Resumo:
- A Terra abrigar formas de vida não quer dizer que o feito se reproduza em planetas com as mesmas características;
- Descobertas provaram que vidas podem se desenvolver em ambientes ricos em arsênico, substância considerada danosa;
- Luz do sol e água líquida podem não ser um pré-requisito para a vida.
Quando pensamos sobre a vida lá fora no Universo, muito além dos limites da Terra, não podemos deixar de olhar para o nosso próprio planeta como um guia. A Terra tem uma série de características que consideramos extremamente importantes – talvez até essenciais – para permitir que a vida surja e prospere. Por gerações, os seres humanos sonharam com outras formas de vida além daqui, esforçando-se para encontrar outro mundo semelhante ao nosso, mas com uma história de sucesso única: a nossa própria Terra 2.0.
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Mas só porque a vida foi bem-sucedida por aqui, não significa que haverá sucesso em mundos semelhantes ao nosso – embora isso seja possível. Da mesma forma, só porque não foi encontrada vida em outros mundos, não significa que seja impossível. De fato, é bem possível que as formas mais comuns de vida na galáxia sejam muito diferentes das formas de vida terrestre, e ocorram mais frequentemente em mundos diferentes dos nossos. A única maneira de saber é olhar, e isso exige uma busca por sinais observacionais que podem nos levar a repensar nosso lugar no Universo.
Temos a mistura certa de elementos, leves e pesados, para ter um planeta rochoso com uma atmosfera fina, mas substancial, e os ingredientes básicos para a vida. Nós orbitamos uma estrela, com a distância certa entre a água líquida e a nossa superfície, com nosso planeta preenchido de oceanos e continentes. Nosso Sol é bastante vivido (e suficientemente pequeno em tamanho) para que a vida possa evoluir e se tornar complexa, diferenciada e possivelmente inteligente, mas suficientemente grande em massa para que as labaredas não sejam tão numerosas a ponto de destruir nossa atmosfera.
Nosso planeta gira sobre o seu eixo, mas não está parado, de modo que temos dias e noites ao longo do ano. Temos uma grande lua para estabilizar nossa inclinação axial. Temos um mundo grande (Júpiter) fora da nossa linha de congelamento para proteger os planetas interiores de ataques catastróficos. Quando pensamos sobre isso nesses termos, procurar por um mundo como a Terra – uma “Terra 2.0” – parece uma escolha óbvia.
Há muitas razões para acreditar que a procura de um mundo parecido com a Terra, que orbite uma estrela semelhante ao Sol, é a opção mais sensata quando o assunto e buscar vida em outras partes do Universo. Sabemos que existem, muito provavelmente, bilhões de sistemas solares que possuem pelo menos propriedades semelhantes às da Terra e do Sol graças aos nossos tremendos avanços nos estudos de exoplanetas nas últimas três décadas.
Como a vida não apenas surgiu, mas se tornou complexa, diferenciada, inteligente e tecnologicamente avançada na Terra, faz sentido escolher mundos semelhantes na busca para encontrar um mundo habitado na galáxia. Certamente, se há vida por aqui, deve ser possível que a vida surja novamente, em outro lugar, sob condições similares.
Praticamente ninguém nas comunidades de exoplanetas ou astrobiologia acha que procurar mundos semelhantes a uma Terra 2.0 é uma má ideia. Mas seria a ideia mais inteligente investir a esmagadora maioria dos nossos recursos apenas procurando e investigando mundos que tenham essas semelhanças com nosso próprio planeta rico em vida? Tive a oportunidade de me sentar e gravar um podcast com o cientista Adrian Lenardic, que não concorda com essa posição.
Se a ciência nos ensinou alguma coisa, é que não devemos presumir que sabemos a resposta antes de fazer experiências ou observações críticas. Sim, temos que olhar para onde as evidências apontam, mas também temos que procurar em lugares onde possamos pensar que é improvável que a vida surja, prospere ou se sustente. O Universo é cheio de surpresas, e se não nos damos a oportunidade de permitir que ele nos surpreenda, vamos tirar conclusões tendenciosas – e, portanto, fundamentalmente não-científicas.
Nossos preconceitos sobre como a vida funciona estavam errados anteriormente, pois o que pensávamos se tratar de restrições necessárias acabou por ser contornado não só abundantemente, mas possivelmente com facilidade e frequência.
Pensamos, por exemplo, que a vida requer a luz do sol. Mas a descoberta da vida ao redor das fontes hidrotermais a muitos quilômetros abaixo da superfície do oceano nos ensinou que, mesmo na ausência absoluta de luz solar, a vida pode encontrar um caminho.
Um dia também achamos que a vida não poderia sobreviver em um ambiente rico em arsênico, já que o elemento é um veneno conhecido para os sistemas biológicos. No entanto, não só recentes descobertas mostraram que a vida é possível em locais ricos na substância, mas que ela pode até ser usada em processos biológicos.
E, talvez surpreendentemente, pensamos que a forma vida complexa nunca poderia sobreviver no ambiente hostil do espaço. Mas o tardígrado (ser microscópico) provou que estávamos errados, entrando em um estado de animação suspensa no vácuo do espaço e reidratando com sucesso quando retornou à Terra.
