Em uma sala de diretoria com paredes de vidro em West Hollywood, Kim Kardashian folheia uma pasta com ideias de emojis, assinalando uma bandana vermelha, um bronzeador e um maiô. “Eu devia tirar uma foto de mim mesma usando o Pablo de peça única, e você pode usar isto”, diz a estrela dos reality shows, referindo-se à linha de produtos do marido, Kanye West. Depois, ela postará no Instagram uma selfie vestindo o maiô que sua desenvolvedora de aplicativos, a Whalerock Industries, transformará em emoji e incluirá num aplicativo que os fãs poderão baixar por 1,99 dólar.
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Kim Kardashian é a encarnação da era das selfies. Ela alimentou a notoriedade que ganhou uma década atrás com um vídeo de sexo ao expor quase todos os detalhes de sua vida, gerando mais fama de maneira contínua.
No entanto, ao se preocupar com cada pormenor de um avatar, Kardashian se deparou com uma maneira nova de monetizar a fama, e tem sido astuta o suficiente para tirar proveito disso. Ela é a estrela de um game para celular, Kim Kardashian: Hollywood, no qual os jogadores criam sua própria celebridade, fazem amizade com Kim, e batalham para entrar no grupo dos VIPs.
Os números são de dar gosto. Desde o lançamento, em junho de 2014, Kim Kardashian: Hollywood foi baixado 45 milhões de vezes e faturou 160 milhões de dólares. FORBES calcula que a celebridade embolsou 45 milhões de dólares com o game nesse período. Este ano, ela ganhou 51 milhões de dólares, e foi parar na 42ª posição da lista Celebrity 100; 40% de seu ganho anual vem do game.
Ela não está sozinha. À medida que os games foram dos consoles para os computadores e, de lá, para os aplicativos de smartphone, a possibilidade de criar um game vendável se difundiu dos esportistas profissionais para praticamente qualquer pessoa que tenha um público. Muitos estão abrindo caminho em nichos que fogem ao convencional: Tom Hanks, ávido colecionador de máquinas de escrever, criou um app que simula datilografia, enquanto Shatoetry, de William Shatner, compõe poemas para os compradores. Partindo praticamente do zero no início da década, os games de celebridades para celular se tornaram um negócio de 200 milhões de dólares por ano, segundo estimativas de FORBES, sendo que pelo menos 30 celebridades — inclusive 12 da lista Celebrity 100 — ostentam o próprio game para celular, ou estão prontas para lançar um.
“Eu fiquei realmente fascinada pelo mundo da tecnologia. Comecei a passar bastante tempo em São Francisco”, diz Kardashian. “Percebi que este vai ser realmente o próximo ciclo da minha carreira.” Passar um tempo em São Francisco, seja literalmente, seja no sentido figurado, significa adaptar-se ao modelo de pagamentos do Vale do Silício. Em vez de receber uma taxa de licenciamento fixa, a grande maioria das celebridades ganha dinheiro com os aplicativos da maneira que você ganharia se conseguisse colocar algo na App Store: quanto mais o produto vende, mais você ganha. Em alguns casos, eles negociam um valor mínimo garantido.
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Assim como a maioria das coisas relacionadas às celebridades, trata-se de um negócio baseado em sucessos. O game de Kardashian é pioneiro. A humorista Ellen DeGeneres não está muito atrás: Heads Up!, um game de perguntas e respostas, foi baixado 25,5 milhões de vezes, e atingiu vendas estimadas em 25,9 milhões de dólares desde que foi lançado, em 2013.
O pai dos modernos games de celebridades foi — como seria de esperar — Michael Jackson, com seu Michael Jackson’s Moonwalker, para a Sega, de 1990, que fazia dançarem os jogadores de console. Mesmo assim, a porcentagem de adultos que tinham consoles de videogame e os usavam com regularidade era pequena, e a grande maioria dos jogadores era do sexo masculino.
Hoje, o smartphone abriu o setor a um público muito mais amplo — 55% dos jogadores de games são mulheres, de acordo com a empresa de pesquisas EEDAR — e ajudou as celebridades que fazem merchandising a ganhar milhões a mais com as porcentagens pagas depois, em vez dos contratos publicitários com pagamento adiantado.
