Na véspera do quarto aniversário de sua marca de nome homônimo, conversei com a estilista de sapatos Jennifer Chamandi, baseada em Londres, para discutir a gênese de seu conceito patenteado de salto “eye-of-the-needle” ou “buraco de agulha”, a apreciação pela economia e a experiência trabalhando em banco, e devoção à criação de sapatos de salto chiques e confortáveis para as mulheres mais exigentes do mundo.
Depois de conhecer essa empresária dinâmica, digo isso com a maior sinceridade: meu desejo é que toda mulher que tiver a oportunidade vá até seu ateliê para conhecê-la pessoalmente e encomendar um par de sapatos de salto alto sob medida. O processo é um luxo que poucos estilistas do calibre dela oferecem e uma experiência que vai deixar você com uma nova perspectiva pela arte dos sapatos feitos artesanalmente. (Se você não puder ir a Londres, o Net-A-Porter tem uma bela seleção).
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Forbes: Imagino que seja necessário um trabalho de detetive para encontrar o fabricante certo para produzir sapatos artesanais. O que a levou a Milão? Você fez esse trabalho de busca por toda a Itália?
Jennifer Chamandi: Gosto de contar essa história para dar esperança às pessoas e inspirá-las! No começo, quando eu estava tentando encontrar um fabricante, as pessoas diziam que eu precisava alugar um carro, dirigir por todos os pequenos vilarejos e, basicamente, bater em todas as portas. Eu disse que faria isso se fosse preciso, mas venho de um passado profissional bancário e sou muito metódica no meu trabalho. Foi aí que pesquisei fábricas na Itália e identifiquei quatro centros: Milão, Veneza, Florença e Bolonha. Eu sabia que Jimmy Choo estava em Veneza, Aquazzura estava em Florença, e Christian Louboutin, Manolo Blahnik, Chanel e Hermès estavam todos em Milão. Então me concentrei nessa área para ganhar tempo –uma vez que é uma região facilitada pela concentração das marcas e demandas internacionais. A maioria das fábricas têm páginas na internet muito básicas, mas uma delas (que agora é meu fabricante) chamou minha atenção. Eu entrei em contato –enviei um longo e-mail que, olhando agora, deve ter parecido uma crise de meia-idade!–, mas não obtive resposta. O fabricante me recusou quatro ou cinco vezes, dizendo que estava muito ocupado e que não falava inglês. Sempre quis desenhar sapatos, mas como dizer a alguém que não o conhece que está saindo de uma carreira de sete anos no setor bancário e que está falando sério? Para mostrar a ele o quão séria eu era, aprendi italiano! Traduzi meu plano de negócios para a língua e disse que precisávamos nos reunir.
F: Eu amo essa história. Quanto tempo você demorou para aprender o idioma?
JC: Estudei bastante todos os dias por cerca de quatro meses. Quando contei o processo aos vendedores da Bergdorfs and Neimans, eles realmente se conectaram com a história e disseram que adoram compartilhar essas curiosidade com seus clientes. Não tenho formação em moda, meus pais também não têm relação com esse universo –comecei do zero. Mas acho que com a dose certa de determinação, paixão e comprometimento você pode fazer o que quiser.
F: Claro que você pode. E tenho certeza de que o fabricante apreciou seu esforço para mostrar o quão dedicada é.
JC: Essa foi a chave do negócio para eles. Ressaltaram dois pontos: meu comprometimento e seriedade (porque o design de calçados é algo muito técnico) e o fato de que eu tinha esse conceito único de “olho-da-agulha”. É uma oficina familiar. O pai tem 80 anos e está na fábrica todos os dias, fazendo todas as alças dos meus modelos à mão. É realmente incrível. Quando você os vê em operação, vê o sentido do seu próprio trabalho. Muitas máquinas são utilizadas em sapatos feitos em quantidades massivas, mas o que adoro na minha proposta é que tudo é processado manualmente. Isso é o que mais quero tentar proteger e manter enquanto puder. A única vez que uma máquina é usada é para fixar os pregos –fora isso, tudo é feito à mão.
F: Isso me lembra os friulanes, os slippers venezianos! Também adoro como eles são multifacetados –você pode usá-los de várias maneiras, dependendo de como posicionar a alça. Seja uma bolsa, sapatos ou qualquer outro acessório, acho que todas as mulheres querem ser capazes de usar algo em vários ambientes, dependendo do seu humor e da ocasião.
JC: Totalmente –e isso também está relacionado à sustentabilidade para mim. Adoro usar meus sapatos com infinitas combinações: colocar, tirar alças ou trocá-las–, há tantas maneiras de usar. E a alça não é apenas estética, mas também reconhecível e funcional, proporciona um conforto extra e prende o calçado ao pé (com exceção das botas onde é simplesmente estética). No caso dos slingbacks (sapatos abertos na parte de trás com uma alça em volta do calcanhar), há muitas mulheres que adoram usar, mas sentem que vão escorregar, o que não é o caso com os meus modelos.
