Vale a pena investir em obras de arte? Como montar uma coleção com peças relevantes? Perguntas como essas são respondidas pela norte-americana Mary-Kate O’Hare, consultora do Art Advisory & Finance do Citi Bank, uma área do banco que faz assessoria, gestão e financiamento de arte.
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Antes de ingressar no Citi, Mary-Kate foi curadora de arte americana no Museu de Newark, em Nova Jérsei (EUA), durante 13 anos. Em sua breve passagem por São Paulo, a especialista em arte do século 19 na América Latina e nos Estados Unidos ressaltou à FORBES que os interessados em investir em raridades, antes de mais nada, precisam “amar a arte”.
FORBES – O que a levou a ser consultora de investimentos em arte?
Mary-Kate O’Hare – Tudo tem a ver com minha profunda paixão pelas artes. Entre o meu mestrado e o doutorado, fui trabalhar em um pequeno museu em Nova Jérsei, o Morris Museum. Nele, cuidei de uma coleção permanente, aprendi sobre o funcionamento dos museus, a lidar de maneira apropriada com obras de arte; arquivá-las e interpretá-las para um determinado público. Nesse período, resolvi focar em arte contemporânea, e minha dissertação foi sobre as questões de masculinidade na obra de John Singer Sargent. Foi quando ingressei no Museu Newark, onde trabalhei por 13 anos. O Newark tem uma das grandes coleções americanas de arte geométrica, entre as décadas de 20 e 50. Em 2007, a nova arte abstrata do continente americano, em países como Uruguai, Brasil e Venezuela, chamou-me muita atenção. Meu trabalho demandava novas pesquisas, e eu queria saber se havia conexão entre os artistas americanos desse período e o resto da América Latina. Essas interrelações desembocaram na exposição “Constructive Spirit: Abstract Art na América do Sul e do Norte”, de 1920 a 50, que aconteceu em 2010. Em 2008, comecei a vir para o Brasil e não parei mais.
Quais artistas brasileiros a impressionaram?
Conhecer as esculturas interativas de Lygia Clark, chamadas de Bicho, foi uma grande experiência. Lygia quebra o conceito sobre o que é arte ao mudar a forma, e isso mexeu comigo. Geraldo de Barros (fotógrafo, pintor, artista gráfico e desenhista) também é um dos meus favoritos. Nos anos 40, quando não havia iPhone, Barros foi um inovador na fotografia ao sobrepor os negativos da arquitetura da Estação da Luz e obter como resultado peças de arte contemporâneas. Os artistas brasileiros são tão criativos que, como curadora e educadora, gostaria que todos os conhecessem. Conheci ainda a filha de Geraldo Barros, Leonora, que também é artista e estudou com o poeta concretista Augusto de Campos. Ela continuou com as ideias do pai e foi uma inspiração para mim.
Que obras raras passaram por suas mãos?
Em certa ocasião, como arquivista, tive a oportunidade de segurar uma pequena escultura do (escultor francês August) Rodin. Foi nesse momento que eu disse para mim mesma: “É isso o que quero fazer para o resto de minha vida”. Outra vez, a equipe do Citi conseguiu uma escultura maravilhosa de David Smith (escultor americano, 1906-1965). Ela veio de um colecionador particular.
Como comprar a peça certa para um cliente?
Para avaliar, é preciso conhecer arte, porque as peças são únicas. Temos um time de seis pessoas que está sempre atento aos leilões, sejam eles em Nova York, na Europa ou na América Latina. Porém, muitas dessas obras encontram-se no mercado internacional e sua circulação não é noticiada. Ajuda o fato de sermos curadores. Parte do meu trabalho no Brasil é fazer conexão entre os marchands no mundo e ver o que eles oferecem. Eles sempre me avisam quando surge algo interessante. Também estou conectada com clientes e artistas na América Latina.
Que tipo de recomendação faz quando um cliente deseja uma obra específica?
Um cliente me pediu agora um mapa do Alighiero Boetti. Estou vendo inúmeros mapas do artista, conversando com galerias da Itália, dos Estados Unidos e da Inglaterra. Esse é um pedido especial, em que existem várias condições envolvidas, inclusive o estado de conservação da peça. Alguns desses mapas bordados Boetti teceu no Afeganistão. Procuramos sempre garantir que ao menos um curador de nosso time veja pessoalmente a peça, para depois recomendar a compra. Até porque as fotos enviadas por iPhone podem nos enganar. Como consultora, preciso ser objetiva nas compras. Nos leilões, por exemplo, prefiro que os clientes não estejam presentes, porque existe o fator emocional. O último lance de um leilão, quando se bate o martelo, é diferente do preço a ser pago pela obra; é preciso somar todos os impostos. E nós, compradores, fazemos essas contas na hora do lance.
A arte é “precificável”?
Não. Quando vemos um recorde de preço como aconteceu recentemente com o quadro de Leonardo da Vinci (Salvatore Mundi, que atingiu, em 2017, US$ 450,3 milhões, o valor mais alto já pago em leilão por uma obra de arte), questiona-se o limite de preço de uma obra. E hoje existe um mercado emergente na Ásia e no Oriente Médio, que considera a arte um bom investimento.
Vale a pena investir nesse segmento?
O princípio básico para quem investe em arte é apreciá-la. Se pensar em adquirir objetos pelo simples fato de ganhar dinheiro, então não dará certo. Tem uma frase que eu sempre uso: compre com seus olhos e não com seus ouvidos. Isso porque muitas casas de leilões pressionam os compradores, especialmente os novos e inexperientes, a adquirir certo tipo de obra. É aí onde entramos. Auxiliamos nossos clientes a escolher, explicamos as diferenças entre as obras, ponderando os valores históricos, e chamamos atenção para o estado de conservação, apontando qual o valor justo a ser pago pelas peças. Por vezes, encontramos raridades, ou ainda peças muito bem conservadas, e isso é resultado de pesquisas de nossos especialistas. Outro ponto relevante é não almejar um único objeto, porque a obra de arte precisa se encaixar na coleção do cliente. Para ter essa precisão, apoio-me em minha experiência em museus. É preciso sair de um microuniverso, que é a peça única, para o macrouniverso, que é a coleção inteira. Ajudar alguém a montar uma coleção coesa, que conte uma história, é muito prazeroso.