Enquanto as águas azuis cintilantes e as cidades com telhados vermelhos da Croácia vão ficando para trás, Torstein Hagen caminha pelo saguão minimalista em estilo escandinavo do navio de cruzeiro Viking Jupiter, explicando o que faz das viagens da Viking um sucesso. O segredo está no que os navios não têm. Não há cassinos, nem crianças, nem bebidas com guarda-chuvinha, nem noites de gala, nem toboáguas, e muito menos mordomos. Hagen está no ramo de cruzeiros há tempo suficiente para saber do que não gosta. E aí, minutos depois, ele deixa transparecer algo de que não gosta: não estar no comando. Foi isso que o inspirou a fundar a Viking Cruises: ele estava administrando uma empresa de cruzeiros marítimos e dando os retoques finais em uma aquisição de controle acionário que o deixaria com o cargo de CEO quando, do nada, outro comprador roubou a cena e mandou-o embora. Hagen passou dez anos tentando recuperar o controle, sem sucesso. Foi quando, aos 54 anos, ele criou uma empresa similar. “Era o mais próximo que eu poderia chegar de pegá-la de volta”, diz Hagen ao se acomodar em seu local favorito do navio – um sofá de couro no saguão do 1–º andar, onde você pode encontrá-lo à noite com um gim-tônica, ouvindo música clássica ao vivo e admirando obras de Edvard Munch.
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Ele recuperou sua antiga glória – e foi além. O que tem agora são 78 navios e 9 mil funcionários que geram uma receita líquida de US$ 1,6 bilhão. A empresa está valendo US$ 3,4 bilhões após a mais recente injeção de capital privado. Ele é dono de três quartos dela. “Estamos reinventando os cruzeiros marítimos”, diz Hagen, com brilho nos olhos.
Todos esses anos, Hagen pensou no longo prazo. Observou as grandes empresas de cruzeiros marítimos correndo para superdimensionar seus navios e enchê-los de paredes de escalada, karts, pistas de boliche e shoppings de vários andares para que os passageiros nunca tivessem de sair. Ele tomou notas e ficou esperando.
Enquanto isso, comprou quatro pequenas embarcações fluviais e criou o “cruzeiro para quem pensa”, com palestras, óperas e demonstrações de culinária, enquanto ridicularizava os outros como “cruzeiros para quem bebe”. Em seguida, tirou proveito de sua marca e sua base de passageiros para expandir. Desde 2015, lançou seis navios marítimos de 930 passageiros. “Todos diziam que eu não conseguiria financiar os navios, construí-los, tripulá-los ou enchê-los”, lembra Hagen. Ele estava motivado a provar que eles estavam errados. No ano passado, as 9 mil cabines da frota da Viking tiveram 98% de ocupação, sendo quase metade disso em navios marítimos.
Os cruzeiros fluviais e marítimos da Viking têm como principal foco o destino, seja Praga, seja Kotor, em Montenegro, sejam as ilhas Shetland, na Escócia. Os passageiros descem ao porto todos os dias para participar de visitas a famílias locais, apresentações privadas ou passeios em museus fora do horário normal de abertura. (A excursão mais procurada é um passeio pelo Castelo Highclere, onde se passa a série televisiva “Downton Abbey”.) À noite, eles experimentam a culinária local ou assistem a palestras sobre a história da região.
Hagen, de 76 anos, atende a um grupo específico: pessoas ricas, instruídas e com mais de 55 anos. “Posso fazer minha pesquisa de mercado olhando no espelho”, brinca. Enquanto você pode conseguir um cruzeiro de um concorrente pelo Caribe a US$ 399 por cabeça, os cruzeiros da Viking custam a partir de US$ 1.899 (por sete noites) e costumam se esgotar com um ano de antecedência. Esse valor inclui wi-fi, cerveja e vinho durante as refeições e um passeio em terra por dia.
Hagen mal consegue acompanhar a demanda. Ele vem tomando empréstimos loucamente (a dívida da empresa é de US$ 2,5 bilhões) para construir mais navios e levantou capital com o conselho de pensões do Canadá e com a empresa de private equity norte-americana TPG.
