Desde o momento em que foi anunciado o primeiro caso do que mais tarde seria chamado de Covid-19, o CEO da Moderna, Stéphane Bancel, começou a prestar atenção na evolução da doença. Ele distribuiu uma reportagem do “Wall Street Journal” sobre o novo vírus para sua equipe no início de janeiro, orientando para que ela observasse a situação de perto.
Quarenta e oito horas depois da divulgação da sequência genômica do vírus pelos cientistas chineses, em 11 de janeiro, a equipe da Moderna em Cambridge, Massachusetts, já tinha um esboço de vacina. Bancel enviou um lote de seu primeiro candidato à vacina para avaliação dos Institutos Nacionais de Saúde 42 dias depois. No início de março, a mRNA, que representa uma maneira totalmente nova de fornecer imunidade a doenças, foi injetada em seres humanos pela primeira vez.
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Isso tudo foi muito rápido. As vacinas geralmente levam anos (ou, em alguns casos, décadas) para serem desenvolvidas, mas, para Bancel, não foi rápido o suficiente. “Todos os dias estamos perdendo vidas, Realmente acreditamos que cada dia importa”, diz ele.
A velocidade de produção é viabilizada por uma nova tecnologia: as vacinas de mRNA, que têm o potencial de corrigir muitas das armadilhas das vacinas tradicionais que levam muito tempo para serem fabricadas, não são 100% eficazes e, se forem produzidas com vírus vivos, têm uma chance de deixar as pessoas doentes. Essas vacinas funcionam como um programa de computador: depois que o “código” de mRNA é injetado no corpo, ele instrui o mecanismo em suas células a produzirem proteínas específicas. O corpo, então, torna-se uma fábrica de vacinas, produzindo partes do vírus que acionam o sistema imunológico. Em teoria, isso os torna mais seguros e rápidos para desenvolver e fabricar, e é por isso que a Moderna colocou todo seu potencial nessa nova vacina para o coronavírus, interrompendo vários de seus outros ensaios clínicos nesse meio tempo.
É uma grande aposta para a empresa de dez anos que, atualmente, possui 24 produtos em andamento – mas nenhum ainda no mercado. A companhia de biotecnologia ostenta um enorme valor de mercado – US$ 17,5 bilhões -, mas registrou uma perda líquida de US$ 514 milhões no ano passado frente a receitas de apenas US$ 60 milhões. E a maior parte desse dinheiro foi proveniente de subsídios do governo e colaborações de pesquisa com grandes empresas farmacêuticas.
A perspectiva de que a Moderna possa ter tecnologia para compactar anos de desenvolvimento em apenas alguns meses e enfrentar um vírus que prejudicou a economia global faz com os investidores salivarem. O preço das ações da empresa saltou de US$ 19,23 em 2 de janeiro para US$ 53,19 nas últimas semanas. Isso fez de Bancel, que possui cerca de 9% das ações da Moderna, um novo bilionário, com patrimônio líquido de US$ 1,6 bilhão.
“Se funcionar, podemos ter a melhor tecnologia de vacinas do mundo”, diz o bilionário.
Mas esse é um grande “se”. Atualmente, não existe vacina mRNA no mercado e ninguém sabe, ao certo, se a tecnologia funcionará, muito menos contra esse vírus. Até o momento, ninguém foi capaz de fabricar uma vacina que funcione contra o novo vilão.
Bancel, de 47 anos, nem sempre acreditou na tecnologia. Ao ser confrontado, pela primeira vez, com a ideia de construir uma empresa em torno do mRNA, recusou. “Eu aprendi muito sobre a molécula. Como você a torna estável? Como você a torna não imunogênica? Como você a torna suficientemente pura para poder injetar em um ser humano com segurança?”, destaca.
Nascido em Marselha, na França, o executivo estava fazendo um mestrado em engenharia química na Universidade de Minnesota quando ouviu falar, pela primeira vez, do mRNA, em meados dos anos 1990. O mRNA (o “m” significa mensageiro) transporta informações genéticas do DNA para os ribossomos, as fábricas das células que produzem as proteínas que mantêm o corpo funcionando. Também é altamente instável e se degrada rapidamente no corpo humano. Essa impressão do mRNA ser frágil e difícil de trabalhar ficou na sua mente por muito tempo.
Em 2010, Bancel, que também possui MBA pela Harvard Business School, era CEO de uma empresa francesa de biotecnologia chamada bioMérieux quando um capitalista de risco, Noubar Afeyan, aproximou-se com um plano de criar uma empresa que usasse mRNA para novos tratamentos e vacinas. O executivo se mostrou, a princípio, cético, mas Afeyan o conquistou. “Se isso é real, pode ser uma nova classe da medicina”, Bancel lembra de ter pensado na época. Ele, então, juntou-se a Afeyan e a uma equipe de cientistas do MIT e de Harvard para iniciar a Moderna ainda naquele mesmo ano
Desde então, a empresa enfrentou uma série de contratempos e ceticismo. Nos seus primeiros anos, a Moderna foi criticada por ser discreta em relação a seus dados, assunto comentado num editorial na “Nature Biotechnology”. Há alguns anos, cancelou indefinidamente um de seus medicamentos mais populares, o ALXN 1540, desenvolvido em parceria com a empresa farmacêutica Alexion para tratar a síndrome de Crigler-Najjar, um raro distúrbio genético do sangue. E, embora algumas das vacinas em seu pipeline agora mostrem promessas promissoras, nem sempre foi assim.
