Enquanto Itaú e XP se atacam mutuamente e expõem o conflito de interesses nos modelos de remuneração de quem oferta e assessora investimentos, uma terceira via corre no paralelo. Batizadas por alguns de corretoras 3.0, elas direcionam seus focos para os clientes, e não para os produtos. Analisam o perfil de cada investidor, seu patrimônio, objetivos de curto, médio e longo prazos e, por meio de uma visão mais macro, recomendam investimentos.
“É algo muito parecido com o serviço que os bancos prestam no nível ‘private’, só que para investidores dos mais variados portes, aumentando exponencialmente o volume de ativos”, conta Patrick O’Grady, cofundador e CEO da Vitreo, corretora que tem, entre seus sócios, Paulo Lemann (filho de Jorge Paulo Lemann, da Ambev), e se diz inserida nessa nova categoria de prestação de serviços.
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Para dar conta desse volume, entram em ação a tecnologia e a inovação, capazes de proporcionar escala ao atendimento e, consequentemente, reduzir os custos, com a mesma qualidade de portfólio. Para se ter uma ideia do quanto essas corretoras podem crescer em um curto espaço de tempo, O’Grady revela que, em 18 meses, a Vitreo já administra R$ 5 bilhões de ativos de 60.000 clientes.
“Uma instituição do porte do Itaú trazer à tona o problema do conflito de interesses é uma excelente oportunidade para discutir o assunto de uma maneira mais ampla e aberta. É como se eles dissessem para as corretoras que operam no modelo de comissionamento que elas precisam melhorar, já que estão agindo de maneira igual aos bancos, que sempre foram alvo de suas críticas”, diz Marcelo Maisonnave, sócio-fundador e diretor institucional da Warren, corretora criada em Nova York e lançada em Porto Alegre, em 2017, que também faz parte dessa nova geração.
Ele explica que, além da tecnologia de ponta, as corretoras 3.0 não trabalham com comissionamento ou metas. Elas operam o chamado fee based, ou seja, acertam o preço desde o início com o cliente, aumentando o nível de transparência e mitigando, ao máximo, o conflito de interesses. Segundo ele, há, inclusive, um modelo de cashback, no qual uma parte da remuneração do gestor é devolvida ao investidor. “O nosso objetivo é aumentar o volume de ativos”, diz.
O’Grady diz que a Vitreo opera da mesma maneira, mas alerta que, independentemente do sistema de remuneração, o problema está mais na eficiência da comunicação, já que muitos investidores, clientes tanto dos bancos quanto das corretoras independentes 2.0 – que têm na XP sua principal representante –, realmente não sabem quanto pagam por cada produto. Ele exemplifica citando o caso dos COEs (Certificados de Operações Estruturadas), opção que junta a segurança da renda fixa com a rentabilidade da renda variável e que foi alvo de críticas recentemente por ter pouca transparência em relação às taxas cobradas dos investidores.
MOVIMENTO NATURAL
Para Marson Cunha, diretor da Midtown Capital Partners, gestora sediada em Miami que tem US$ 730 milhões em ativos imobiliários, o enfrentamento entre bancos e corretoras é um movimento natural de um mercado que está amadurecendo. “A XP realmente detectou uma oportunidade e soube aproveitá-la. Antes dela, esse era um setor com pouca informação. O que a gente antes lia nos jornais, hoje se discute nos elevadores. Eles foram muito eficientes em educar as pessoas sobre o mercado financeiro e ampliar o acesso, já que antes o tíquete médio para os investidores era muito alto”, diz o executivo.
Cunha lembra que a XP começou essa movimentação em meados dos anos 2000, enquanto os bancos só mostraram os primeiros sinais de que estavam correndo atrás do prejuízo em 2015, caso do BTG Pactual Digital. “Hoje, eu diria que tanto as instituições financeiras mais tradicionais quanto os principais corretores independentes têm a mesma diversidade de produtos e o mesmo grau de conhecimento sobre eles”, diz ele, lembrando a adesão dos bancos às plataformas abertas e refutando a percepção de que seus profissionais não têm a expertise necessária para a construção de carteiras rentáveis.
Tanto Patrick O’Grady, da Vitreo, quanto Marcelo Maisonnave, da Warren, reconhecem que os bancos evoluíram ao longo dos últimos anos. Para Maisonnave – que participou da fundação da XP ao lado de Guilherme Benchimol, mas deixou a companhia em 2014 –, no entanto, alguns deles não abandonaram totalmente o velho hábito de sugerir aos correntistas algumas opções, por vezes, ruins e caras, apenas para bater metas.
O’Grady vai ainda mais longe e diz acreditar que dificilmente os bancos conseguirão acompanhar o ritmo das corretoras 2.0 e 3.0. “A estrutura é muito arraigada. Eles teriam de sacrificar a receita atual com uma rentabilidade bem menor até conseguirem recuperar isso com volume. Não é à toa que o Itaú comprou parte da XP”, diz. Ele cita, ainda, outras iniciativas que não foram bem-sucedidas nesse sentido, como a PI, plataforma digital de investimentos do Santander, que, segundo ele, “não ganhou tração”, e a Ágora, do Bradesco, que está sendo ressuscitada. “A Ágora poderia ter sido a primeira XP, mas morreu dentro de um banco tradicional.”
MOMENTO HISTÓRICO
Todos eles concordam que este é um momento histórico para o mercado brasileiro de investimentos. “O setor, como um todo, está tendo a chance de melhorar. Precisamos avançar em termos regulatórios, de transparência e isenção. Os investidores só têm a ganhar”, diz Maisonnave.
Marson Cunha lembra que o que não falta é espaço para que todo mundo possa crescer. Embora os bancos – cuja concentração se intensificou ainda mais nos últimos anos – detenham quase 90% dos investimentos do mercado, o volume de brasileiros que investe na Bolsa, por exemplo, é baixíssimo, o que abre um espaço imenso para outros players. Enquanto nos Estados Unidos cerca de 55% da população economicamente ativa aposta no mercado de capitais, no Brasil, embora o número de investidores tenha dobrado em 2019, na comparação com 2018, eles são apenas 0,5%. E, com a taxa Selic na mínima histórica, esse é um setor em plena expansão.
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O’Grady aposta que esse cenário vai contribuir também para a especialização dos agentes autônomos que trabalham para as corretoras. “Como em todo segmento, há bons e maus profissionais. Essa discussão vai aumentar o nível de exigência, fazendo com que eles se preparem mais e deixando no mercado apenas os melhores.”
“O importante é entender que, no fim, quem dá a palavra final sobre os investimentos é o cliente. Independentemente de onde o serviço está sendo contratado, é ele quem decide onde colocar o seu dinheiro. Além disso, esse é um serviço e, como todo serviço, precisa ser remunerado. Também é livre arbítrio do cliente decidir como pagar seu prestador”, conclui Cunha.
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