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Temos que nos perguntar sobre o que mais pode estar por aí. Poderia haver vida nos oceanos subsuperficiais da lua de Júpiter (Europa), de Saturno (Enceladus), de Netuno (Tritão) ou mesmo no frio e distante Plutão? Todos eles orbitam grandes mundos maciços, que exercem forças de maré no interior do planeta, fornecendo uma fonte de calor e energia, mesmo em um ambiente onde a luz do sol não pode penetrar.
Em mundos rochosos sem atmosferas suficientes para abrigar água líquida, um oceano subsuperficial ainda é possível. Marte, por exemplo, poderia ter quantidades abundantes de água subterrânea líquida sob a superfície, proporcionando um possível ambiente para a vida ainda existir. Mesmo um ambiente completamente inabitável como Vênus poderia ter vida, já que a região acima dos topos das nuvens, a cerca de 60 quilômetros de altitude, tem temperaturas e pressão do ar semelhantes à da Terra.
Claro, podemos olhar para a classe mais comum de estrelas lá fora no Universo – estrelas anãs vermelhas (M-class), que compõem 75%-80% de todas as estrelas – e chegar a todos os tipos de razões pelas quais a vida é improvável para existir lá. Aqui estão apenas algumas:
- As estrelas de classe M bloquearam todos os planetas do tamanho da Terra (rochosos) onde quer que a água líquida seja capaz de se formar em escalas de tempo muito curtas (cerca de 1 milhão de anos ou menos);
- As estrelas da classe M se expandem de forma onipresente e facilmente removeriam uma atmosfera parecida com a da Terra em escalas curtas de tempo;
- Os raios X emitidos por essas estrelas são muito grandes, numerosos e irradiam suficientemente o planeta para tornar a vida como a conhecemos insustentável;
- E a falta de energia superior (ultravioleta e amarelo/ verde/ azul/ violeta) tornaria a fotossíntese impossível, impedindo a vida primitiva de existir.
Se estas são suas razões para desfavorecer a vida em torno da classe mais comum de estrelas no Universo, onde aproximadamente 6% delas são consideradas como planetas do tamanho da Terra no que chamamos de zona habitável (à distância certa para um mundo com condições semelhantes às da Terra para ter água líquida em sua superfície), você terá que reconsiderar suas suposições.
O bloqueio das marés pode não ser necessariamente tão ruim quanto pensávamos, já que campos magnéticos e atmosferas substanciais com ventos fortes ainda poderiam fornecer mudanças nos insumos energéticos. Um planeta (como Vênus) que gerou continuamente novas partículas atmosféricas poderia sobreviver a eventos de vento solar/ queima de flare. Os organismos poderiam mergulhar em profundidades maiores durante os eventos de raios X, protegendo-se da radiação. E a fotossíntese, como todos os processos da vida na Terra, baseia-se apenas no uso de 20 aminoácidos, mas sabe-se que mais de 60 outros adicionais ocorrem naturalmente em todo o Universo.
Embora tenhamos todos os motivos para acreditar que a vida pode ser onipresente – ou pelo menos ter uma chance – em mundos muito semelhantes à Terra, também é muito plausível que a vida seja mais abundante em mundos que não são exatamente como os nossos.
Talvez as luas extrasolares que orbitam grandes planetas (com grandes forças de maré) sejam ainda mais propícias à vida do que a Terra.
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Talvez a água líquida no planeta em si não seja um requisito para a vida, pois pode ser que o tipo certo de parede ou membrana celular seja capaz de permitir que a água exista em um estado aquoso.
Talvez o decaimento radioisotópico, as fontes geotérmicas ou mesmo as fontes químicas de energia possam fornecer a fonte externa de que a vida necessita; talvez, planetas interestelares – sem estrelas-mãe – possam ser o lar de vida alienígena.
Talvez até as super-Terras, indiscutivelmente mais numerosas do que os mundos do tamanho da Terra, possam ser potencialmente habitáveis nas circunstâncias certas. O maravilhoso sobre essa ideia é que ela é testável, de forma tão simples quanto a Terra orbita o Sol. Para examinar um planeta com possibilidade de vida, podemos abordar esse enigma com muitas linhas diferentes de investigação. Entre elas:
- Esperar por um fluxo planetário e tentar realizar um levantamento de dados físico-químicos na luz absorvida, sondando o conteúdo de uma exo-atmosfera;
- Tentar resolver o mundo com diagnósticos por imagens, procurando variações e sinais sazonais, como a ecologização periódica do mundo;
- Ou podemos procurar por núcleos, de neutrinos ou tecno-assinatura, que possam indicar a presença de um planeta povoado, sejam eles inteligentes ou não.
Pode ser que a vida seja rara no Universo, caso que nos obrigará a olhar para muitos planetas candidatos – possivelmente com alta precisão – a fim de revelar uma detecção bem-sucedida. Mas se procurarmos apenas por planetas que possuem propriedades semelhantes às da Terra e nos restringirmos a olhar estrelas-mãe e sistemas solares parecidos aos nossos, estaremos condenados a obter uma representação tendenciosa do que está por aí.
Você pode pensar, na busca por vida extraterrestre, que mais é mais, e que a melhor maneira de encontrar vida além da Terra é olhar para um número maior de planetas possíveis para ser a Terra 2.0 que sonhamos há tanto tempo. Mas os planetas que não são semelhantes à Terra poderiam ser o lar da vida que nunca consideramos, e nós não saberemos a menos que olhemos. Mais é mais, mas “diferente” também é mais. Precisamos ser cuidadosos, como cientistas, para não influenciar nossas descobertas antes mesmo de começarmos a procurar.