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“Eu adoro meu computador grande, mas nem sei dizer a última vez em que me sentei na frente dele”, diz Kardashian, 35 anos, fazendo gestos para seu iPhone 6 Plus com as unhas pintadas de branco. “Estou sempre no meu telefone.”
Na liderança dos games de celebridades para celular está a Glu Mobile, desenvolvedora de São Francisco por trás dos games de Kardashian e de Katy Perry. Tendo a gigante chinesa da tecnologia Tencent como uma das donas, a Glu vem apostando alto em seus astros e estrelas: 30% da receita de 249,9 milhões de dólares obtida em 2015 veio de games com nomes de celebridades no título, incluindo 71,8 milhões de dólares gerados por Kim Kardashian: Hollywood.
O molho secreto da Glu: “Pegue um motor de jogo que já sabemos que tem boa monetização e alto valor ao longo do ciclo de vida, e descubra como turbiná-lo”, conta o CEO, Niccolo de Masi.
Kim Kardashian: Hollywood foi o primeiro a seguir essa receita. Ele começou como Stardom: The A List (2011) e Stardom: Hollywood (2013), em que os jogadores ganham pontos para batalhar em busca da fama. No auge, em 2013, Stardom: Hollywood tinha somente 250 mil usuários diários ativos, mas os desenvolvedores sabiam que boa parte deles estava gastando dinheiro — os cerca de 500 mil downloads geraram, segundo as estimativas, 2,5 milhões de dólares, ou 5 dólares cada. “A fantasia principal de um fã da Kim é exatamente o que Stardom oferecia, ou seja, ficar famoso”, diz de Masi. Em meados de 2013, de Masi contatou o agente de Kardashian, que levou o game até ela.
“Quando jovem, eu adorava os videogames”, diz Kardashian. “Eu me lembro de ter perguntado ao Kanye: ‘Será que devo fazer isso?’ Ele respondeu: ‘Sim!’ Foi assim que ele entrou na música, porque ele queria fazer música para video games e queria criar video games.” Para Kardashian, sempre preocupada com sua imagem, a possibilidade de controlar sua própria personagem virtual era boa demais para ser recusada. No fim do ano, ela e de Masi tinham fechado um contrato intermediado pela mãe-empresária dela, Kris Jenner, em cujos termos constava que Kardashian teria uma pequena garantia de seis dígitos e, segundo fontes, uma incrível participação de 40% das receitas, descontadas as taxas da plataforma. (A Glu nega essa cifra.) Kardashian também era responsável pela aprovação geral, e passou um ano finalizando ideias de vestuário e dando seu aval para cada enredo do game. Ela aprovava “cada um dos visuais, inclusive o delineador, os penteados, os tons de pele…” E ainda aprova. (“Ela responde minhas mensagens mais rápido do que meus próprios funcionários”, diz de Masi.)
Kardashian diz que, depois do lançamento, recebeu uma avalanche de comentários positivos. E aí o game contabilizou 74,3 milhões de dólares nos primeiros seis meses. “Quando descobri qual era a minha porcentagem, foi, tipo: ‘Meu Deus!’”, conta ela. Como ocorre com quase todos esses games, o modelo consiste em dar o aplicativo de graça e depois monetizar os jogadores mais fanáticos por meio de compras dentro do aplicativo — pequenos extras que acrescentam elementos e mantêm o game estimulante. Com isso em mente, Kardashian começou a sincronizar eventos da vida real com eventos virtuais, levando as personagens do game até Punta Mita, no México, no mesmo dia em que ela chegou lá. “A ideia geral era deixá-lo o mais ao vivo possível”, diz ela. “Eu dava biquínis [à Glu] e dizia: ‘Reproduzam logo este biquíni, porque vou usá-lo, e aí vocês podem colocá-lo ao vivo no game!’” Começaram a combinar férias e viagens de trabalho com atividades dentro do app.