“A primeira vacina contra o zika vírus em que a Moderna estava trabalhando teve pouca eficácia”, diz Justin Richner, microbiologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois. “No entanto, a empresa foi capaz de reformulá-la e obter uma resposta melhor.”
Bancel tem muito claro que a Moderna precisa de mais dados antes que possa declarar como eficaz sua vacina contra o coronavírus. Mas ele acha que os nove candidatos à vacina que a companhia já testou nos primeiros ensaios clínicos mostraram evidências de que sua plataforma é sólida. “Não sou uma pessoa que aposta, mas sou cautelosamente otimista”, diz.
O novo bilionário não é o único otimista. Nos últimos 20 anos, houve uma explosão de empresas desenvolvendo vacinas de mRNA para uma grande variedade de doenças, e muitas delas voltaram sua atenção para a pandemia de Covid-19. A companhia alemã BioNTech, por exemplo, está trabalhando com a Pfizer para desenvolver uma vacina de mRNA para a nova ameaça. Testes em humanos já começaram. Outra alemã, a CureVac, é apoiada pela Fundação Gates e deve começar os testes de vacinas ainda no verão do hemisfério norte. A Translate Bio, com sede em Lexington, Massachusetts, fez uma parceria com a gigante farmacêutica francesa Sanofi para desenvolver sua vacina de mRNA, com testes em humanos que devem começar ainda este ano.
O governo federal está apoiando vacinas de mRNA com dinheiro – prometeu quase US$ 500 milhões somente à Moderna.
Todos os protagonistas dessa indústria estão apostando na ideia de que as vacinas de mRNA podem reverter a maneira como as vacinas são produzidas há séculos: usando versões enfraquecidas ou inativas do vírus para treinar seu corpo a produzir anticorpos, fornecendo imunidade contra doenças. As vacinas tradicionais têm grandes desvantagens. Uma delas é que há uma pequena chance de a pessoa imunizada ficar doente se um vírus vivo for usado. A segunda é que elas demandam muito tempo para serem produzidas. Uma vacina contra a gripe sazonal, por exemplo, leva no mínimo seis meses para ser fabricada em função do crescimento de vírus em ovos de galinha. Elas também não são 100% eficazes – uma vacina contra a gripe típica usa uma forma inativa do vírus para estimular o sistema imunológico, mas é apenas cerca de 40% a 60% eficiente.
As vacinas de mRNA prometem resolver os dois problemas. Uma vez conhecido o genoma de um vírus, uma vacina pode ser projetada em questão de dias. Como elas não usam organismos vivos, não há risco de deixar ninguém doente.
Mas ainda é tudo teoria – não existem vacinas de mRNA no mercado para nenhuma doença. Quando perguntado como sabemos que as vacinas de mRNA funcionarão, Drew Weissman, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia, que passou 13 anos estudando a tecnologia, respondeu sem rodeios: “Nós não sabemos.” Houve apenas um punhado de testes em seres humanos contra doenças infecciosas, todos focados na segurança.
Os cientistas também não sabem ainda com que rapidez o novo coronavírus sofrerá mutação, o que pode afetar a frequência com que uma nova vacina precisará ser criada. Se o vírus sofrer uma mutação rápida, Weissman diz que “podemos ter que fazer uma nova vacina contra o coronavírus a cada ano ou a cada dois anos”.
Para acelerar o desenvolvimento, o FDA autorizou a Moderna e a BioNTech a iniciarem testes de vacinas em humanos antes que os testes de segurança em animais fossem concluídos.
A Moderna está acostumada a trabalhar com o governo. Nos últimos dois anos, a empresa vem atuando em conjunto com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, a organização liderada pelo zagueiro Dr. Anthony Fauci, em uma vacina para outro coronavírus que causa MERS (síndrome respiratória).
A fase três dos ensaios clínicos da Moderna deve começar no início deste verão norte-americano, mas Bancel já está se preparando para aumentar a escala. Em 1º de maio, a empresa anunciou uma nova parceria com a fabricante suíça Lonza para produzir até 1 bilhão de doses da nova vacina contra a Covid-19 por ano. A fabricação deve começar em julho, muito antes de qualquer vacina ser aprovada pelo FDA, o que provavelmente não acontecerá até o próximo ano.
O prazo pode parecer ambicioso ou até imprudente. Há dez anos, quando a ideia das vacinas de mRNA foi lançada pela primeira vez, Bancel sentiu o mesmo. “Era uma noite escura e fria de fevereiro. Atravessei uma ponte em Cambridge e minha cabeça estava literalmente girando”, lembra. “Pensei: ‘Nossa, isso é loucura. Provavelmente não funcionará, mas se funcionar, mudará a vida de muitas pessoas. Eu tenho que fazer isso’.”
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