Era o plugue de tomada que lançava uma luz bem fraquinha para Ana Neute se proteger do medo que tinha do escuro – e a hipnotizava até embalar no sono. A menina que passou a infância em Valinhos (SP), onde morou dos 5 aos 11 anos, não sonhava com uma profissão específica. Mas, desde sempre, se expressou de maneira criativa: adorava desenhar, fazer álbuns de fotografia contando histórias e dançar. Cresceu muito estimulada pelos pais – mãe de ascendência suíça e pai uma miscigenação brasileira de italiano, belga e indígena –, que deixavam livros de arte e discos pela casa. “Sempre fui curiosa em mexer nas coisas deles e carrego essas influências até hoje”, confessa a paulistana, hoje com 34 anos.
O interesse pelo design da luz brilha no fim da faculdade – Ana se forma em arquitetura na Escola da Cidade em 2011. Foi em uma oficina, no fundo da casa da avó, que as primeiras peças foram esculpidas. Já se vão oito anos trabalhando com iluminação, e, desde 2016, 15 coleções em parceria com a Itens. Bem mais recente – 2019 – é a sintonia com a marca Lider Interiores, onde escoa sua criatividade para a produção de mobiliário.
O trabalho de Ana Neute chama atenção desde o início da década passada. Ela foi escalada pela Made (Mercado de Arte e Design) logo na criação da principal vitrine do design autoral do país, em 2013, idealizada por Waldick Jatobá. No ano seguinte, recebeu o convite para pensar e produzir a instalação de entrada da SP-Arte. Mais um ano, e surgiu a oportunidade da primeira experiência internacional, em Milão.
A seguir, trechos da entrevista com a designer.
Forbes: Quando e como surgiu a decisão de cursar arquitetura?
Ana Neute: Terminei o ensino fundamental na Waldorf, uma escola que me abriu o olhar. A carga horária das aulas de arte era extensa e, por lá, me aproximei de várias técnicas como marcenaria e lapidação. Na hora de escolher uma faculdade, eu visitei a Escola da Cidade [no centro de SP], que nessa época ainda estava em construção. Com uma visão de mundo e de sociedade interessante, escolhi ir por esse caminho por ser uma formação ampla.
F: Qual foi a principal lição aprendida na Escola da Cidade?
AN:De como o espaço urbano é modelado pelas relações entre as pessoas. A manifestação física da cidade está conectada aos acontecimentos da sociedade e seus momentos históricos. A cidade é como um corpo, um sistema onde tudo está relacionado. Hoje, num cenário de pandemia, percebemos como a dinâmica da cidade foi alterada, os serviços mudaram. Pensar arquitetura é amplo, assim como o design.
F: Quando e por que começou a se interessar por iluminação?
AN: No fim da faculdade. Montei uma oficina de marcenaria e componentes elétricos no fundo da casa da minha avó [materna, Rosalie]. Em colaboração com o Rafael Chvaicer, começamos a construir as primeiras peças de luz, eram como esculturas. Aos poucos, fui me aproximando do desenhar, projetar e encontrar parceiros para trabalhar junto, somar forças.
F: Quando começou a parceria com a Itens?
AN: Foi o momento que houve uma virada no meu trabalho e ele ganhou força e expansão. Conheci a Mariana Amaral, diretora criativa da Itens, em 2015. Ela estava começando uma marca focada em iluminação e me convidou para desenhar peças exclusivas. As primeiras coleções foram Jabuticaba, Passarinho, Guarda-chuva e Shanghai. Hoje, são 15 coleções desenhadas em parceria com a Itens.
F: Como foram as participações de vocês na SP-Arte?
AN: Participamos de três edições. Nessas coleções, mergulhamos na parte de processo e materiais. A coleção Bruta, feita com capim-dourado, onde eu e a Mariana fizemos uma viagem para o Jalapão [TO] para conhecer a comunidade de artesãs que trabalha com esse material. Já a luminária Fluida tem como inspiração o movimento das águas. O vidro borossilicato derretido, em seu estado líquido, toma forma através do sopro dos artesãos. A luminária Canoa, um desenho de 2017, que passou por anos de testes e pesquisas até ser lançado em 2020, na primeira edição da SP-Arte online.
