A cachaça brasileira está de parabéns – tanto pelos cinco séculos de existência completados em 2016 quanto pela qualidade e sofisticação que alcançou ao longo de todos esses anos.
Associações de produtores afirmam, com base em documentos históricos, que, em terras brasileiras, a aguardente de cana foi feita pela primeira vez em 1516 em Itamaracá, uma ilha na costa pernambucana. Pesquisas arqueológicas feitas pela Universidade Federal da Bahia descobriram ruínas de um engenho de açúcar datadas de 1520 nos arredores de Porto Seguro (BA). Ao que tudo indica, o primeiro destilado produzido na América Latina foi mesmo a cachaça, que teria surgido antes do aparecimento da tequila mexicana, do pisco peruano e do rum caribenho.
“Podemos dizer que a primeira cachaça foi produzida no litoral, entre São Paulo e Pernambuco, região onde os engenhos se estabeleceram após a chegada das primeiras mudas de cana-de-açúcar, vindas da Ilha da Madeira”, afirma o especialista Gabriel Colletta, diretor técnico da Confraria Paulista da Cachaça.
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No início, a cachaça não gozava de muito prestígio. Aos poucos, foi ganhando destaque nas bodegas e salões. No início do século 19, adquiriu status de símbolo nacional – deixar de bebê-la era considerado uma atitude antipatriótica, pois o Brasil vivia o período das lutas pela Independência. No século 20, garantiu presença nas prateleiras de praticamente todos os bares, restaurantes e supermercados do país.
A tendência atual é o surgimento de cachaças premium, produzidas em pequena escala, com sofisticação, e de preços elevados. Que o diga Leandro Dias, CEO da Middas Cachaça, que vende garrafas da bebida acompanhadas de flocos de ouro. “Temos uma escala limitada de produção, de 20 mil litros por ano. Nosso foco é oferecer um produto de alto valor agregado e sensorial”, diz ele.
A empresa comercializa duas versões, a Middas Reserva e a Middas Branca. A Reserva fica armazenada por dois anos. É uma bebida suave e com sabor levemente adocicado devido à maturação em barris de carvalho francês de primeiro uso. A Branca fica armazenada pelo mesmo período, mas em tonéis de madeira de amendoim do campo. Em ambas, o detalhe marcante são os flocos de ouro comestível de 23 quilates vindos da Alemanha.
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Outra marca de luxo é a Weber Haus. “Somos uma empresa de pequeno porte, sediada em Ivoti, no Rio Grande do Sul”, conta Evandro Weber, diretor da empresa. O destaque é o rótulo Weber Haus 12 Anos Extra Premium – Lote 48, que teve apenas 2.000 unidades numeradas engarrafadas no dia 26 de janeiro de 2013. O preço da exclusividade chegou a R$ 2.700 a garrafa.
O blend do Lote 48 foi escolhido entre 18 barris de bálsamo e carvalho francês guardados na cachaçaria há 12 anos. Os três melhores barris foram selecionados para compor a bebida. O design da garrafa é valorizado pelo rótulo banhado a ouro 18 quilates.
A Hof Microdestilaria também é adepta da cachaça chique. “Nossos principais produtos são as cachaças branca e ouro, sendo estas últimas premium, envelhecidas em barris de carvalho franceses e americanos”, diz Martin Braunholz, sócio da empresa. “A Alma da Serra – Barril de Carvalho Americano foi medalha de ouro no concurso de Bruxelas, em 2014”, conta.
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A Hof também trabalha com a estratégia de produção em baixa escala e garrafas numeradas. “Depois de pesquisar o mercado, começamos a destilar licores e, posteriormente, a bidestilar cachaça. Iniciamos a comercialização de forma gradativa e resolvemos apostar em um conceito de boutique – espaço pequeno, capacidade limitada de produção e linhas exclusivas.”
Outra cachaça de alto prestígio é a Anísio Santiago, anteriormente chamada de Havana. Produzida artesanalmente em Salinas, Minas Gerais, ela é tão conceituada que é usada como dinheiro no Vale do Jequitinhonha, onde fica a cidade que abriga a destilaria. Parte do salário dos funcionários é paga em garrafas da bebida. Eles as revendem ou as usam na compra de outros produtos.
NÚMEROS
As pequenas produtoras convivem com gigantes do setor. “A capacidade brasileira de produção instalada é superior a 1,2 bilhão de litros. O faturamento anual chegou a R$ 6 bilhões. São mais de 40 mil produtores alocados, principalmente, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, Ceará e Paraíba”, diz Gabriel Colletta.
Apesar de exportarmos apenas 1% da produção, mais de 60 países já consomem o “ouro líquido brasileiro”, especialmente Alemanha, EUA e Paraguai. No mercado nacional, corresponde a 50% do segmento de destilados. É a segunda bebida mais consumida no Brasil, atrás apenas da cerveja, e o terceiro no mundo, atrás da vodca e do coreano soju.
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“A cachaça é o único destilado no mundo que ainda tem a possibilidade de ver um boom no consumo. Trabalhamos com essa perspectiva”, afirma o diretor comercial da Seleta Ednilson Machado. “Há um enorme mercado interno a ser conquistado. E o internacional praticamente não foi iniciado”, continua. A marca é exportada para nove países: China, EUA, Alemanha, Itália, Uruguai, Portugal, Nova Zelândia, França e Japão.
A Weber Haus também está de olho no mercado externo. Seu principal importador são os EUA, mas já conquistou o paladar dos cidadãos da Holanda, Dinamarca, Alemanha, China, França, Japão, Itália, Noruega e Suécia. No começo de 2015, foi um dos destaques de um evento beneficente realizado em Miami. Em uma cerimônia comandada pela jornalista Gloria Maria e pelo empresário Lorenzo Martone, uma garrafa da Weber Haus 12 Anos Extra Premium – Lote 48 foi leiloada por US$ 5 mil (cerca de R$ 17 mil).