Aos dez anos, Itamar Serpa Fernandes já tinha experiência no mundo dos “negócios”. O pai vivia de biscates no interior do Espírito Santo e, entre bicos e serviços sem carteira assinada, levava o primogênito como ajudante. Fosse para quebrar pedras, fazer tijolos ou puxar carro de boi, o pequeno sempre o acompanhava. “Ainda muito baixinho, eu andava na frente dos bois e eles quase pisavam em mim, além de babarem na minha cabeça”, brinca o fundador da rede de produtos para cabelo Embelleze.
Atualmente, o empreendedor está prestes a atingir R$ 1 bilhão de faturamento anual. No entanto, ao revisitar suas memórias, fica claro que a trajetória para chegar até aqui não foi nada fácil – embora não tenha sido suficiente para atrapalhar seu bom humor. Além de ajudar o pai nas mais diversas tarefas, o empresário conta que fazia dupla jornada, já que colaborava também com a mãe no que fosse necessário. “Uma época tivemos pensão, então eu a ajudava a lavar as panelas e esfregar os utensílios usados no fogão à lenha. Também vendia os doces que ela fazia na praça da cidade: pé de moleque, bolo, chupeta, doce de leite e até pastel.”
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Uma década mais tarde, Fernandes se emancipou do cargo de assistente dos pais para começar a trabalhar em uma oficina mecânica perto da casa onde vivia. “Não tinha jeito, eu tinha que fazer minha parte. Aprendi muito nesse período, inclusive os princípios de honestidade e trabalho”, revela o empresário. Porém, não foi apenas com as mãos na massa que ele acumulou aprendizados: o estudo nunca deixou de fazer parte da sua vida. Com uma origem humilde na roça, Fernandes conta que a escola ficava a cerca de seis quilômetros da sua casa. Todos os dias ele caminhava pela estrada de terra até a sala de aula que lhe deu a base para tudo que construiu hoje.
“Quando fiz 12 anos, tinha terminado a escola – pelo menos as que existiam na minha cidade, então tive que me mudar. Meu pai descobriu um colégio interno em Aimoré, Minas Gerais, e eu fiquei lá por três anos”, lembra. Essa não foi a primeira e nem a última mudança da vida de Fernandes, porém sua família só havia explorado, até então, as pequenas cidades entre Espírito Santo e Minas Gerais. Com uma memória invejável, ele relembra o dia 27 de fevereiro de 1957, quando, aos 16 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde uma nova fase da sua vida começaria.
COMUNIDADE DO RATO MOLHADO
Se alguém ousou pensar que os anos no colégio interno o afastariam do trabalho, a surpresa foi grande quando Fernandes começou a adicionar mais habilidades ao seu currículo. Durante dois anos, consertou bicicletas, foi caseiro na Tijuca, office boy e cobrador de ônibus, seu emprego mais duradouro em solo carioca. Como se dedicava muito aos estudos e ao trabalho, a qualidade de vida estava abalada. “Morávamos na região que agora é conhecida como Comunidade do Rato Molhado, na zona norte carioca. Na época, não tínhamos nem água, então precisávamos carregar tambores todos os dias.”
Em busca de uma vida melhor, Fernandes passou a prestar atenção aos conselhos do tio e se mudou de novo, desta vez para a cidade que mais prometia empregos e oportunidades na época: São Paulo. Na capital paulista, rapidamente encontrou emprego em um banco e as coisas pareciam melhorar. Até que, após seis meses de trabalho, seu pai faleceu. “Tive que voltar para o Rio imediatamente para cuidar da minha família. Tenho nove irmãos mais novos e, na época, o caçula tinha apenas 10 meses.”
Com apenas 18 anos, Fernandes já parecia ter vivido o dobro da sua idade. Equilibrava suas responsabilidades familiares e sua trajetória estudantil e profissional como um malabarista profissional. Enquanto cuidava da mãe e dos irmãos, recebeu uma proposta de emprego na Bayer, empresa onde o pai trabalhava quando faleceu. Foi direto para o laboratório de análises e pesquisas inorgânicas – e se apaixonou pelas fórmulas e teses científicas. “Fiz curso técnico em Química e depois prestei vestibular na área. Mesmo com toda dificuldade, sempre fui muito persistente, e acabei conseguindo entrar nas faculdades federal e na estadual do Rio.”
Nesse período, afastou-se dos laboratórios para se dedicar integralmente às salas de aula. Quando não estava estudando, estava ensinando Química, Física e Matemática em cursinhos da cidade. No entanto, o imã do destino foi mais forte. Quando estava no último ano do curso, conheceu um distribuidor de mercadorias de beleza que fez uma proposta tentadora ao jovem químico: criar uma empresa de produtos para cabelo.