F: Quando foi sua primeira exposição internacional?
AN: A minha primeira experiência internacional foi a Made, em Milão, em 2015. No ano seguinte, fui representada pela Itens com as peças Jabuticaba e Guarda-chuva na galeria de design em Miami, Luminaire. Nomes como Claudia Moreira Salles e Isay Weinfeld também participaram da exposição. Em 2017, fui novamente representada pela Itens, desta vez em Milão, no Brasil S/A. Uma exposição com um grande alcance por ser em uma universidade e com a participação de grandes designers do Brasil todo.
F: Quando e por que começou a flertar com a expansão da sua produção para o mobiliário?
AN: Os móveis, mais especificamente, vieram após um misto de desafio e de prazer em criar peças que beneficiassem as pessoas em todos os sentidos. Os móveis têm contato direto com o corpo, e uma interação muito grande conosco. Então, busco sempre estudar novos materiais, a relação com as texturas, conceitos de ergonomia e conceitos que agreguem à criação das peças.
F: Quais peças já desenhou?
AN: Minha história com mobiliários já contempla quatro peças em duas participações prósperas em coleções da Lider Interiores. Primeiro, para a coleção Ela, inteiramente desenhada por mulheres, desenvolvi o banco e a mesa Botão. Já para a coleção Plural, desenhei o espelho Nexo e a poltrona Volta. O convite nesse caso veio através do estúdio Nada Se Leva, diretores criativos da marca. A proposta dessa curadoria eram peças multifuncionais e versáteis, que foram desenvolvidas através de meses de pesquisa e diálogo com a própria Lider. A Mesa Cava, de mármore maciço, esculpida para Brasigran, veio a público na Exposição de Rochas, em Vitória [janeiro de 2020].
F: Como nasceu a ideia do projeto de carimbos Bioma, exposto na Etel Design (SP), em dezembro passado?
AN: Nasceu entre três amigos. Pensamos em um objeto lúdico, que, ao mesmo tempo, fizesse a catalogação de seis árvores: freijó, imbuia, cabreúva, sucupira, jequitibá-rosa e angelim-pedra. Os desenhos feitos por Thiago Fink ilustraram os carimbos esculpidos por Otávio Coelho [edição limitada de 25 caixas de carimbos de diferentes tamanhos: árvore inteira, broto, galho, flor e folhagem].
F: Quais suas referências nacionais e estrangeiras no design mobiliário?
AN: Lina Bo Bardi [1914-1992, arquiteta ítalo-brasileira que fez o Masp e o Sesc Pompeia], Vírgula Ovo [marca paulistana criada por Luciana Martins e Gerson de Oliveira há 27 anos], Inga Sempé [francesa de 53 anos], Luca Nichetto [italiano de 45 anos], Hella Jongerius [holandesa de 57 anos].
F: Quais suas referências nacionais e estrangeiras na arquitetura?
AN: Paulo Mendes da Rocha [Desenhou o MuBE e recebeu o Prêmio Pritzker em 2006] e Peter Zumthor [suíço de 77 anos, Pritzker em 2009].
F: Como foi sua rotina em 2020?
AN: Estou trabalhando até agora [fevereiro de 2021] de maneira remota, mas fazendo reuniões virtuais com os meus parceiros e explorando novas maneiras de apresentar meus trabalhos e pesquisas em plataformas virtuais.
F: Criou algum hábito que vá perseverar após a quarentena?
AN: Passei a desenhar mais à mão. É um hábito que pretendo carregar para os próximos anos.
F: Tem hobby?
AN: Dançar, desenhar e viajar como pesquisa para um trabalho.
F: Qual a luz que falta para o Brasil?
AN: A luz uniforme, que ilumine a todos, com oportunidades mais equilibradas.
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Divulgação A luminária Canoa, feita
de imbuia e freijó -
Divulgação Os pendentes da luminária
Fluida são inspirados nos
movimentos da água -
Divulgação Mesa Cava, de mármore
maciço -
Divulgação broto, galho, flor e folhagem de seis árvores brasileiras
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Divulgação broto, galho, flor e folhagem de seis árvores brasileiras
A luminária Canoa, feita
de imbuia e freijó
Reportagem publicada na edição 85, lançada em março de 2021
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