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“Perseverança é muito importante”, diz Hagen, que abriu a Viking com a mesma idade com a qual seu pai morreu e três anos depois de ter recebido um diagnóstico de câncer de próstata. Ele nasceu no subúrbio de Nittedal, em Oslo, e durante o inverno ia até a escola esquiando. O pai era contador e, aos 14 anos, Hagen seguiu os passos dele – arranjou um emprego de contabilidade em uma marcenaria. Formou-se em física no Instituto Norueguês de Tecnologia e então foi para os EUA cursar um MBA em Harvard. Depois de Harvard, veio a consultoria na McKinsey, onde ajudou a Holland America Line a escapar da falência, quando o preço do petróleo disparou. O conselho dele foi vender o lucrativo negócio de transporte de carga e usar o dinheiro para fortalecer a atividade de cruzeiros, que andava em dificuldades. Foi a decisão certa. Em 1989, a divisão de cruzeiros da Holland foi adquirida pela Carnival de Ted Arison por US$ 625 milhões.
“Ser consultor é uma coisa. Colocar a mão na massa é outra”, diz Hagen. Aos 33 anos, esbanjando confiança, ele apresentou um plano a uma companhia de navegação norueguesa em crise chamada Bergen Line e foi contratado como CEO. Abriu caminho para a lucratividade, demitindo tantos funcionários e vendendo tantos navios que a sede da empresa encolheu de cinco andares para um.
Em 1980, Hagen assumiu como CEO de uma das subsidiárias da empresa, a Royal Viking Line. E acrescentou uma nova seção intermediária aos navios para torná-los mais longos, elevando o número de passageiros de 525 para 740. Isso reduziu de 93% para 63% a ocupação mínima para ter lucro.
Em 1984, com a ajuda da empresa de private equity J.H. Whitney, ele arquitetou uma aquisição por US$ 240 milhões. A transação estava quase concluída quando ele ouviu na televisão que um concorrente, Knut Kloster, havia aparecido do nada para comprar a empresa. Hagen culpa um dos sócios da J.H. Whitney, que deixou de enviar os últimos US$ 5 milhões aos vendedores porque estava ocupado demais com a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles.
Hagen viu a Royal Viking entrar em um período difícil. Em 1994, concordou em ajudar a melhorar as finanças dela em troca da oportunidade de comprar a empresa. Levantou US$ 300 milhões com a venda de títulos de alto risco nos EUA e estava pronto para fechar o negócio quando o proprietário da Royal decidiu não vendê-la. Depois, naquele ano, Hagen tentou persuadir uma das grandes empresas de cruzeiros a comprar os títulos em circulação da empresa doente, assumir o controle dela e colocá-lo como CEO. Isso também não aconteceu. No final, os navios da Royal Viking foram vendidos e rebatizados, deixando disponível a marca marítima nórdica.
Nesse meio-tempo, envolveu-se em outra aventura. Ele e vários outros investidores gastaram US$ 157 milhões para reunir uma participação de 27% na empresa de navegação holandesa Royal Nedlloyd. Eles tentaram uma aquisição ao estilo de Carl Icahn. Seguiu-se um confronto cruel que durou alguns anos. Hagen, que usou dinheiro emprestado para comprar ações, quase foi à ruína. Vendeu seus ativos remanescentes e aplicou o valor em ações como as da Gazprom, alcançando US$ 5,5 milhões com esse investimento. Em 1997, com esse dinheiro e mais US$ 2,5 milhões de dois amigos, Hagen tinha o suficiente para comprar quatro navios fluviais de dois oligarcas russos. Não se tratava de embarcações marítimas, mas era o que ele podia pagar. O momento foi oportuno: em 1992, tinha sido concluído um canal na Alemanha que abria 3.500 quilômetros de vias navegáveis e ligava 15 países. “Os cruzeiros fluviais estavam prontos para arrebentar”, diz George “Skip” Muns, ex-executivo da Royal Caribbean que trabalhou na Viking de 2000 a 2008.
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Mas a crise financeira de 2008 colocou Hagen contra a parede. Desesperado, ele concordou em vender uma participação majoritária à empresa de private equity holandesa Waterland a uma avaliação de US$ 130 milhões, pelo que consta. Mas as negociações se arrastaram. Cinco meses depois, os negócios haviam se recuperado o suficiente para que Hagen pudesse voltar atrás. Ele também comprou a parte de seus acionistas minoritários.
