“A regra do jogo de ter grandes fábricas foi quebrada”, disse Denis Sverdlov em uma chamada noturna pelo Zoom de sua casa em Londres. “Se você faz as coisas exatamente da mesma forma que os outros fazem, não pode esperar resultados melhores.” Por esse motivo, a Arrival, sua startup de veículos elétricos, está tentando uma nova abordagem com suas vans e ônibus futuristas.
Grandes fábricas de automóveis multibilionárias, quer construam Fords ou Teslas, são muito caras e inflexíveis para os mercados em rápida transformação e não se adaptam à mudança para a eletricidade, de acordo com Sverdlov. “Nós adotamos uma abordagem diferente para cada um desses elementos: que tipo de materiais estamos usando, como projetamos os veículos, como os montamos”, diz ele, vestindo uma camisa branca com o logo em asterisco da Arrival e sua marca registrada: a cabeça raspada. Um e-mail urgente e seu filho passando em segundo plano não atrapalham a explicação detalhada.
Sverdlov, que fundou a Arrival em 2015 com um investimento de US$ 26 milhões vindo de sua empresa de capital de risco com sede em Londres, Kinetik, está adotando uma abordagem muito diferente para fazer veículos elétricos rentáveis e acessíveis. (Ele criou a empresa após a venda de US$ 1,2 bilhão da fabricante russa de telefones Yota em 2012, que ele fundou e dirigiu). Sua ideia vai contra a obsessão de Elon Musk com o gigantismo, ou seja, as gigafactories multibilionárias e as usinas de bateria de nível terawatt-hora produzindo veículos suficientes para abastecer o planeta. Sverdlov está construindo microfábricas de US$ 50 milhões perto de clientes que não precisam de prensas de estampagem caras, oficinas de pintura e soldagem e linhas de montagem. Cada uma produzirá 10 mil vans ou mil ônibus por ano. As duas primeiras fábricas (em Bicester, na Inglaterra, e Rock Hill, nos EUA) serão abertas em 2021. Mais serão adicionadas à medida que a demanda dos clientes da frota crescer. “É quase como o modelo do McDonald’s”, diz ele. “Você crias quantas forem necessárias para atender à demanda.”
A Arrival também planeja vender vans de emissão zero a preços próximos a US$ 40 mil, semelhante ao dos modelos comerciais movidos a gasolina ou diesel. É uma meta audaciosa, pois os caminhões elétricos são pelo menos 50% mais caros. Para fazer isso, a startup afirma que seus veículos são mais leves devido à agressiva redução de peso de um chassi de alumínio e painéis da carroceria feitos de compostos únicos. “Mais leve” significa baterias menores e mais baratas, a principal despesa de veículos elétricos. Os veículos a bateria oferecem custos de combustível e manutenção mais baixos, ou seja, um fabricante que conseguir vendê-los perto do preço de mercado pode ter uma demanda substancial nos EUA, que compra 10 milhões de veículos comerciais leves anualmente.
A pressão para reduzir as emissões de carbono dos transportes, liderada por regras rígidas na União Europeia, Califórnia e Japão, está alimentando a competição global por veículos movidos a baterias e hidrogênio. Substituir veículos movidos a carbono por modelos elétricos também é uma grande oportunidade de receita que pode totalizar US$ 22 trilhões nas próximas décadas, estima o analista de ações da Morgan Stanley, Adam Jonas. A Tesla lidera no quesito “produção de veículos elétricos” devido a uma enorme fábrica na área da Baía de São Francisco e visa aumentar sua capacidade expandindo a produção na sua unidade de Xangai, que custou US$ 2 bilhões para ser construída. Além disso, está acelerando a construção de sua megafábrica de Berlim, de US$ 4 bilhões, e abrindo caminho para a outra de US$ 1 bilhão, em Austin, no Texas. Da mesma forma, gigantes globais, como Volkswagen, General Motors e Ford, estão reformando grandes fábricas para produzir centenas de milhares de veículos elétricos por ano.
