Se a necessidade é a mãe da invenção, como diz o milenar ditado atribuído a Platão, a crise econômica e humanitária gerada pela pandemia da Covid-19 faz o mundo precisar como nunca de soluções inovadoras, rápidas e eficientes. Nesse contexto entram as startups de biotecnologia, as biotechs.
No Brasil, algumas biotechs têm se destacado sobretudo na produção de testes. A multiplicação dos testes pode ter grande impacto tanto na contenção do contágio quanto nas estratégias de relaxamento do estado de isolamento social ao qual foi submetida a população da grande maioria dos países.
O menor preço
A paranaense Hi Technologies é uma delas. Surgiu da intenção dos colegas do curso de engenharia de computação Sérgio Rogal Júnior e Marcus Figueredo de criar uma empresa de telemedicina, no início dos anos 2000. Em 2016, depois de se aventurarem em uma segunda versão da empresa relacionada à venda de oxímetros de pulso, eles entraram na área de diagnósticos. Desenvolveram um serviço de exames laboratoriais chamado Hilab. Figueredo conta que já no fim de 2019 a área de epidemiologia da empresa começou a monitorar o potencial do novo coronavírus, o que permitiu que a empresa se preparasse com certa antecedência para o que estava por vir.
O processo de diagnóstico é todo produzido pela empresa, do hardware ao estudo clínico em laboratório – o que foi possível depois de meses de estudos e trocas de informações com profissionais e laboratórios estrangeiros. “Nossos exames não são kits. Coletamos uma amostra do sangue do paciente. Essa amostra é analisada em uma máquina desenvolvida com nossa tecnologia. Os dados são enviados aos nossos laboratórios, que emitem os resultados”, diz o empreendedor.
Em 13 de março, quando o pânico começava a tomar conta dos brasileiros, a Hilab anunciou que já possuía os testes, e passou a fabricá-los em massa. Eles custam cerca de R$ 130 no mercado B2C, o “menor preço possível” – a empresa diz não estar interessada em obter lucros neste momento.
Teste domiciliar
O Labi Exames é fruto da parceria entre Marcelo Noll Barboza e o médico Octávio Fernandes, ambos ex-executivos da Dasa, maior rede de laboratórios do país. Em 2017, os dois decidiram montar seu próprio negócio na área, com o objetivo de “ampliar a cultura de diagnóstico no Brasil”. “Quando a gente pensa que há 160 milhões de pessoas que não têm plano de saúde, não é difícil chegar à conclusão de que estão fazendo testes de menos. Há cerca de 7 milhões de pessoas que são diabéticas sem saber – e só descobrem quando os danos causados pela doença são irreversíveis”, diz Barboza.
“Quando a gente pensa que há 160 milhões de pessoas que não têm plano de saúde, não é difícil chegar à conclusão de que estão fazendo testes de menos”, diz Marcelo Noll Barboza, sócio fundador da LabiQuando a epidemia foi deflagrada no Brasil, em meados de março, Barboza e Fernandes estavam tocando novos projetos que haviam sido projetados no ano passado, após uma rodada de investimentos de R$ 20 milhões em 2019. Esperavam crescer 150% em 2020. “Em meio à crise, reorganizamos os projetos, deixamos de abrir novas unidades, cortamos despesas e começamos a nos preparar para estender o caixa da empresa para uma temporada incerta”, afirma Barboza.
Ainda em março, o Labi lançou uma campanha oferecendo exames gratuitos para pessoas com mais de 80 anos, com a técnica RT-PCR (reverse-transcriptase polymerase chain reaction). Uma segunda ação foi disponibilizar exames genéricos em casa para pessoas com mais de 60 anos sem cobrar taxa domiciliar. “Imaginamos que durante a pandemia continuaria existindo a demanda por exames comuns para pacientes enfermos. Então, para evitar que esses pacientes se desloquem, nós extinguimos as taxas domiciliares”, diz Barboza.
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De repente, houve uma grande questão em torno da ineficiência da técnica de testes rápidos em função de sua baixa sensibilidade. “Para diminuir os falsos negativos, nós inovamos a técnica: em vez de coletar uma gota de sangue do paciente, nós fazemos a coleta venosa e levamos ao laboratório para separar o soro do sangue, e só então fazemos o teste. Isso aumenta muito sua eficiência”, explica ele. Os testes feitos em casa custam R$ 298 (RT-PCR) e R$ 245 (sorologia).
Sobre os impactos financeiros da pandemia, o sócio fundador revela que sua projeção inicial de queda de receita girava em torno de 60%. Com a entrada do Labi no setor de testes para Covid-19, o impacto negativo não só foi neutralizado como as projeções agora apontam um crescimento de 50%.
Agilidade
A Testfy é uma healthtech que mal nasceu (iniciou as atividades em janeiro deste ano) e já teve que mostrar a que veio. Segundo o CEO, Gustavo Janaudis, o foco da empresa é tornar o ato de fazer exames mais simples e prático. Os testes da Testfy são feitos pela técnica da autocoleta, ou seja, podem ser feitos em casa pelo próprio paciente.
Com o início da pandemia, a empresa resolveu seguir os protocolos da Organização Mundial da Saúde e usar sua tecnologia (desenvolvida na área da nutrologia) para compor seu próprio kit de testes RT-PCR. A empresa oferece orientação virtual instruindo o paciente sobre como proceder na autocoleta. Segundo Janaudis, a Testfy estava prestes a disponibilizar testes sorológicos – havia fechado parceria com um laboratório para a análise dos resultados, mas depois de quatro dias o laboratório ficou sem insumos. Foi nesse ponto que a empresa investiu R$ 400 mil na tecnologia necessária para realizar suas análises de forma independente.
Era esperada uma quebra da demanda por testes nutricionais durante a pandemia. E ela veio: “Nós tivemos uma queda de 70% nesse segmento. Mas os testes do coronavírus compensaram essa redução e ainda garantiram um aumento no faturamento de 35% a 40% por semana”.
Respiradores e leitos
A Sthorm não é uma biotech, mas sim uma startup que faz relevantes investimentos em pesquisas na área da saúde. “O objetivo da Sthorm é construir um mundo onde todos largam da mesma posição”, afirma o fundador e CEO Pablo Lobo. Em 2017, Lobo fundou, ao lado de um sócio investidor, a empresa que “une projetos a tecnologias e inteligências, criando ações que ajudam a solucionar problemas e transformar a sociedade”.
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Durante a pandemia do novo coronavírus, a Sthorm está atuando por meio de uma plataforma de crowdfunding doada ao Hospital das Clínicas de São Paulo. A iniciativa (chamada de Viral Cure) permite que as doações sejam utilizadas imediatamente pelo hospital. É dividida em “missões” – como a aquisição de respiradores e a criação de leitos de UTI –, o que ajuda a engajar o doador na causa. O projeto foi viabilizado com o apoio do Nova Era Instituto, que já contribuiu com R$ 3,6 milhões. Outras empresas, como Wildlife Studios, Loft e Mercado Pago, também se engajaram e estão apoiando a ação.
Reportagem publicada na edição 77, lançada em maio de 2020
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