O que salvou a Viking? As habilidades de marketing de Hagen. Ele inundava de folhetos as caixas de correio de norte-americanos prósperos de meia-idade e mais idosos. Um cruzeiro fluvial, dizia a eles, é a nova maneira de conhecer a Europa: você só precisa desfazer as malas uma vez. Enquanto muitas empresas de cruzeiros relutavam em mandar tanta mala direta – por medo de se indisporem com os agentes de viagens, que vendiam a grande maioria das passagens –, Hagen seguia em frente. Ele queria ser capaz de criar demanda a qualquer momento. Desde 2000, a Viking gastou US$ 1,5 bilhão com marketing, montando uma base de dados de 37 milhões de domicílios.
Em 2012, a Viking começou a exibir comerciais na série “Downton Abbey”. Revivendo a época em que alongava navios na Royal Viking, ele encomendou novas embarcações que acomodariam 190 pessoas, em vez das habituais 164. Empréstimos respaldados pelo governo alemão ajudaram a pagar 57 navios fluviais.
“O Tor tem sangue viking. Ele investiu pesado no desenvolvimento dos cruzeiros fluviais – bem antes de o mercado estar claro e durante períodos de debilidade cíclica – e criou a líder absoluta do mercado”, comenta Paul Hackwell, sócio da TPG, que investiu na Viking pela primeira vez em 2016 e detém 11% da empresa.
Como Hagen vê isso: “Eu adoro o risco. Adoro mesmo”. Em um sábado de 2012, durante um almoço em Londres com o amigo Manfredi Lefebvre d’Ovidio, CEO da Silversea Cruises, Hagen contou que estava decidido a voltar às viagens marítimas. Lefebvre, que nasceu em Roma, sugeriu a construtora naval italiana Fincantieri. Três dias depois, oito homens do estaleiro apareceram no escritório da Viking na Basileia. Hagen estava com pouco dinheiro. A Fincantieri estava desesperada para fechar negócio. Os contribuintes italianos respaldaram o financiamento, que cobriu 96% do custo dos navios, de US$ 340 milhões cada.
Com isso, a Fincantieri estará ocupada pelos próximos sete anos. Entre as encomendas está uma de mais seis navios marítimos, feita por Hagen, com opção de outros quatro. Ele quer 20 navios marítimos antes de encerrar as compras.
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Agora, o capital está fluindo em grande volume para o ramo de cruzeiros marítimos. Em 2014, a Norwegian desembolsou US$ 3 bilhões na compra da Regent e da Oceania. Em 2015, a Genting adquiriu a Crystal por US$ 550 milhões. Em 2018, a Royal Caribbean assinou um contrato para comprar uma participação de dois terços na Silversea Cruises por US$ 1 bilhão, o que o CEO Richard Fain anunciou como “a resposta a uma prece” que preenchia “uma lacuna em nosso portfólio”. A Ritz Carlton também está lançando uma empresa de cruzeiros.
Hagen já tem a maior empresa na ponta de luxo do espectro, e sua frota é a mais nova. Enquanto todas as empresas concorrem com base no que está incluído no preço, Hagen se diferenciou delas. A maioria das empresas de alto nível descreve seus hóspedes como VIPs que serão mimados e a quem mordomos de luvas brancas servirão champanhe e caviar, mas esse tipo de tratamento deixa Hagen desconfortável. (Certa vez, o sofisticado hotel Savoy de Londres lhe impôs um mordomo, e ele achou a experiência bastante constrangedora.) Não, o principal objetivo de Hagen é deixar seus navios agradavelmente simples.
A base de dados da Viking está surtindo efeito. Dois terços dos passageiros dos cruzeiros marítimos da empresa são passageiros de cruzeiros fluviais anteriores. Hagen vê espaço para cem barcos fluviais na frota da Viking. Ele tem dois navios de expedição em construção, que provavelmente navegarão para regiões distantes, como o Vietnã e a Antártida. E está ampliando sua frota de navios fluviais europeus que contam com funcionários falantes de mandarim, voltada aos turistas chineses.
Hagen (que aparece na Lista de Bilionários desta edição na 962ª posição) pretende permanecer no leme por muito tempo, e sua filha é vice-presidente executiva. Apesar de ter recebido ofertas de compra (ele não revela de quem), diz que nunca ficou tentado a vender. Quem poderia culpá-lo? Certa vez, ele perdeu uma empresa de cruzeiro. Esta é para sempre.
Reportagem publicada na edição 67, lançada em maio de 2019
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