NASCE A EMBELLEZE
No dia 8 de março de 1969, Fernandes assinou o primeiro contrato da então Kalu Produtos de Beleza do Brasil Ltda. A marca focada no universo feminino nasceu, simbolicamente, em uma data que anos depois seria escolhida para celebrar o Dia Internacional da Mulher, coincidência que o empresário carrega com carinho. “Estudamos o comportamento da mulher brasileira desde o começo da marca. Foi assim que descobrimos que o segredo do mercado brasileiro é a diversidade. Uma gama de produtos que contemple a diversidade da beleza.”
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Hoje, a marca tem mais de 500 produtos no mercado, mas tudo começou com o alisante Henê, que não danifica o cabelo e tinha um grande potencial de inovação na época. “Pedi ao meu antigo chefe para usar o laboratório da Bayer para fazer meus testes. Lá eu fui descobrindo ativos e fórmulas incríveis para novos produtos. Depois disso, meus parceiros de negócio encontravam os produtos mais loucos, levavam para mim e falavam: ‘Faz isso aqui, se vira’. Já era o gene de inovação crescendo”, lembra.
Por cerca de dois anos, tudo aparentava dar certo, principalmente na área química da empresa. Mas, como nem tudo são flores, o jovem empresário começou a perceber alguns comportamentos do sócio. “Inexperiente, sem noção das malandragens do mercado, tive que estudar muito para conseguir me livrar dele e assumir algumas funções, o que consegui depois de mais dois anos”, conta. Aos trancos e barrancos para aprender a conduzir um negócio, Fernandes lembra que esse foi apenas o primeiro de seus muitos erros como empresário. “Me juntei com meu irmão e um colega de primário, mas a divisão que eu fiz da empresa já revelava que eu não entendia nada de negócios: dei 30% para cada um e fiquei com 40%.”
Felizmente esse compilado de lembranças inusitadas não impediu a ascensão da empresa. Em 1977, com oito anos de mercado, ela já conquistava seu espaço no segmento de beleza com o lançamento de linhas famosas e populares como Natucor, Novex e Maxton. “Compramos algumas marcas e lançamos outras. Assim fomos montando nosso portfólio.”
Nos anos 1990, com o negócio bem consolidado, a empresa tinha até uma revista própria, que divulgava as novidades sobre o mundo da beleza, a “Embelleze”. “O nome da revista ficou tão forte que decidi rebatizar a empresa.” Com atenção redobrada à identidade visual da companhia, o departamento de marketing decidiu criar um logotipo que conversasse com o novo nome. Com um espiral e uma borboleta, a figura representa a metamorfose, uma transformação de vida, um dos propósitos da marca. “De lagarta a borboleta, o processo é o maior símbolo de transformação. A mesma que queremos entregar aos nossos funcionários e clientes”, explica o empresário de 77 anos.
Para Fernandes, toda essa construção de significado faz parte de um método de estudo de mercado e cultura da empresa chamado “Quebra de Código Cultural”. “Existe um código no consciente coletivo de cada cultura. O nosso, focado na mulher e na beleza, é criar vida. Trabalhamos com o significado, com o ‘porquê’, só a partir daí vamos para o ‘como’, colocando tudo em prática.”
Seja pelo método adotado ou pelo portfólio, a Embelleze tinha, no final de 2017, 7,1% de participação no mercado brasileiro de produtos para o cabelo, segundo dados mais recentes da Euromonitor International. Para enfrentar a concorrência com grandes nomes do setor, a empresa disseminou seus produtos pelo Brasil, expandiu para outros 52 países e fundou o Instituto Embelleze, com mais de 7 mil colaboradores e 350 franquias com cursos de cabeleireiro, barbeiro, depilação e manicure. Essas iniciativas fortaleceram a marca e a tornaram muito conhecida em todo o país.
Com 1,3 mil funcionários fixos na indústria e cerca de 6 mil colaboradores na venda direta, Fernandes ressalta que, hoje, seu principal foco é inovar e diversificar os negócios e canais para se manter sempre ativo e atual. “Lançamos o e-commerce no ano passado e, com a pandemia, ele se fortaleceu. Crescemos 20% em relação a 2019. Agosto, por exemplo, foi um mês que vendeu por dois no site oficial de vendas.”
O segredo dessa visão de mercado? Fernandes explica: “Esqueça o passado e adote o futuro. O passado pode tê-lo trazido até aqui, mas não há mais nada que ele possa fazer. Só existe o presente e o futuro. Você tem seus sonhos. Escreva-os em um papel e aja para chegar lá”. Protagonista de uma história de vida marcante, o empreendedor tem propriedade para dizer que o passado só deve ser citado como inspiração, mas nunca como uma âncora que impeça novos avanços. “Dê hoje um passo para o seu futuro. É assim que eu faço.”
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