Musk vê a produção em grande escala como o caminho para a Tesla abocanhar uma grande fatia desse negócio. Ele está “seguindo o modelo de integração vertical de Henry Ford”, diz o analista de manufatura Laurie Harbor, CEO da consultoria Harbor Resources, com sede em Michigan. “Ele não quer que ninguém tenha o controle da tomada de decisões ou o mantenha como refém de seu produto.”
A Tesla se concentra nas vendas ao consumidor, mas as frotas comerciais e de trânsito são mais atraentes para a Arrival, já que a empresa pode instalar facilmente postos de abastecimento e recarga centralizados. “Procure frotas para migrar de tecnologia (do motor de combustão interna) o mais rápido”, diz Jonas.
A abordagem de “adicionar capacidade conforme necessário” da Arrival está em desacordo com a Tesla e os rivais da indústria, mas Sverdlov tem aliados poderosos para sua ideia, mesmo que a geração de receita não comece até 2022. A empresa arrecadou US$ 118 milhões com a peso-pesado de investimentos BlackRock neste mês e US$ 110 milhões da Hyundai Motor e Kia em janeiro. Sua avaliação é de US$ 3,5 bilhões, de acordo com a PitchBook. DHL, Royal Mail do Reino Unido e UPS estão testando as vans elétricas da startup. A UPS também é uma investidora minoritária e encomendou 10 mil vans com um valor potencial de US$ 500 milhões de receita futura e tem opções para mais 10 mil. A gigante da logística está trabalhando em estreita colaboração com os engenheiros da Arrival para personalizar os veículos para as entregas diárias.
“Existem muitas startups com ideias para veículos elétricos. Infelizmente, não vimos muito disso se materializar em termos de produtos que chegam ao mercado”, disse Luke Wake, diretor internacional de engenharia automotiva e tecnologia avançada da UPS. “O que ajuda a diferenciar a Arrival é a maneira como eles foram bem financiados para realmente transformar algumas dessas ideias e visões em realidade.”
A UPS está testando o protótipo de vans da Arrival com enormes para-brisas dianteiros e recebe uma versão atualizada com portas de correr no final deste ano. As vans, assim como o ônibus elétrico com um interior que lembra um vagão de metrô moderno, apresentam um estilo limpo e geométrico que enfatiza que estes são veículos do século 21. O alcance da van por carga é de mais de 300 km e os ônibus vão até 500 km.
A meta da Arrival é ter um fluxo de caixa positivo até 2023, com crescimento do lucro nos anos seguintes.
“Modo de sobrevivência”
Assim como Musk, Sverdlov, 42 anos, é um caso inesperado de revolucionário dos transportes. Nascido na Geórgia em 1978, ele cresceu durante a difícil transição russa, da era soviética para o capitalismo. Quando adolescente, seu interesse não era por esportes ou música, mas por programação de computadores. “Este foi o ponto de partida do meu interesse por tecnologia.” Ele diz que não se lembra muito daquela época, embora tenha sido um período difícil: “Fomos treinados para encontrar uma forma de sobreviver. Acho que é uma habilidade importante para o tipo de negócio que fazemos agora”, afirma.
Escrever códigos era sua paixão, mas ele se formou em finanças na Universidade Estadual de Engenharia e Economia de São Petersburgo. Em 2000, quando tinha 22 anos e ainda estava na faculdade, Sverdlov entrou em sua primeira empresa para fornecer serviços de TI por contrato. Ele ajudou a escrever e instalar software para empresas de “finanças, logística, cadeia de suprimentos e manufatura”. “Essa foi uma parte muito importante da minha vida, ver como diferentes tipos de negócios operam”, relembra.
