A quinta-feira (26) será diferente no Carrefour. Todas as lojas, que estarão fechadas até às 14h, farão um minuto de silêncio em respeito à morte de João Alberto Silveira Freitas antes de receberem os primeiros clientes. A ação foi tomada pelo Comitê Externo de Livre Expressão sobre a Diversidade e Inclusão, uma iniciativa independente criada para assessorar o Carrefour Brasil após o caso de violência racial registrado em uma unidade de Porto Alegre que resultou na morte de Freitas nas mãos dos seguranças terceirizados da loja, pertencentes à Vector Segurança Patrimonial.
O time, composto por especialistas, líderes de movimentos negros e personalidades com voz ativa nessas questões, conta com Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos, Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales. Com o propósito de contribuir para que crimes como esse nunca mais ocorrem, o grupo terá como função orientar e aconselhar compromissos de Tolerância Zero à discriminação racial no Carrefour Brasil.
“Não trabalhamos para o Carrefour, trabalhamos para que os pretos se desenvolvam. Eu estive em quatro passeatas e em algumas ações nas lojas, mas chega um ponto em que precisamos tirar lições e propor ações para que esses fatos não se repitam”, diz Celso Athayde, fundador da CUFA – Central Única das Favelas. “Existe hoje um fundo que vamos gerir – são os pretos que farão essa gestão. Não temos como fugir dessa responsabilidade.”
Nos últimos dias foi decretado que todo o resultado de vendas dos dias 26 e 27 de novembro será revertido para ações orientadas pelo grupo. Esse valor também será somado aos R$ 25 milhões já anunciados como doação para a iniciativa e ao resultado de vendas do dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.
A proposta é que o comitê acompanhe constantemente o desenvolvimento de iniciativas em prol da diversidade e da inclusão. “Mas isso não se resume ao fundo e às políticas que vamos propor, mas nas práticas da empresa. Queremos ir além do Carrefour: que todas as empresas criem comitês como esse, fundos como esse e, acima de tudo, adotem a diversidade e a transparência na condução dessas iniciativas”, diz Athayde. “Esses comitês precisam contar com pessoas de vivências distintas, com experiências diversas de vários campos pretos e reputação para garantir que as ações efetivamente surtam efeito e sejam comunicadas. Isso não garante que fatos como o de Porto Alegre se repitam, mas garante que tudo está sendo pensado e feito para não se repetirem.”
O posicionamento do grupo, divulgado na tarde de hoje (25) por comunicado, diz que as ações de tolerância zero ao racismo não podem ser apenas momentâneas. É preciso criar e alimentar uma estrutura de igualdade de oportunidades, sendo assim, serão colocadas em prática outras medidas – mais especificamente oito – de transformação de curto a longo prazo para a rede varejista.
Primeiramente, uma cláusula de combate ao racismo e à discriminação por razões de origem, condição social, identidade de gênero, orientação sexual, idade, deficiência e religião será inserida em todos os contratos com fornecedores e, se descumprida, implicará em rompimento do contrato.
Após essa configuração legal, a empresa promete iniciar uma mudança radical em seu modelo de segurança, internalizando as equipes das três lojas da cidade de Porto Alegre com apoio da ICTS Brasil, empresa especializada na transformação da segurança privada. Além disso, pretende estabelecer regras rigorosas de recrutamento e treinamento para o time de segurança. Tudo com o apoio e parceria de organizações ligadas ao movimento negro.
Sobre o fato de contar com fornecedores terceirizados, Athayde diz: “Se as empresas, em geral, não entenderem por bem, vão ter que entender por mal. O debate é econômico também. Se todas elas – e não apenas o Carrefour – perceberem que podem perder mercado se não mudarem ou cederem, elas mudarão suas posturas. A sociedade deve pressionar e, num segundo momento, entrar na máquina para mudar o plano de voo. O futuro vai confirmar se faz sentido. Mas se não entrarmos na aeronave não haverá futuro”.
O terceiro ponto estende o treinamento para os colaboradores de todas as unidades do hipermercado, fazendo com que a Política de Tolerância Zero tenha uma divulgação clara dentro da própria empresa. E, se a mudança vem de dentro, o Comitê também aconselhou sobre medidas de geração de oportunidades de carreira organizadas pelo Carrefour, o que fez com que três iniciativas fossem colocadas em prática: a empresa promete oferecer qualificação diferenciada para 100 negros e negras por ano para aceleração na carreira, permitindo que tenham mais chances de alcançar cargos de liderança. Além disso, garante apoio a instituições de ensino distribuídas pelo país para formação profissional de jovens negros e a contratação aproximada de 20 mil novos colaboradores por ano respeitando a representatividade racial da população de cada estado do país.
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Como últimas medidas, a empresa também assegura a implementação de um dispositivo digital para denúncias domésticas, raciais e de violência contra a mulher no site e aplicativos do Carrefour e a criação de uma Aceleradora voltada ao desenvolvimento do empreendedorismo negro nas comunidades no entorno das lojas de Porto Alegre.
“Mais importante do que tudo isso é que o comitê fará uma escuta permanente, estando aberto a receber sugestões e propostas do que precisa ser feito”, diz Athayde.
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