Uma das histórias que contei em treinamentos anteriores é a da Cinderela: se ela tivesse calçado meus sapatos, não teria perdido um (embora não tivesse conhecido seu príncipe)! Com saltos mais altos, um sapato pode se soltar ao subir ou descer escadas. Então, funcionalmente, foi isso que motivou minha patente –porque patentes não são concedidas apenas pela estética na moda. Tem que ter um lado funcional e todo o mecanismo foi considerado uma invenção! Demorou dois anos e fiz minha família e todos que sabiam sobre isso assinar acordos de sigilo –em pedaços de papel de seda, que tenho até hoje.
F: Isso é engraçado, você enquadrou eles! Para que serve especificamente a patente?
Literalmente, criamos um novo gancho para contornar o canal do ilhós. Se você olhar pelo calcanhar, há um vão aberto, então temos um mecanismo para contornar isso –é um recurso técnico que passa por dentro de um pequeno bolso. Basicamente, o salto é a base do sapato e em um modelo agulha tradicional, você tem um gancho metálico que mantém ele junto à sola para que não quebre e permaneça fixo no sapato. Eu não sabia se minha ideia era executável porque –assim como um prédio com seus pilares– você não pode fazer um buraco na sustentação principal! Portanto, conhecer meu fabricante foi realmente a chave para desvendar o quebra-cabeça. Demorou cerca de oito ou nove meses para acertar meu primeiro protótipo. É preciso ser paciente.
F: Você sabia sobre o prego dentro do salto?
JC: Não, eu não tinha ideia! Quando falei originalmente com o meu fabricante sobre isso, percebi como eu era ignorante quando embarquei no ramo. Acho que essa é uma qualidade que todo empreendedor deve ter, porque se eu soubesse de todos os obstáculos e desafios que enfrentaria, ficaria muito desanimada! Mas fui movida pela ideia otimista e pela paixão de que poderia funcionar quanto mais tentasse e envolvesse todos os fornecedores! A razão pela qual eu queria tanto este fabricante é que ele fica em uma vila nos arredores de Milão onde Louis Vuitton, Manolo, Chanel e Hermès fabricam suas peças. Então, eu sabia que se conseguisse essa parceria, teria o melhor dos mundos: o melhor fornecedor de saltos, o melhor fornecedor de pregos, os melhores fornecedores de couros etc. O prego dentro do salto é um fornecedor, a base do calcanhar é outro fornecedor, assim como o acessório dourado que cobre o ilhós dourado também –todos eles precisam trabalhar juntos para fazer a estrutura. Essa complexidade é o que algumas pessoas podem não entender à primeira vista, quando se deparam com preços semelhantes aos de uma peça de Jimmy Choo e de Gianvito Rossi. Embora não eu tenha um nome tradicional, tenho este salto técnico e inovador, que me custa muito para produzir. A beleza disso é que os compradores instantaneamente reconhecem, entendem e pensam que os preços são muito justos pela qualidade e o acabamento.
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F: Como surgiu esse desejo de criar sapatos? O que era tão atraente neles?
JC: Minha mãe era uma grande fã de moda. Cresci observando o cuidado que ela tinha com seus pares –eles duravam mais de dez anos. Sempre que ela voltava de um jantar, ela os colocava de volta em suas sacolinhas. Eu estava sempre perto dos saltos. Ela me fazia estudar todos os dias e eu falava pra ela que tinha que [estudar] de salto porque assim me sentia mais confiante… e poderia usar os sapatos dela.
Parece juvenil, mas foi realmente minha mãe que me influenciou nisso –e eu amo moda em geral. Os sapatos são tão técnicos e adoro esse aspecto das coisas. Fui para a Escola de Economia de Londres porque meus pais queriam me empurrar para a vida acadêmica –com razão– mas, na época, eu queria ir para a Central Saint Martins de design. Disseram que não e explicaram que eu deveria ter uma base sólida e assim poderia mudar para a moda. Foi o conselho mais sábio porque hoje tenho meu próprio negócio e administro meus orçamentos. Eu sou uma criativa estruturada. Minha experiência em economia e bancos ajuda muito.
F: Você tem uma compreensão mais holística do cenário e como tudo funciona…
JC: Exatamente. Negociando com fornecedores, conversando com advogados, eu nunca teria sido capaz de fazer isso se não tivesse uma vida anterior atrelada a finanças, contratos e advogados.
F: E quanto ao futuro? Quais são seus objetivos e visão para os próximos anos da empresa?