Sua startup se fundiu com a empresa de TI Korus, com sede em São Petersburgo, e por volta de 2006, ele começou a pesquisar o WiMAX, o padrão emergente para comunicações celulares. Tudo sobre isso o intrigou e, em maio de 2007, ele fundou a Yota. A empresa cresceu rapidamente como provedora de celular e, em 2012, foi a primeira empresa russa a lançar o LTE. A Yota desenvolveu seus próprios aparelhos e Sverdlov se tornou um inventor durante sua gestão, recebendo várias patentes europeias para recursos de telefone.
Os primeiros anos da era do smartphone também o fizeram pensar em veículos. “Senti uma grande frustração com os carros da época porque sabemos o que é possível com a tecnologia”, disse. “Os carros pareciam estar 20 anos atrasados.”
Mas levaria mais alguns anos antes que ele perseguisse esse interesse. A operadora de celular russa MegaFon comprou a Yota por US$ 1,2 bilhão em 2012. Sverdlov não fala sobre valores. Sua experiência na indústria de telefonia celular o levou a trabalhar como vice-ministro das comunicações da Rússia, para atualizar os padrões técnicos da indústria de telecomunicações. Ele não fala muito sobre algumas dificuldades, mas diz que “foi uma boa oportunidade para consertar as coisas.”
Houve “relações tensas” com algumas empresas durante sua passagem de 11 meses, segundo notícias da agência Interfax, depois que Sverdlov deixou o cargo em 2013. “Em reuniões fechadas, ele sempre teve que brigar com as empresas sobre muitas questões”, disse a Interfax, sem detalhar.
Ele se mudou para Londres e levantou US$ 500 milhões para criar a empresa de risco Kinetik para investir em startups de alta tecnologia. A Charge (nome original da Arrival) foi seu primeiro investimento em 2015.
Vantagem de peso
Cinco anos depois, a Arrival está perto de entregar as ideias que Sverdlov começou a formular na Yota. “A Arrival hoje não é apenas uma empresa que fabrica veículos elétricos”, afirma. “Somos uma empresa de tecnologia que cria sistemas, que depois criam veículos.”
Manter o peso baixo também é fundamental para sua estratégia. “Nosso material composto é significativamente mais leve do que o aço tradicional usado na indústria”, disse o presidente, Avinash Rugoobur, que já trabalhou para o grupo de tecnologia avançada da General Motors, liderando a aquisição da Cruise e ingressando na divisão autônoma para liderar a estratégia. Ele não fala o quanto mais leve, mas a vantagem “aparece na van onde você tem um veículo de quatro toneladas. Em nosso caso, nossa carga útil é quase o dobro do que qualquer outro veículo elétrico pode fazer nesse segmento por causa de quão leve é.”
Os ônibus também têm uma vantagem. A Arrival diz que eles pesam 16 toneladas quando carregados com passageiros. Se for assim, isso é três toneladas mais leve do que um ônibus elétrico Proterra Catalyst de tamanho semelhante lotado de passageiros. A empresa não anunciou o preço, mas os ônibus a diesel custam US$ 500 mil, as versões a gás natural saem por cerca de US$ 600 mil e os elétricos US$ 800 mil ou mais, de acordo com a Autoridade de Transporte Metropolitano do Condado de Los Angeles.
Fábricas antigas
A fábrica da Tesla em Fremont, na Califórnia, é um espaço cavernoso, com 49 mil metros quadrados, que pode produzir 500 mil veículos por ano. A antiga fábrica da Toyota-General Motors tem enormes prensas de estampagem transformando chapas de aço e alumínio em painéis de carroceria e componentes de chassis, exércitos de robôs-soldadores, oficinas de pintura, linhas de montagem e mais de 10 mil trabalhadores humanos. Rivian, uma startup de caminhões elétricos financiada pela Amazon, está se preparando para iniciar a produção em uma grande fábrica em Normal, Illinois, que costumava produzir Mitsubishis e Chryslers movidos a gasolina.
