valor estimado em US$ 35 milhões.
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Levado à falência, DeLorean teve de vender sua casa em Nova Jersey, onde sua propriedade de 200 hectares acabou sendo comprada por Donald Trump e transformada em um Trump National Golf Club, que ele visita frequentemente, agora que é presidente.
Ao longo do caminho, a família de DeLorean também desmoronou, já que Ferrare o deixou depois que ele foi absolvido das acusações relacionadas à cocaína, levando a filha, Kathryn, e Zachary com ela. “Sem dúvida houve efeitos imediatos”, diz Zachary, atualmente com 47 anos de idade. “Quero dizer, como é que não haveria?”
DeLorean morreu em 19 de março de 2005 no Hospital Overlook, em Summit, Nova Jersey, devido a complicações após um derrame. Tinha 80 anos e morava com a quarta esposa, Sally, em um apartamento de um dormitório em Bedminster.
“Por um lado, sinto orgulho de meu pai”, diz ele. “Por outro…”
– Zachary DeLorean
Hoje, Zachary DeLorean não culpa mais o pai. “Todos nós tomamos decisões na vida, e algumas delas são corretas e outras são erradas”, diz ele. Quando indagado sobre o legado de seu pai, Zach fica tão dividido quanto todas as outras pessoas.
“Por um lado, sinto orgulho do meu pai”, diz ele. “Por outro, só quero mandar tudo à m****.”
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