Em 5 de fevereiro de 2012 – quando esta matéria foi publicada -, os olhos dos norte-americanos estavam voltados para o Lucas Stadium, em Indianápolis, onde o New York Giants e o New England Patriots disputavam o troféu Vince Lombardi na 46a edição do Super Bowl. A expectativa é que o jogo exibido pela NBC quebrasse o recorde de audiência do ano anterior: 111 milhões de espectadores. Segundo a empresa de dados Nielsen, o Super Bowl de 2011 tinha sido o mais assistido de todos os tempos até então, bem como o programa em geral com a maior audiência na história da televisão norte-americana. E a expectativa acabou se tornando realidade: em 2012, 111,3 milhões de espectadores acompanharam a vitória do time da casa. (Nos anos seguintes, os números cresceram ainda mais. A final de 2018, com apresentação de Lady Gaga no intervalo, foi acompanhada por 118 milhões de pessoas na TV e 150 milhões na internet.)
Os números impressionam. Agora imagine um programa de televisão mexicano, que começou a ser exibido diariamente no início da década de 1970, capaz de atrair um número parecido de espectadores. Este programa existe: é a sitcom “Chaves”, produção da Televisa que estreou em 20 de junho de 1971 e, até hoje, é a atração mais famosa da rede mexicana.
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“Chaves” entrou em sua quarta década no ar e 20 anos desde seu último episódio original sem mostrar sinais de fadiga: média de 91 milhões de espectadores diários em todos os mercados nos quais era distribuído nas Américas. Nos Estados Unidos, onde figurava consistentemente entre os cinco principais programas em espanhol transmitidos em canais fechados, o sitcom era a principal comédia para crianças de seis a 11 anos, adultos de 18 a 34 anos e público de 18 a 49 anos no canal a cabo espanhol Galavision. No Brasil, com transmissão do SBT [até julho deste ano, quando a emissora anunciou que a atração seria descontinuada após 36 anos], os números eram ainda melhores e, muitas vezes, os episódios rendiam ao canal o primeiro lugar entre os programas mais assistidos durante o dia – o que causava uma certa dor de cabeça à Rede Globo, a maior emissora do país.
Os valores que envolvem o programa são igualmente surpreendentes. Desde que interrompeu a produção em 1992, “Chaves” faturou US$ 1,7 bilhão em taxas de distribuição para a Televisa, que detém os direitos audiovisuais da série, sendo que as reprises na TV regular representam US$ 1,5 bilhão desse valor, enquanto a receita restante vem dos canais a cabo. A sitcom tem 1.300 episódios produzidos durante 24 anos, o que significa que cada episódio de meia hora já arrecadou mais de US$ 1,3 milhão.
Essa soma não inclui receita de merchandising e outros acordos de licenciamento fora da televisão, e que geraram pelo menos outros US$ 24 milhões por ano para a emissora mexicana, um número que, provavelmente, aumentará consideravelmente em breve – entre outros produtos, há a previsão de lançamento de um filme 3D sobre o spin-off de “Chaves”, a série “Chapolin Colorado”, previsto para 2021.
Criado pelo comediante mexicano Roberto Gomez Bolaños, que também protagoniza o seriado, “Chaves” conta as façanhas de um menino de rua que vive dentro de um barril, interpretado pelo ator que, na época, estava na casa dos 40 anos. Também encenado por adultos, os amigos do protagonista incluem o mimado Quico e a intrigante Chiquinha, cujos bordões são amplamente usados na língua espanhola. As brincadeiras estão longe de serem politicamente corretas – geralmente envolvem golpes na cabeça com um martelo ou um tijolo.
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Muito que se especulou, ao longo dos anos, sobre o que torna “Chaves” um sucesso tão grande na América Latina, onde a relevância do personagem já foi comparada à de Simón Bolívar, o revolucionário venezuelano que lutou pela independência econômica e unificação da região. Para seu criador, tudo se resume à simplicidade. “‘Chaves’ sempre defendeu valores familiares como honestidade e compaixão, e as pessoas se identificam com ele por causa disso”, diz Bolaños, cuja vida e carreira foram celebradas em uma série de eventos programados para toda a América Latina em 2012. O ator faleceu em 28 de novembro de 2014 em Cancún, no México, aos 90 anos de idade.
Para Danilo Gentili, apresentador de um talk-show brasileiro e entusiasta de “Chaves”, o segredo do sucesso está no fato de haver uma trama universal e atemporal. “‘Chaves’ não é sobre um único personagem, uma vila ou apenas uma história. É sobre pessoas comuns e uma situação que todos conhecemos muito bem. O seriado nos faz rir de lugares miseráveis, cheios de pessoas gananciosas, egoístas e violentas, e também daqueles que são intimidados por esses cenários e estereótipos. E por que é tão maravilhoso? Porque é assim que a vida é. O programa nos faz rir do mundo em que vivemos. Estamos rindo de nós mesmos.”
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