Essas fábricas foram construídas para fazer um grande número de veículos, mas são caras de operar, diz Mike Ableson, CEO da Arrival para operações automotivas, ex-vice-presidente da GM para estratégia global. “Assim que você compra uma daquelas fábricas de automóveis antigas, você se prende a um ativo de custo fixo muito substancial”, diz ele. “Algumas das crenças em torno dos benefícios de escala são realmente impulsionadas pelos gastos de capital. Se você gastou centenas de milhões ou alguns bilhões de dólares em uma fábrica de montagem para amortizar esse custo, você tem que fazer centenas de milhares de veículos por ano.”
Microfábricas
As ideias de Sverdlov sobre veículos elétricos inspirados nas indústrias de eletrônicos de consumo e aeroespacial intrigaram o veterano automotivo Ableson.
“Denis, vindo de um setor diferente com um background diferente, realmente passou algum tempo pensando em como poderíamos mudar a economia da manufatura”, diz ele. “É fácil, como uma startup, se preocupar com o produto e projetar produtos realmente legais. Seu método de fabricação talvez seja um pouco menos sexy como tópico. Eu diria que tem um impacto ainda maior nos negócios.”
Em vez de precisar de centenas de hectares de terra, as microfábricas da Arrival de 2.000 metros quadrados podem ser instaladas em um depósito padrão em um parque industrial. Além disso, podem estar operacionais em seis meses, em comparação com cerca de dois anos para plantas de grande escala. Os veículos da empresa têm um chassi plano e fácil de construir, que contém os eixos, bateria e motores elétricos. Transportadoras automatizadas levam seções para diferentes estações de trabalho em vez de linhas de montagem. Em vez de estampar metal para o chassi, a Arrival conecta as peças de alumínio extrudado, formadas pela injeção de metal em tintas. A startup também reduziu o número de componentes do chassi necessários para uma montagem mais fácil. Os painéis compostos da carroceria são unidos com adesivos de alta tecnologia, como ocorre na indústria aeroespacial, e não soldagem. Os veículos são coloridos com tintas e envoltórios externos, portanto, estações de pintura de milhões de dólares não são necessárias. As fábricas de automóveis padrão empregam milhares de trabalhadores de montagem. As microfábricas da Arrival precisam de cerca de 200.
Isso representa uma economia de milhões de dólares. Combine isso com projetos fáceis de construir e Sverdlov diz que as microfábricas podem ser lucrativas em volumes muito menores. Uma microfábrica precisa fazer apenas 20 veículos por turno (ou 40 por dia) e 10 mil por ano para ser lucrativa, contra cerca de 60 por hora nas fábricas de automóveis tradicionais. “Você pode construir veículos em Nova York com a economia unitária da China”, diz Sverdlov.
Uma alegação atraente, mas não comprovada até que os veículos estejam sendo enviados. Uma vantagem geral para fabricantes de veículos elétricos é precisar de menos componentes em comparação com automóveis movidos a gasolina, diz Harbor, que não revisou o sistema da Arrival. “Os caras dos veículos elétricos têm um produto muito mais simples. Complexidades muito limitadas em comparação com a GM que tem 80 modelos, Deus sabe quantos níveis de acabamento e a necessidade de trazer tantas peças e componentes diferentes para suas instalações.”
Além da Arrival, Sverdlov também ajudou a criar a competição de automobilismo autônomo Roborace, apoiada pela Michelin e pela Nvidia, para ajudar a aperfeiçoar softwares de veículos autônomos. Não há planos para que os veículos da startup se dirijam sozinhos, mas eles foram projetados para acomodar os sensores e a capacidade de computação necessária para isso quando a tecnologia estiver pronta, diz Rugoobur.
Os veículos elétricos estão no mercado há uma década, mas continuam sendo um nicho porque custam muito caro. Sverdlov diz que a Arrival vai mudar isso. “É possível fazer um produto verde e que ofereça todos os benefícios necessários, sem precisar pagar mais.”
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