JC: Sempre digo que não é uma corrida. Eu quero fazer isso no longo prazo. Muitas pessoas buscam a todo custo expandir rapidamente apenas para vender, para movimentar o volume com mais agilidade. Mas hoje em dia, sinto que as pessoas são bombardeadas por escolhas. Quando eu lanço novas coleções, ela são bastante limitadas. Eu gostaria de crescer organicamente. Os EUA definitivamente têm sido um grande ponto de inflexão para mim.
F: Sério? Como assim?
JC: É a América! O sonho americano. Os volumes são maiores. A escala é maior. O apetite é maior. No Net-A-Porter, por exemplo, meu mercado mais forte são os EUA. Disseram que meus sapatos têm uma estética muito americana. É uma estética clássica. Não é muito na moda e não é muito barulhento, mas tem uma vanguarda e um DNA forte. E eu brinco muito com os modelos. Por exemplo, eu tenho o clássico em couro preto, pump de couro aveludado, mas também tenho estampa de leopardo com camurça fuschia –algo completamente ‘fashion’ se você quiser, mas ainda é uma estética clássica. O [mercado] dos EUA foi algo que eu sempre quis, embora agora compreenda a beleza e a magia do momento certo. Queria entrar nos EUA há quase dois anos, mas não estava pronta em termos de volume, logística e equipe. Acho que há um grande potencial nos EUA, mas a sustentabilidade é muito importante para mim –não gostaria que um varejista comprasse 500 pares e vendesse apenas cem no final da temporada. Seria uma perda de tempo e dinheiro para nós dois e quero operar com a menor perda possível.
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F: Eu adoraria ouvir mais sobre seu processo sob medida.
JC: Algo que percebi sobre o consumidor americano de luxo é que eles querem o que ninguém mais tem. A beleza de ter desenvolvido um relacionamento tão próximo com meu fabricante é que ele me apóia muito. Posso cancelar um pedido especial em três ou quatro semanas. Se for super urgente e super VIP, podemos fazer isso em uma semana –nosso prazo convencional é de 21 dias. Outras empresas normalmente levam de quatro a seis semanas. Algumas mulheres vêm ao meu showroom, onde temos amostras e escolhem o que querem. Eu faço muitos sapatos de noivas sob medida, e a Neiman Marcus recentemente fez um pedido especial para uma de suas principais clientes que amava meus sapatos, mas queria duas cores que eles não ofereciam. Acho que o serviço sob medida fará parte do futuro porque todos nós queremos itens únicos e personalizados. É um luxo! Mesmo que custe entre 30%-50% a mais dependendo do couro (porque estou adquirindo o material especialmente para elas) e estou produzindo uma unidade em vez de 50, a cliente entende que é um serviço só para ela. Antigamente, eu adoraria conhecer o designer e ir ao showroom para me sentir parte do processo criativo. Por isso, adoro falar com as mulheres que compram os meus sapatos porque no fim das contas é uma coisa que começou na minha cabeça, e quando os vejo materializados nos pés de alguém é mágico!
F: Isso também permite que você se conecte com sua clientela em um nível mais pessoal.
JC: Exatamente! Eu consigo conhecê-las melhor –do que elas gostam ou não. Já vi todos os tipos de pés, todos os tipos de dedos, todos os tipos de joanetes, todos os tipos de pernas. Já ouvi todo tipo de feedback, comentário e história. O conto da Cinderela sobre experimentar o sapatinho de cristal não é brincadeira –cada mulher tem um pé diferente. Em geral, o principal feedback que recebo é que meus sapatos são muito confortáveis. É algo em que trabalhei muito. Eu criei um molde especial com o meu fabricante que é mais largo do que o normal para que os dedos não fiquem pressionados.
Acho que a maioria das mulheres olha para um sapato bonito e pensa: “Oh, meu Deus, é tão lindo, mas deve ser tão desconfortável”. Ninguém quer um sapato que vai ficar guardado no armário. Já se foram os dias em que você ia para um jantar sofrendo, incapaz de dançar ou ir a pé pegar um táxi porque estava com dor nos pés. As pessoas querem conforto agora. Um salto alto nunca será um tênis, mas pode ser confortável. Eu não os usaria por quinze horas –embora algumas mulheres usem. Uma apresentadora da CNN tem pelo menos oito modelos meus e diz que consegue usá-los no set por quinze horas seguidas.
Esse é o testemunho final! Sou uma mulher que desenha para mulheres, o que considero um ponto muito importante porque penso em tudo. Mesmo um milímetro mais largo ou um milímetro mais baixo pode fazer a diferença. Só quero que os sapatos sejam funcionais e confortáveis. E, obviamente, a beleza vem automaticamente porque eles são lindamente produzidos. Mas para mim, o mais precioso são realmente os elementos de conforto.
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