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Os games gratuitos costumam ter um ciclo de vida de menos de 18 meses — não muito para um empreendimento que pode necessitar de uma equipe de duas dezenas de onerosos desenvolvedores. Mas o incentivo da porcentagem recebida impele as celebridades a promover os games por muito mais tempo do que num contrato publicitário comum. Em vez de apenas receberem um valor fixo adiantado, as celebridades assinam um contrato plurianual que geralmente inclui uma cláusula de não concorrência que as impede de criar games com outros desenvolvedores. Além de uma garantia, a maioria das desenvolvedoras paga uma porcentagem da receita que aumenta de acordo com o desempenho do game. A taxa de royalties típica da Glu está na faixa de 22%.
Por sua vez, a celebridade promove o game nas redes sociais e na TV. DeGeneres mostrou o poder potencial dessa publicidade: ela jogava regularmente Heads Up!, de 99 centavos de dólar, em seu programa, que é visto por 3,6 milhões de pessoas por dia, segundo a Nielsen. Isso tem ajudado a manter o game no topo das listas de aplicativos pagos mais baixados — e permitiu a DeGeneres arrecadar com o app um valor estimado em 9 milhões de dólares.
Outras empresas também têm usado esse esquema. Lançado em 2013, Covet Fashion fatura em torno de 44 milhões de dólares por ano e vem prolongando a vida útil do aplicativo ao contratar estrelas para “apresentarem” o game durante um mês. As jogadoras do game — 97% são mulheres — criam roupas para um elenco rotativo de ex-estrelas da Disney e da Nickelodeon. Emma Roberts, Gabrielle Union, Nina Dobrev e Vanessa Hudgens já se revezaram no papel de rosto do app. Para períodos curtos, o talento é pago com base no número de novos usuários que arregimentar — dois centavos por novo download — ou então recebe um valor mínimo garantido e uma porcentagem da receita extra trazida ao game, como o caso de Covet Fashion.
Como os games para celular seguem o modelo baseado em sucessos, eles enfrentam as mesmas pressões. As Jenner, meias-irmãs mais jovens de Kardashian, lançaram em fevereiro um game, Kendall & Kylie, que é a versão Glu de um spin-off. Ele faturou 8,6 milhões de dólares nas seis primeiras semanas — muito bom, mas não espetacular. E, como seria de esperar, mesmo Kim Kardashian: Hollywood vem perdendo fôlego: em 2015, arrecadou 2,5 milhões de dólares a menos do que tinha obtido nos seis meses anteriores. Apesar de as receitas da Glu terem mais do que dobrado entre 2013 e 2014, e terem subido ainda mais desde então, os investidores estão céticos com relação à capacidade dela de reproduzir seu sucesso. De um ano para cá, a capitalização de mercado caiu para menos da metade, baixando a 300 milhões de dólares; a empresa divulgou um prejuízo líquido de 7,2 milhões de dólares em 2015. Seu múltiplo está em 10,9, abaixo da média do mercado.
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Para perseguir o próximo sucesso, a Glu está dobrando a aposta em sua tática, ao contratar os maiores astros e estrelas de diversas categorias. Taylor Swift, que encabeça a lista Celebrity 100, lançará um game ainda este ano. O chefe de cozinha mais bem posicionado na Celebrity 100, Gordon Ramsay, acabou de lançar Gordon Ramsay Dash, que segue o modelo de Kardashian e é compatível com sua área de atuação. O game é baseado em outro lançamento da Glu, Cooking Dash, cuja versão 2016 foi baixada 15,6 milhões de vezes, segundo estimativas, e gerou em torno de 27 milhões de dólares.
Empresas que não trabalham com games estão diversificando para aplicativos de celebridades que tiram proveito do crescimento dos sistemas de mensagens. “[Os games] não vão desaparecer, mas vão convergir com tudo que é móvel”, diz Zack Sugarman, vice-presidente da área digital do Wasserman Media Group. “Mas você precisa incluir comunicação, bate-papo e emojis.” Daí o alvoroço na sala de reuniões de Kardashian com seu “Kimoji”, lançado em dezembro. A nova iniciativa de Kardashian é um aplicativo que leva o nome dela e custa 2,99 dólares por mês. Ele oferece cursos de beleza e conteúdos publicados por ela, os quais incluem “Como Ficar Quatro Dias Sem Lavar o Cabelo” e “Bronzeado e Tranças”. Parece que vamos conviver com ela por um bom tempo.